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3 ADOLESCÊNCIA, JOGO E ESCOLA

3.3 A PRESENÇA DOS JOGOS NA VIDA DOS

Passada a infância, a necessidade de brincar dá-se muito timidamente na vida do homem. É como se na adolescência não houvesse mais lugar para o jogo e muito menos para a brincadeira. E quando nos referimos aos jogos, nessa idade considerada marginal, a surpresa é tanta que logo surge o questionamento: A adolescência não é a porta para o trabalho? E o trabalho, em virtude de ser uma atividade séria, não se opõe ao jogo?

Pais, professores e mesmo alguns jovens acham que a maturidade traduz-se em preparação para o trabalho, e o trabalho propriamente dito, o que, ao contrário do prazer e da espontaneidade encontrados no jogo, corresponde à imagem do sujeito pronto para dar continuidade ao mundo sisudo das atividades sérias, traduzidas em ocupações, cansaços e preocupações.

Entretanto, não é verdadeiro todo esse desprezo aos jogos e brincadeiras na adolescência. Basta observarmos os grupos de amigos e as

atividades desenvolvidas por eles, em seu cotidiano, que logo perceberemos a sua inclinação e fascínio pela ludicidade.

Muito se tem discutido acerca da importância do jogo para o desenvolvimento infantil, mas pouco se fala dele na vida do adolescente. E quando a questão é levantada, imagina-se logo a prática de atividades como desporto e artes.

Acredita-se que, através dos exercícios físicos musculares, o corpo adolescente estará apto a resistir aos embates e cansaços enfrentados no dia a dia, tornando mais seguro e preciso o desenvolvimento do pensamento formal. O jovem aprende a dar vazão a seus sentimentos e emoções através de movimentos diversos, deixando o espírito, nesse instante, mais livre de fantasmas e pressões. Soltar o corpo, deixá-lo relaxado e vivo equivale a expandir a mente, permiti-la adentrar os limites do coração. Em conseqüência disso, na vida diária, há uma grande procura dos adolescentes pelos esportes. E quando não manifestam o interesse em praticá-lo, o que é difícil, interessam- se por assisti-los como forma de exercitarem as emoções.

Além do desporto, há uma grande procura por outros espetáculos em que possam colher deles o prazer e a alegria. O fascínio pela ficção faz do espetáculo um grande jogo, onde os jovens passam a representar papéis que a vida lhes recusa. Assim como demonstram interesse por apresentações teatrais, ocorre o mesmo com os filmes e os programas de televisão.

Por essa ligação tão forte com as representações, eles gostam em demasia dos ídolos, a ponto de criá-los e mantê-los presentes em sua vida. Podemos observar, muito claramente, a forma amorosa e reverente como eles tratam aqueles com quem se identificam. Assim, ser “fã” é mesmo uma maneira de brincar, de se permitir sentir prazer, entrar em êxtase. Nesse sentido, encontra explicação o fato de o jovem comportar-se aos berros, choros e descabelo quando diante daquele a quem julga imortal.

Brincar de herói é mesmo muito agradável para os adolescentes. Eles amam brincar dessa forma. Quer sejam esses heróis políticos, campeões no desporto, atores de filmes e novelas, músicos, poetas etc. Com efeito, para eles, o brinquedo deixa de ser um objeto, passando a um ser vivo. A alegria do jogo e a satisfação da brincadeira terminam sendo uma mudança da vitória dos

outros para si mesmo. Ver o herói vencer é vencer junto também, como o mesmo ocorre ao vê-lo derrotado.

O tecido que reveste o jogo, nessa fase, não é, afinal de contas, o mundo histórico fechado dos personagens que representam, mas, fundamentalmente, o homem que experimenta e esgota o seu próprio personagem; ao contrário, jogo e vida não estariam tão entrelaçados.

De fato, os adolescentes desejam algo novo, novas conquistas, uma experiência dinâmica e reveladora. Sua capacidade de resolver problemas e trabalhar com hipóteses amplia a necessidade de desenvolver jogos intelectuais como pesquisas, jogos de estratégias, quebra cabeça, projetos, RPG etc.

A partir do desenvolvimento das experiências e observações, o adolescente é encaminhado para o trabalho científico como para o maior de todos os jogos, e seu objetivo, nessa nova atividade, é o de investigar, refletir, construir sistemas e teorias para, finalmente, criar, dar sentido às coisas, aos fatos e transformar a realidade.

Geralmente, os jovens vêem no jogo uma forma de desafiar o outro e a si mesmos. Muito lhes agrada os jogos de aposta, de estratégias, de competição, jogos perigosos, isso porque a busca da identidade e do encontro consigo mesmo e com todas as suas máscaras é muito forte nessa fase. O prazer e o desprazer, o riso e o esforço, a aflição e a tranqüilidade se entrelaçam e passam a constituir o valor do jogo. Assim, não se pode negar que, em toda jogada, o adolescente trava com a experiência um diálogo de vida e morte que se dissipa com a vitória. E, diga-se de passagem, para muitos, vencer é ter tido a oportunidade de passar pela experiência.

