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CAPÍTULO 2 ADOLESCÊNCIA

3.3. Pressupostos e Objectivos

O acolhimento institucional de qualquer criança ou jovem deve obedecer a determinados pressupostos legais que legitimam e justificam a adopção desta medida. Para a melhor contextualizar, importa, antes de tudo, fazer um breve enquadramento legal.

Na Idade Média a infância não constituía um grupo social. A mortalidade infantil era elevada, pelo que a grande preocupação social era a sua sobrevivência. Só no século XIX a criança começa a ser considerada enquanto objecto de direito, ainda que sem a dignidade atribuída à pessoa humana. O reconhecimento e a proclamação dos seus direitos vai-se transformando numa realidade concreta a partir de meados do século XX (Casas, 1993).

Em Portugal, dois marcos significativos assinalam a importância do problema da infância: a Lei de Protecção à Infância, de 27 de Maio de 1911 (primeira lei de protecção à criança, que coincide com a criação dos Tribunais de Menores, à data designados por Tutorias da Infância) e; a Organização Tutelar de Menores, de 20 de Abril de 19621 (que vem reforçar a intervenção de tipo preventivo, privilegiando o papel da família na protecção dos menores).

O diploma fundamental que consagrou os direitos da criança e constituiu um marcador da evolução das sociedades e das representações sobre a infância foi a Convenção dos Direitos da Criança2 que trouxe um conjunto de alterações no âmbito da infância, nomeadamente a substituição do conceito

1 Modificada em 1967 (Decreto-Lei n.º 47727, de 23 de Maio) e revista em 1978 (Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro).

2 Ratificada por Portugal em 1990 (Resolução n.º 20/90 da Assembleia da República, publicada no D. R. n.º 211, I Série, de 12 de Setembro).

49 tradicional de protecção pelo conceito de participação, reconhecendo às crianças direitos semelhantes aos dos adultos, enquanto sujeitos de direitos sociais, culturais, económicos e civis.

Cria-se, assim, o contexto favorável ao aparecimento recorrente de legislação sobre a matéria: a Constituição da República Portuguesa, o Código Civil, a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro) e a Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro).

A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) visa salvaguardar os direitos das crianças cujos pais ou responsáveis legais se revelem capazes de comprometer a sua saúde, desenvolvimento e educação, ou incapazes de as proteger face a perigos colocados por terceiros ou pelas próprias crianças e jovens. Neste sentido, pretende remediar ou compensar e corrigir a incompetência parental que coloque em situação de risco as crianças ou jovens, encontrando-se aqui a legitimidade das intervenções decorrentes (Martins, 2004).

A designação de crianças e jovens em perigo, constituída enquanto conceito jurídico, em detrimento de crianças e jovens em risco, baseia-se no facto de nem todos os riscos para o desenvolvimento da criança ou jovem legitimarem a intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e na sua família.

Nos termos desta lei, a promoção dos direitos e a protecção das crianças e jovens compete, em primeira instância, às entidades públicas e privadas com atribuições em matéria de infância e juventude, às comissões de protecção de crianças e jovens, e em última instância aos tribunais, quando a

50 intervenção das comissões de protecção não possa ter lugar por falta de consentimento dos pais, do representante legal ou de quem tenha a guarda de facto da criança ou do jovem, ou por não dispor dos meios para aplicar ou executar a medida adequada.

O texto da lei não é exaustivo no que respeita à descrição das situações de perigo (art.º 3, n.º 2). Considera-se em perigo a criança ou jovem que: está abandonada ou vive entregue a si própria; sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; é obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

A intervenção tutelada por esta lei obedece aos seguintes princípios, nos termos do art.º 4º: interesse superior da criança ou do jovem; privacidade; intervenção precoce; intervenção mínima; proporcionalidade e actualidade; responsabilidade parental; prevalência da família; obrigatoriedade da informação; audição obrigatória e participação e; subsidariedade. É configurada pelas medidas de promoção dos direitos e de protecção que têm como objectivos (art.º 34º): afastar o perigo em que as crianças ou jovens se

51 encontram; proporcionar as condições de protecção e promoção da sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento e; garantir a recuperação física e psicológica das crianças que sofreram qualquer forma de exploração e abuso.

Com estes objectivos, são previstas as seguintes medidas, aplicáveis no âmbito de um Processo de Promoção e Protecção (art.º 35º): apoio junto dos pais; apoio junto de outro familiar; confiança a pessoa idónea; apoio para a autonomia de vida; acolhimento familiar; acolhimento em instituição e; confiança a instituição com vista a futura adopção (medida da competência exclusiva dos tribunais, introduzida pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto).

No âmbito deste trabalho interessa, especificamente, detalhar a medida de acolhimento em instituição que consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações e equipamento permanente e de uma equipa técnica que lhes garantam os cuidados adequados às suas necessidades e lhes proporcionem condições que permitam a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 50).

O Sistema Nacional de Acolhimento de crianças e jovens em situação de risco tem uma organização funcional em rede, estruturada em três níveis (Instituto de Segurança Social, 2007): acolhimento de emergência (em unidades de emergência, destinadas ao acolhimento de carácter urgente e transitório, cuja duração não deverá exceder as 48 horas); acolhimento temporário (em centro de acolhimento temporário ou em acolhimento familiar, cuja duração não deverá exceder os 6 meses, embora este prazo possa ser

52 alargado, se assim se justifique); acolhimento prolongado (em lar de infância e juventude, quando o acolhimento tenha uma duração superior a 6 meses).

Estas instituições de acolhimento prolongado, que recebem crianças e jovens entre os 0 e os 18 anos, podem ser especializadas e deverão ser organizadas de acordo com modelos educativos adequados às crianças e jovens nelas acolhidos. Assumem carácter público, cooperativo, social ou privado e funcionam em regime aberto, segundo um modelo relacional familiar, personalizado e integrado na comunidade, com possibilidade de visita das famílias de origem das crianças e jovens institucionalizados (art.º 53º). Dispõem de uma equipa técnica multidisciplinar, com as valências da Educação, Serviço Social e Psicologia, a quem compete a avaliação da situação de cada criança ou jovem acolhido e a definição e criação de condições para o cumprimento do seu projecto de promoção e protecção (art.º 54º).