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Pressupostos e Requisitos do Princípio da Proporcionalidade

CAPÍTULO III. DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

3.4 Pressupostos e Requisitos do Princípio da Proporcionalidade

A proporcionalidade, como método de resolução das colisões, possui três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A doutrina aponta pressupostos essenciais para a atuação do princípio da proporcionalidade: um, formal, o da legalidade, e outro, material, o da justificação teleológica. Em virtude do princípio da legalidade, estendido ao direito processual penal, não poderia a restrição a direito individual ser admitida sem prévia lei, elaborada por órgão constitucionalmente competente, imposta e interpretada de forma estrita. Do pressuposto da justificação teleológica, decorre que a limitação a direito individual só tem razão de ser se tiver como objetivo efetivar valores relevantes do sistema constitucional. (GONZÁLEZ apud FERNANDES, 2007, p. 57)

Consolidou-se, no processo de elaboração e conceituação do princípio, a idéia de que o exercício do poder é limitado, só sendo justificadas restrições a direitos individuais, em face da Constituição, por razões de necessidade, adequação e supremacia do valor a ser protegido em confronto com aquele a ser restringido. Os estudos desenvolvidos indicaram, então, serem três os requisitos intrínsecos que justificam e autorizam uma restrição aos direitos individuais:

a sua necessidade, a sua adequação e a supremacia do valor protegido na ponderação dos interesses em confronto. Além dos requisitos intrínsecos, são exigidos os requisitos extrínsecos da judicialidade e da motivação, ou seja, a necessidade de que as medidas restritivas sejam impostas por juiz e mediante decisão motivada. (GONZALEZ apud FERNANDES, 2007, p.58)

O primeiro requisito intrínseco é o da adequação, ou da idoneidade. Por meio adequado, entende-se aquele que é apropriado para a obtenção do fim desejado, ou pelo menos fomente a realização de um objetivo, devendo existir, portanto, congruência entre a medida adotada e a finalidade da norma. (SILVA, Virgílio Afonso, 2002, p. 27)

Em outras palavras, há uma relação de causalidade entre o meio empregado e o desiderato. Exige-se certo grau de eficácia da medida para o alcance da finalidade. Através do elemento adequação, deve-se considerar "o grau de eficácia do suposto meio e de sua contribuição ou aptidão para a satisfação do fim desejado”.(BRAGA, 2004, p. 86)

A adequação significa a idoneidade do meio utilizado para a persecução do fim desejado. Segundo Gonzalez-Cuellar Serrano (1990, p. 189), a adequação exige um juízo de "funcionalidade", para verificar se as medidas restritivas são aptas a atingir ou fomentar os fins que se perseguem.

Averba J.J. Gomes Canotilho (1993, p. 1225) que o princípio da conformidade ou adequação:

[...] impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deva ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Conseqüentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adopção [...]. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim.

É de uma decisão do Tribunal Constitucional alemão, todavia, que se apreende a exata dimensão do que seja adequação para a restrição de um direito fundamental. O meio

escolhido que se presta para atingir o objetivo último deve revelar-se adequado, porquanto implica na inexistência de outro igualmente eficaz e menos danoso a direitos fundamentais.

A formulação da Corte alemã é a seguinte: o meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado, quando com seu auxílio pode-se promover o resultado desejado; ele é exigível, quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental. (GUERRA FILHO, 2001, p. 71)

A restrição, imposta pela lei ou por ato de agente ou órgão de Estado, é adequada se apta a realizar o fim por ela visado. Não será admitido o ataque a um direito do indivíduo se o meio utilizado não se mostrar idôneo à consecução do resultado pretendido. Há, portanto, uma relação de meio e fim, devendo, conforme sublinha Suzana Toledo de Barros (2003, p. 76), ser feita a seguinte pergunta: "O meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido?". Assim, nada justificaria prender alguém preventivamente para garantir a futura aplicação da lei penal se, em virtude do crime praticado, a provável pena a ser imposta não será privativa de liberdade ou, se privativa, será suspensa. O meio, a prisão, consistente em restrição à liberdade individual, não se revelaria adequada ao fim a ser objetivado com o processo, pois dele não resultaria privação de liberdade. (FERNANDES, 2007, p. 57-58)

