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CAPÍTULO 2 ADOLESCÊNCIA

3.5. Riscos e Potencialidades

3.5.1. Riscos e Fragilidades

O processo de institucionalização de qualquer criança ou jovem, independentemente do motivo que lhe está subjacente, pressupõe riscos visíveis, que ocorrem em todos os períodos nos quais este processo se desenrola: no período de pré-acolhimento, no período de acolhimento e no período de saída e pós-colocação.

A partir do momento em que é sinalizada, a criança ou jovem entra no sistema de protecção, passando a ser “etiquetada” como “criança ou jovem em risco”, adquirindo um “estatuto social desvalorizado” (Dias, 1997, cit. in Quintãs,

55 2009). A percepção generalizada destas crianças e jovens em risco como “más” desencadeia, não raras vezes, processos de construção de estereótipos e preconceitos que conduzem a situações de discriminação e estigmatização de uma população já de si vulnerável (Taylor, 2004). Por outro lado, o processo de institucionalização parece ter subjacente mecanismos de selecção mais associados à sua família de origem do que propriamente à situação de maltrato (Carvalho, 1999, cit. in Alberto, 2002).

A este respeito, Linares (2002) refere algumas circunstâncias em que o sistema de apoio à infância e juventude pode ajudar a perpetuar os problemas da família e, consequentemente, da criança ou do jovem: “carências materiais” (ao nível da formação e do número de técnicos que trabalham neste sistema); “deformação ideológica” (assente em preconceitos de ordem “religiosa”, “política” ou “teórica” que reforçariam o poder da institucionalização em detrimento de qualquer outro tipo de medida); “abuso inventado” (situação inventada pela criança ou jovem) e; “maltrato cultural” (com a assumpção de que os padrões de comportamento de maus-tratos são idênticos em todas as culturas).

Sousa (2005) alerta ainda para alguns fenómenos que podem ocorrer nos serviços que intervêm na área da promoção e protecção da infância e juventude: fragmentação da intervenção (com a ocorrência da chamada multi- assistência que frequentemente leva a episódios de descoordenação entre os objectivos e as práticas dos diferentes serviços) e; indefinição dos limites entre a família e os serviços (com o sentimento de impotência e incapacidade da

56 família na gestão da sua vida, resultante da transferência de funções do âmbito da esfera familiar para os serviços).

Se o período de pré-acolhimento pode comportar tais riscos, o período de acolhimento propriamente dito constitui, inevitavelmente, um momento de grande vulnerabilidade e sofrimento emocional para a criança ou jovem.

Alberto (2002) refere que sempre que uma instituição não cumpre as suas funções, a intervenção reveste-se de implicações que poderão resultar num acréscimo de danos nestas crianças e jovens já de si sensibilizadas, fragilizadas e carenciadas. Pode dizer-se que o risco é potenciado com a ocorrência de determinadas situações. A este nível pode referir-se a incapacidade de reconhecer os erros de uma intervenção, continuando na mesma linha de acção e provocando custos à criança ou jovem e à sua família; a dificuldade em trabalhar conjuntamente a criança ou o jovem e a sua família, obstando ao desenvolvimento espontâneo do processo familiar (Linares, 2002); a ausência de objectivos claros e mensuráveis, que permitam avaliar os processos e os resultados (Mosteirin, 2000); a imagem depreciada das instituições de acolhimento com risco de implicações negativas nas equipas e nas próprias crianças e jovens que, não raras vezes, vivenciam os estereótipos negativos através dos quais são percebidos (Fernández del Valle, 1992). De facto, as instituições de acolhimento não conseguiram ainda livrar-se desta imagem desvalorizada à qual são associadas, confirmada, muitas vezes, pelo conhecimento do funcionamento desadequado de muitas delas (Martins, 2004). A (des)continuidade das relações afectivas é outra das fragilidades a apontar a este processo: inicialmente, com o corte abrupto com toda a rede de

