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1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS RELEVANTES

2.3 Pressupostos de incidência do art 285-A

Para que seja aplicado o julgamento liminar de improcedência, a própria lei 11.277/2006 estabelece certos requisitos de incidência, cuja compreensão é fundamental para o entendimento dos reflexos positivos e negativos do novo instituto

na ordem processual. São esses pressupostos que passam a ser explorados a partir de agora.

2.3.1 “Questões controvertidas unicamente de direito”

Primeiramente, conforme a literalidade do texto legal, tem-se a necessidade de que a matéria controvertida levada à apreciação do magistrado seja unicamente de direito. Reside aqui um ponto de considerável polêmica entre os juristas dos diversos ramos do direito, já que, por vezes, é muito tênue o limite entre o jurídico e o fático, gerando-se grandes controvérsias no âmbito científico e positivo.

Em razão dessa problemática, muitos doutrinadores impõem duras críticas ao julgamento liminar de improcedência, dentre outros motivos, por entenderem ser impossível a existência de demandas que versem exclusivamente sobre questões de direito, inviabilizando uma segura aplicação do dispositivo, que deve ser, então, afastado. Essa dificuldade em afirmar a inexistência de questões fáticas em algumas demandas leva, por exemplo, vários magistrados, ao aplicarem o julgamento antecipado da lide (art. 330, CPC), a evitarem fundamentar sua decisão na primeira parte do inciso I (questões unicamente de direito), achando sempre mais seguro sentenciar com fundamento na parte final do mesmo inciso: “(...) sendo a questão de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência”. 28 Esse artifício impede eventual alegação de cerceamento de defesa contra aquela decisão judicial que, ao julgar antecipadamente a lide por entendê-la unicamente “de direito”, acabasse por restringir a produção das provas pelo réu.

Por outro lado, há os que defendem ser muito comum a apreciação de questões que sejam puramente jurídicas, correspondendo estas, geralmente, a matérias de direito tributário, financeiro, previdenciário e administrativo, em que se discutem, por exemplo, índices de correção monetária, inconstitucionalidade de tributos, etc. Isso tornaria, então, coerente e legítima a tentativa do legislador de combater a morosidade dos “processos de massa” através do julgamento liminar de

28

PISSURNO, Marco Antônio Ribas. Primeiras impressões sobre o novo artigo 285-A do CPC (Leis 11.277/06). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8128> Acesso em: 20 mai. 2007.

improcedência, a ser aplicado naquelas demandas que repetem o mesmo fundamento de direito.

Essas duas visões, no entanto, possuem menos adeptos do que um outro entendimento, de caráter conciliador. Segundo o mesmo, deve-se reconhecer que inexistem questões totalmente jurídicas, dado à natural complexidade das relações humanas. No entanto, isso não excluiria a aplicação do julgamento liminar dos processos repetitivos, já que o texto legal deveria ser interpretado de modo que a expressão “unicamente de direito” seja entendida como “predominantemente de direito”. Dessa forma, reconhece-se que as demandas a serem submetidas ao instituto da improcedência liminar sempre se constituirão de fatos específicos e variáveis. Esses aspectos fáticos, porém, apenas contextualizam o cerne jurídico da questão, esse sim repetido em inúmeros processos. È o que se apreende do texto a seguir:

A questão é, no máximo, predominantemente de direito porque a mera existência de um autor, de um réu e de um substrato fático que reclama a incidência de uma norma jurídica já é suficiente para que haja questão de fato no caso concreto. Mas (...) essa questão de fato é alheia a qualquer questionamento, a qualquer dúvida, ela é padronizada ou, quando menos, padronizável. O que predomina, assim, é saber qual o direito aplicável sobre aqueles fatos que não geram dúvidas, que não geram controvérsia entre as partes e perante o juiz.29

Analisado apenas um dos pressupostos de incidência do novo dispositivo, já se podem perceber as questões polêmicas que envolvem a aplicação da lei 11.277/2006.

2.3.2 “Improcedência de outros casos idênticos”

O outro requisito de incidência do novo instituto diz respeito à necessidade de já haver sentença de total improcedência proferida em outros casos idênticos. Primeiramente, deve-se reconhecer que o termo “total improcedência” é de notória tautologia, pois, conforme o direito positivo processual, a apreciação do mérito resulta em apenas três situações: aceitação completa do pedido autoral, seu

29BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. v.2. 2ª ed.,

acolhimento parcial ou declaração de sua improcedência. Dessa forma, tecnicamente não existem pedidos parcialmente improcedentes, o que torna incoerente, por conseguinte, referir-se à “total improcedência” do pleito inicial.

Aspecto mais importante desse segundo pressuposto é, no entanto, a exigência de “casos idênticos”. É pacífico o entendimento de que a terminologia utilizada pelo legislador não se refere, ou, pelo menos, não deveria se referir à identidade de ações. Esta é definida no art. 301, § 2° do CPC, que dispõe serem idênticas aquelas ações que possuem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Nesses casos, não pode o magistrado julgar liminarmente a segunda ação, que deve ser afastada por litispendência ou coisa julgada (art. 301, V e VI, §§ 1° e 2°), ensejando a extinção do processo sem a resolução do mérito (art.267, V). Constata-se, assim, que o legislador foi infeliz na utilização da expressão “casos idênticos”, cuja literalidade reporta o leitor à disciplina de outro instituto jurídico, totalmente diferente.

Em virtude do que se expôs, para que possa ser válido o novo dispositivo processual, é preciso que se entenda a identidade de casos como sendo, na verdade, a repetição, apenas, das questões fáticas e jurídicas de duas ou mais ações. Não basta, todavia, que as demandas tenham a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, sendo necessário que estes elementos tenham, também, idênticos fundamentos jurídicos, ou seja, que os argumentos sob os quais se fundam sejam iguais. Essa exigência justifica-se pela possibilidade legal de o magistrado, julgando liminarmente uma ação repetitiva, copiar o teor de sentença já prolatada, o que, no caso de a ação trazer novos argumentos específicos, torna a sentença omissa quanto a esses fundamentos. Sintetizando o tema, destaca-se a lição doutrinária:

Este é, portanto, outro pressuposto para a incidência do art. 285-A: a identidade absoluta de circunstâncias fáticas e jurídicas, o que significa que a sentença proferida em ação anterior não poderá ser aproveitada, para os fins do art. 285-A, se na ação subseqüente houver fundamentos novos, sobre os quais deverá manifestar-se o juiz, sob pena de vir a proferir uma sentença omissa.30

30WAMBIER, Luiz Rodrigues et alii. Breves comentários à nova sistemática processual civil. v.2.

Compreendidos os principais aspectos que compõem o conteúdo dispositivo da lei 11.277/2006, bem como as primeiras discussões doutrinárias que envolvem sua aplicação, faz-se agora necessário conhecer os específicos objetivos a que essa nova técnica processual estaria destinada.