A adequação, a ser verificada empiricamente, deve ser analisada de maneira objetiva, como adequação qualitativa ou quantitativa, e de forma subjetiva, ligada à idoneidade em face do sujeito passivo. A medida deve, assim, ostentar qualidade essencial que a habilite a alcançar o fim pretendido - adequação qualitativa; a sua duração ou intensidade deve ser condizente com a sua finalidade - adequação quantitativa e deve, a medida, ser dirigida a um indivíduo sobre o qual incidam as circunstâncias exigíveis para ser atuada - adequação subjetiva. (FERNANDES, 2007, p. 58)

A propósito desse tema, a Corte Constitucional Alemã, em decisão proferida em 16/03/71, devidamente traduzida, dispôs:

O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando com o seu auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível ao direito fundamental. (SILVA, César Dario Mariano, 2002, p. 30-31)

O segundo requisito, ou subprincípio, é o da necessidade, também denominado "de intervenção mínima", "de alternativa menos gravosa", que significa a utilização, entre as várias medidas aptas, da mais benigna, mais suave ou menos restritiva, implicando a necessidade de comparar as alternativas aptas e otimizar a menor lesão possível. (ALEXY, 1993, p. 111)

Não basta a adequação do meio ao fim. Além de ser "o meio mais idôneo", deve ocasionar "a menor restrição possível". É preciso, para não ser desproporcional, que o meio utilizado seja necessário ao objetivo almejado, verificando essa necessidade pela análise das alternativas postas para o alcance do fim. (BARROS, 2003, p. 79)

Para impor uma restrição ao indivíduo, colocam-se, a quem exerce o poder, várias possibilidades de atuação, devendo ser escolhida a menos gravosa. Assim, entre as diversas opções, todas aptas a alcançar o fim, não é correto escolher aquela que imponha maiores restrições à obtenção do resultado, desprezando outras que também o atinjam de forma menos danosa.

Assim, se, em virtude da imputação, for possível demonstrar o fato por meio de prova menos gravosa, como um documento a ser requisitado a um órgão público ou a uma instituição financeira ou uma testemunha presencial, não se justifica a determinação de mandado de busca domiciliar, de uma quebra de sigilo telefônico ou bancário.

A verificação da adequação é feita de maneira excludente, pois, caso se constate que o meio não serve para atingir o fim, a sua utilização deve ser repelida e afastada. A análise da

necessidade, quantitativa ou qualitativa, contudo, é feita mediante juízo positivo, por meio do qual se indica, entre os vários meios adequados para atingir um fim, o mais adequado. (BARROS, 2003, p. 81)

Seria a escolha do meio menos pernicioso aos interesses constitucionalmente tutelados. Seria a máxima "dos males, o menor", pois, através desse elemento, busca-se a menor ingerência nos direitos fundamentais. Significa dizer que, existente uma pluralidade de opções, o agente estatal deve optar pela menos nociva. (BRAGA, 2004, p. 87-8)

Considera-se necessária a medida que traz a menor desvantagem possível, ou seja, a menos gravosa ou nociva para o alcance do fim legal. Assim, a necessidade é a busca do meio menos danoso aos bens e valores constitucionalmente protegidos. Procura-se, através dela, a mais suave alternativa, dentre as disponíveis, para o alcance do fim.

A necessidade pressupõe a existência de várias maneiras de concretização de determinado direito fundamental, devendo o aplicador escolher aquela que menos gravames trouxer ao direito colidente ou concorrente. Em outras palavras, a medida escolhida, para ser considerada necessária, deve ser a que menos prejudique os direitos dos indivíduos, ou seja, que acarrete a mínima intervenção na esfera individual dos particulares.