57 suporte anterior e as consequências negativas que daí podem advir e, posteriormente, com a separação resultante da rotatividade das equipas das instituições, que faz com que as crianças e jovens sintam falta de apoio consistente e de pertença sentida (Martins, 2005; Taylor, 2004). Daqui advém igualmente a dificuldade em desenvolver vínculos e em expressar afectos. Também o distanciamento físico do meio de origem (e o consequente afastamento da criança ou jovem em relação à sua família) é encarado como limitador da integração, quer na instituição, quer futuramente no seu meio de origem, contexto ao qual, muito provavelmente, regressará (Carvalho, 1999, cit. in Alberto, 2002). A vivência em instituição tende a propiciar uma experiência de vida limitada, dificultando no futuro a reintegração a nível familiar, social e profissional.

Taylor (2004) aponta para uma maior probabilidade de entrada destas crianças e jovens no Sistema de Justiça, referindo que quando assumem comportamentos desafiantes e entram em conflito com a lei, existe o perigo de serem tratados, em primeira linha, como delinquentes e não como crianças/jovens em situação de necessidade.

Acerca das fragilidades do acolhimento institucional, Goffman (1961, cit. in Quintãs, 2009) fala dos processos de “mortificação do eu”, considerando que a partir da entrada na instituição, a concepção da criança ou jovem acerca de si mesmo é fortemente abalada. Criam-se barreiras entre a instituição e o mundo externo, ocorrendo rupturas com os diferentes papéis que a criança ou jovem desempenhava anteriormente; o sentimento de perda de segurança pessoal aquando da entrada na instituição é igualmente frequente e; a regulamentação

58 espacial e temporal têm, muitas vezes, uma dimensão invasora do espaço próprio de cada criança ou jovem, interferindo na sua intimidade e dificultando a construção da autonomia pessoal.

A resistência à mudança, as dinâmicas funcionais e emocionais das diferentes equipas das instituições e a interacção criança/jovem-adulto constituem, também, aspectos passíveis de gerar disfunção. A este nível, é frequente ocorrerem interacções negativas quando os adultos põem em prática relações de domínio, de manipulação, de sedução ou de distanciamento em relação às crianças ou aos jovens acolhidos (Mosteirin, 2000; Raymond, 1998).

Alberto (2002) fala do risco de alienação da família – é comum o acolhimento institucional promover a desresponsabilização das famílias, aspecto que levará a que estas se afastem das suas crianças ou jovens, desenvolvendo neles o sentimento de não serem importantes e a ideia de terem sido esquecidos. Barter (2003) e Blatt (1992, cit. in Davidson-Arad, 2005) alertam para o risco de maus-tratos físicos, psicológicos e de abusos a que as crianças e jovens estão sujeitos dentro das próprias instituições – quer por parte dos adultos, quer por parte do grupo de pares – que provocam uma agressão extrema a crianças já duramente atingidas pelo maltrato familiar.

Ainda no que respeita ao período de acolhimento, cumpre citar a fragilidade decorrente da ausência de uma intervenção terapêutica, que não permite um trabalho estruturado e impossibilita a resolução dos problemas psicológicos destas crianças, enfatizando a vertente de resolução social (Linares, 2002).

59 Mas se as experiências vividas dentro do sistema de promoção e protecção têm um impacto significativo na vida destas crianças e jovens, as experiências durante e após o período de saída são igualmente importantes. A este nível, a tranquilidade do processo de transição para a autonomia, bem como o grau de apoio proporcionado constituem aspectos com influência significativa no percurso de vida futuro (Hawkins-Rodgers, 2007). O que a literatura indica é que as situações de vulnerabilidade que muitos destes jovens experimentam com a indisponibilidade de apoios externos no momento da saída resultam num maior envolvimento em actividades de risco, numa maior dependência dos serviços sociais, em taxas superiores de desemprego, em condições de emprego e habitabilidade precárias, entre outros (Avery & Freundlich, 2009; Berzin, 2010; Chapman & Christ, 2008; Courtney & Dworsky, 2006; Daining & DePanfilis, 2007; Fernandez, 2009; Stein, 2006; Taylor, 2004).