Três grandes tipos de estruturas caracterizam, segundo Piaget (1973), o jogo infantil: o exercício, o símbolo e a regra.

O jogo de exercício é o primeiro a surgir. Ele não tem a intervenção de símbolos nem de regras e sua finalidade é mesmo o “prazer”. Esse tipo de jogo ultrapassa os primeiros anos da infância porque pode reaparecer em qualquer aquisição, embora ocorra uma inclinação a diminuir com o desenvolvimento do sujeito, a partir do surgimento da linguagem. Já o jogo simbólico atua com a “manipulação de um objeto ausente”. A criança brinca de casinha, cavalo-de- pau, etc, como forma de expressar o mundo que vê e interioriza. É puro

simbolismo. Manipulando as coisas, vendo, a criança percebe que é possível dar forma ao mundo a partir de suas impressões, passando, portanto, a recriar os fatos ao invés de apenas registrá-los na memória.

Da mesma forma que o jogo de exercício começa nos primeiros meses de vida e o jogo simbólico durante o segundo ano, o jogo de regras só se constitui no decorrer da fase II (de 4 a 7 anos) e sobretudo no período II (dos 7 aos 11 anos). Esse jogo desenvolve-se durante toda a vida, pois é uma atividade do ser socializado. Conforme nos diz Piaget (1990, p. 184):

O jogo de regras constitui jogos de combinações sensório – motoras (corridas, jogos de bola de gude ou com bolas, etc.) ou intelectuais (cartas, xadrez, etc.), com competição dos indivíduos (sem o que a regra seria inútil) e regulamentados quer por um código transmitido de geração em geração, quer por acordos momentâneos.

Uma nova visão do mundo surge, na adolescência, a partir dos jogos de regras, por serem atividades que desenvolvem a sociabilidade e a autonomia.

A regra presume relações sociais. É uma determinação estabelecida pelo próprio grupo que joga, e sua infração equivale a se cometer uma grande falta.

Através do estabelecimento das regras, o adolescente torna-se capaz de desenvolver raciocínios corretos sobre proposições que considera como hipóteses. Por isso, os jogos pelos quais os adolescentes mais se interessam são aqueles que envolvem o raciocínio lógico, e que eles necessitem criar novas idéias, tirar conclusões, levantar suposições.

Na adolescência, como em todas as outras fases de desenvolvimento do homem, o jogo é um extraordinário aprendizado; através dele, o mundo é redimensionado e desvendado. Considerando a sua dimensão diante da construção do pensamento formal, podemos, incontestavelmente, afirmar que tudo o que é feito a partir dele equivale à associação aos projetos vindouros. Portanto, para o jovem, jogar com regras é arquitetar, construir e lapidar o próprio saber de forma consciente e natural.

É a partir da consciência das regras do jogo que surge o desejo de ganhar, de se impor ao outro, subjugar-se às normas que são comuns a todos do grupo e para as quais se exige respeito e obediência. Nesse espaço, os adolescentes também costumam criar seus próprios códigos, suas próprias

regras, mas é durante o jogo que elas são socializadas e, se aceitas, transformadas em um sistema único.

O caráter do adolescente é, muitas vezes, revelado através de sua atitude frente às regras do jogo. Assim, é preciso estarmos atentos, antes de tudo, a essa necessidade peculiar a cada um de se mostrar, revelar-se a si mesmo, deixar a emoção vir à tona e expandir-se naturalmente, para percebermos a manifestação de seu caráter próprio.

Há, no espaço do jogo, o batoteiro ou trapaceiro que procura ganhar a qualquer custo, não se importando com o mal que pode causar ao outro; o

anarquista que bagunça o jogo porque não aceita a vitória do adversário,

portanto, recusa todas as regras e só faz atrapalhar; o lerdo não sabe jogar muito bem, está sempre antecipando ou retardando as jogadas, fica o tempo inteiro perdido, a ponto de entregar todo o seu jogo; e há o jogador

propriamente dito, aquele que fica concentrado do início ao fim, respeita as

regras, calcula cada movimento, não zanga se não leva sempre a melhor, e consegue extrair de todo o jogo a natureza de sua própria existência, porque é completamente absorvido por ele.

O jogador, em processo de reelaboração e construção, dentro da própria atividade lúdica, torna-se verdadeiramente um herói da reconquista de sua própria vida, experimentando a liberdade da plenitude. E, diga-se de passagem, pelo esforço e fadiga, goza mesmo do prazer de participar, de socializar-se, de estar em contato com o outro. É nesse momento que começa a interessar-se por atitudes, decisões e construções coletivas em que se imprime de forma tranqüila e espontânea o seu jeito próprio de ser.

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