Essa avaliação é feita de forma quantitativa e qualitativa, pois deve levar também em consideração o tempo de duração e o modo de implemento da medida restritiva, que não deve durar mais do que o necessário para a manutenção dos direitos colidentes ou concorrentes.

Nesse sentido, assevera Nicolas Gonzáles-Cuellar Serrano (1990, p. 172) que: “Uma medida processual restritiva de direitos fundamentais, qualitativamente adequada com o fim perseguido, pode ser tolerada num estado de direito se sua duração e intensidade forem exigidas pela própria finalidade que pretenda alcançar [...]”.39

39 "Una medida procesal restrictiva de derechos fundamentales, cualitativamente adecuada con el fin

perseguido, puede ser intolerable en un Estado de Derecho si su duración e intensidad no son exigidas por la propia finalidad que pretenda alcanzar”. (SERRANO, 1990, p. 172)

O terceiro subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito, aponta para a imprescindibilidade de constatar, entre os valores em conflito - o que impele à medida restritiva e o que protege o direito individual a ser violado - qual deve prevalecer. Haverá observância do princípio da proporcionalidade se predominar o valor de maior relevância, evitando, assim, que se imponham restrições desmedidas aos direitos fundamentais, se comparadas com o objetivo a ser alcançado. Assim, o meio adequado e necessário para determinado fim é justificável se o valor por ele resguardado prepondera sobre o valor protegido pelo direito a ser restringido. (FERNANDES, 2007, p. 59)

Ressalta Alexy (1993, p. 112-113) que, enquanto o subprincípio da necessidade representa uma otimização das possibilidades fáticas, o subprincípio da proporcionalidade, em sentido estrito, importa na otimização das possibilidades jurídicas.40

Sintetizando com o raciocínio de Alexy (1993, p. 113), se o Estado, para realizar um princípio Pl, possui à sua disposição as medidas Ml e M2, ambas adequadas para realizar Pl, mas restritivas de um princípio concorrente P2, deve-se escolher a medida que menos restrinja o princípio P2; assim, se Ml restringe P2 mais que M2, então Ml não é necessária. Já a proporcionalidade, em sentido estrito, é o postulado da ponderação de interesses, propriamente dito. Esse procedimento da ponderação é denominado por Hesse como princípio da concordância prática que, junto com o da unidade da Constituição, deve orientar a compatibilização dos interesses em colisão mediante uma interpretação orientada ao problema concreto.

A proporcionalidade stricto sensu é a ponderação propriamente dita de bens; é o mandato de ponderação porque proclama “a valorização e a ponderação recíproca de todos os bens envolvidos, tanto dos que justificam as limitações como dos que se vêem afetados por

40 “De la máxima de proporcionalidad en sentido estricto se sigue que los principios son mandatos de

optimización con relación a las posibilidades jurídicas. En cambio, las máximas de la necesidad y e la adecuación se siguen del carácter de los principios como mandatos de optimización con relación a las posibilidades fácticas”. (ALEXY, 1993, p. 112-113)

elas, devendo levar em consideração todas as circunstâncias do caso”.41 (ALEXY, 1993, p. 112)

Esse subprincípio é também conhecido como de justa medida, porquanto estabelece uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado que seja juridicamente o melhor possível.

