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2. GLOBALIZAÇÕES E HIERARQUIAS: BRASIL E PORTUGAL NO

2.5. PRESENÇA BRASILEIRA EM PORTUGAL

Não é novidade que, em Portugal, a presença migratória brasileira bastante expressiva: “No ano passado, mais de 80 mil pessoas deixaram o Brasil com destino à Portugal, e lá já formam a maior colônia de estrangeiros residentes, de acordo com dados do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2017, divulgado pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) lusitano.” No entanto, os sites de notícias tem divulgado 39

depoimentos que expressam a desilusão de boa parcela dos brasileiros a respeito do país. A princípio, o desejo da maioria dos brasileiros é fugir da violência do Brasil e se inserir em um ambiente cujo estilo de vida seja “europeu”. No entanto, apesar da pouca violência através de assaltos e furtos, e apesar de não haver conflitos armados em Portugal como existem em muitas cidades brasileiras, brasileiros precisam conviver com muitos tipos de violência: discriminações das mais variadas e desvalorização da mão de obra. “Europeu”, como pode ser analisado ao longo do trabalho aparece como sinônimo de sucesso, parâmetro de qualidade. É uma forma essencializada de enxergar a região.

As queixas de discriminação mais comuns, presentes em alguns sites de notícias, feitas por brasileiros são de racismo, xenofobia e machismo. O racismo proveniente dos 40 processos de racialização das identidades nacionais do Brasil e de Portugal também está inserido na xenofobia e no machismo. A xenofobia, por sua vez, tem a raça como elemento estruturante devido às narrativas que dizem respeito à mestiçagem brasileira que racializam

39 "Muitos não aguentam": a situação dos brasileiros que tentam a vida em Portugal. InfoMoney. São

Paulo, 11 de setembro de 2018. Disponível em:

< https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/consumo/noticia/7612654/muitos-nao-aguentam-a-s ituacao-dos-brasileiros-que-tentam-a-vida-portugal- >. Acesso: 27/09/2018.

40RIBEIRO, Ricardo. ‘És garota de programa?': contra preconceito em Portugal, brasileiros mudam

até o sotaque. Uol. Lisboa, 11 de setembro de 2018. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/09/11/usa-esse-seu-corpo-de-brasileir a-e-resolve-xenofobia-chega-a-portugal.htm >. Acesso em: 27/09/2018.

o imaginário sobre Brasil. Em relação ao machismo, mulheres brasileiras, ainda que visualmente possam ser reconhecidas como brancas, podem ser vistas como “sexualmente disponíveis” (ALVES, 2012, p. 142) e “hipersexuais” devido ao imaginário sobre mestiçagem, já mencionado, e sobre a cultura brasileira. Na visão racista, a propensão a ser “hipersexual” seria uma herança, portanto, negra e indígena.

Essa visão das mulheres brasileiras pode criar situações de rivalidade entre mulheres portuguesas e brasileiras, como destaca a professora entrevistada 2. No caso, a professora comentou sobre a manifestação que houve em Bragança contra mulheres brasileiras porque, segundo ela, lá havia um bordel onde boa parcela das prostitutas eram brasileiras que estariam “tirando” os homens portugueses das suas famílias. Mais uma vez, a pessoa estrangeira é vista como aquela que está “levando problemas” a Portugal ao invés de se compreender o fenômeno como um problema interno: falta de responsabilidade e fidelidade de uma parcela dos homens portugueses.

A imagem socialmente construída da mulher brasileira ligada à prostituição em Portugal também remete ao imaginário colonial. "Uma vasta bibliografia enaltece a beleza brasileira, a mestiçagem sexual e racial, opondo mulheres brasileiras e portuguesas", lembra Santos. 41

Outros professores entrevistados também comentaram sobre o estigma da prostituição tais como o entrevistado 12 que destacou que ofensas a mulheres brasileiras podem ocorrer caso viagem sozinhas. Inclusive, a professora entrevistada 13 alega ter ouvido “as putas brasileiras chegaram” , acompanhada de sua filha de 14 anos, no Aeroporto de Lisboa, em 2011. No entanto, a mesma professora comentou que, na posição de pesquisadora, recebeu bastante respeito nos espaços que frequentou, sem se sentir submissa (enquanto mulher). Tal depoimento reafirma o que foi dito anteriormente: a universidade se destacou nos depoimentos coletados como espaço de proteção para os professores. É importante destacar que a proteção funcionou especificamente para professores pesquisadores, uma vez que, alunos de graduação brasileiros, por exemplo, podem se sentir mais vulneráveis devido às hierarquias universitárias que também foram comentadas durante boa parte das entrevistas. Apenas a professora entrevistada 3 relatou ter percebido ausência de hierarquias dentro dos espaços acadêmicos, no entanto, a sua estadia, dentre os entrevistados foi a mais curta, de apenas 2 meses. Além disso, há muitas notícias disponíveis na Web que expõem depoimentos de estudantes brasileiros vítimas de xenofobia em Portugal.

Não é apenas no cotidiano que estereótipos podem aparecer. No meio acadêmico também há textos científicos que reforçam o olhar essencialista sobre o brasileiro, como é o caso do texto escrito por MOTTER e MALCHER (2005):

(...) Os telespectadores daqui possuem acuidade específica sobre esse produto pela forma do fazer brasileiro, que caracteriza a produção da telenovela brasileira. Essa telenovela brasileira reconhecida por apresentar inúmeras tramas em uma mesma obra, com forte apelo no ficcional, mas usando e “abusando” do cotidiano real cria, assim, em muitos momentos interseções que dificultam a separação entre real e ficcional. Explora ao máximo as riquezas naturais do meio ambiente, da sensualidade e do erotismo próprios do povo brasileiro, prendendo o telespectador em tramas que são desvendadas pouco a pouco (...). (MOTTER E MALCHER, 2005, p. 682, ortografia adaptada)

É preciso analisar, portanto, o papel das narrativas veiculadas pelos produtos brasileiros no reforço de tais estereótipos. Como já foi destacado, produtos midiáticos brasileiros costumam ser produzidos através de olhares eurocêntricos que ajudam na manutenção do poder das elites mundiais, ou seja, das redes internacionais da branquitude. A professora entrevistada 2, inclusive, destaca a importância dos produtos midiáticos brasileiros consumidos em Portugal, que vendem uma imagem brasileira caricaturada.

Os portugueses têm amplo acesso a produtos midiáticos brasileiros, então não se pode presumir de que essas discriminações sejam fruto apenas de um etnocentrismo. Em concordância com Liv Sovik, é possível compreender tal situação como desvalorização do outro somada a distorções sobre a realidade. Tais distorções, portanto, podem ser feitas em cumplicidade com as narrativas produzidas por brasileiros.

De acordo com a especialista, estão associados à identidade brasileira em Portugal alegria, simpatia, cordialidade, mestiçagem, sensualidade, além de futebol e samba, mas também atributos negativos, como malandragem, bagunça, barulho e sensualidade exacerbada/vulgaridade.

"Tais imagens são influenciadas pelo gênero, sendo aos homens imputado a malandragem e às mulheres a sensualidade, sendo elas, ainda, consideradas calorosas, fáceis, belas, etc. Um passo pequeno distancia essas representação da ideia de falta de caráter e de prostituição. E tais visões são amplamente destacadas e reforçadas pelos meios de comunicação portugueses", afirma. 42

3. FLUXOS ENTRE BRASIL E PORTUGAL: ESTRATÉGIAS DE