A ordem de aplicação desses subprincípios é sucessiva, iniciando pela adequação e passando pela necessidade até a ponderação, de forma que, caso a medida restritiva seja reprovada em um desses parâmetros, não será necessária a aplicação dos demais. (SILVA, 2002, p. 35)

Robert Alexy (1998, p. 78) sustenta que, o mandamento da ponderação de interesses corresponde a este aspecto da proporcionalidade, podendo ser assim formulado: "Quanto mais intensiva é uma intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem ser as razões que a justificam" ou, em outras palavras: “quanto maior é o grau de insatisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro”.42 (ALEXY,1993, p. 161)

No mesmo sentido, afirma Häberle (2003, p. 69) que "[...] o princípio da proporcionalidade significa que, para uma limitação especialmente intensa da liberdade, deve existir uma necessidade 'urgente’”, argumentando que a ponderação de bens é "equilíbrio e ordenação conjunta" que garante uma "unificação em uma situação global" (HÄBERLE, 2003, p. 40). Nessa linha, define Canotilho (1993, p. 1039) o princípio da proporcionalidade como um princípio jurídico-material de "justa medida", destinado à proibição de excesso e de arbítrio.

41 "[...] la valorización y ponderación recíproca de todos los bienes involucrados, tanto de los que justifican el

limite como de los que se ven afectados por ellos, lo cual exige tomar en consideración todas las circunstancias relevantes del caso". (ALEXY, 1993, p. 112).

42 “Cuanto mayor es el grado de la no satisfación o de afectación de un principio, mayor tiene que ser la

Assevera Alexy (1993, p. 162) que essa ponderação não é um procedimento arbitrário, mas deve seguir três planos de argumentação: a primeira, na qual se determina em que intensidade dar-se-á a intervenção; a segunda, na qual se avalia a relevância das razões justificadoras da intervenção; e a terceira, em que ocorre, efetivamente, o sopesamento.

Ernesto Pedraz Penalva acrescenta outros três critérios norteadores do procedimento da ponderação: a) quanto mais sensível revelar-se a intromissão da norma na posição jurídica do indivíduo, mais relevantes hão de ser os interesses da comunidade que com ele colidam; b) do mesmo modo, o maior peso e preeminência dos interesses gerais justificam uma interferência mais grave; c) os diversos pesos dos direitos fundamentais podem ensejar uma escala de valores em si mesmo, como ocorre na esfera jurídico-penal (o direito à vida tem preferência ao direito à propriedade). (BARROS apud ÁVILA, 2007, p. 21)

Assim, a proporcionalidade, em sentido estrito, implica o máximo benefício com o mínimo de sacrifício. Avalia-se o custo-benefício da medida restritiva, ponderando os direitos em jogo. Assim: "De um lado da balança, devem ser postos os interesses protegidos com a medida, e, do outro, os bens jurídicos que serão restringidos ou sacrificados por ela". (SARMENTO, 2000, p. 89)

É como se fossem avaliados os prós e os contras de uma jogada de xadrez, estabelecendo qual peça deve ser movida para o menor risco de perda e maior chance de vitória. (BRAGA, 2004, p. 89)

A proporcionalidade, em sentido estrito, implica o equilíbrio global entre os custos e os benefícios e difere da necessidade (exigibilidade) porque esta envolve otimização relativamente aos aspectos fáticos, enquanto aquela cuida de otimizar as possibilidades jurídicas. (BRAGA, 2004, p. 89)

Reitere-se: ela conduz à idéia de conformidade, sopesamento entre a limitação imposta e o fim pretendido, devendo o ônus ser menor que o benefício alcançado. Implica o

balanceamento dos princípios colidentes, na busca da melhor e mais justa solução do conflito. (BRAGA, 2004, p. 90)

Em suma: considera-se uma medida adequada se ela for apta a atingir os fins almejados. Para que seja também considerada exigível, deve ter a menor ingerência possível sobre os direitos envolvidos, pois todo excesso é proibido, somente sendo aceitável uma medida como válida se não houver outra menos lesiva.

Já a verificação da proporcionalidade, em sentido estrito, envolve a análise da relação custo-benefício da medida limitadora, ponderando os danos causados em relação aos benefícios auferidos. Em outras palavras, ' somente é admissível o ônus se o benefício lhe for superior.

3.5 O Princípio da Proporcionalidade na Proteção Penal: Proibição