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Polícia, na qual, não raramente, temos que assistir inertes à absolvição de grupos e quadrilhas

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Academic year: 2021

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INTRODUÇÃO

O que se pretende com o presente trabalho é promover a análise acerca da admissibilidade das provas ilícitas no campo processual penal.

O interesse pelo tema decorreu da atividade desempenhada como Delegado de Polícia, na qual, não raramente, temos que assistir inertes à absolvição de grupos e quadrilhas especializadas, após anos e anos de investigação, sob a alegação de que alguma prova coligida aos autos deu-se de forma ilícita.

A Constituição Federal de 1988 consagrou, de forma expressa e aparentemente peremptória, o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, ao estabelecer, no art. 5º, inciso LVI, que "são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos".

Diante da forma taxativa da qual lançou mão o legislador, parte da doutrina vem entendendo que a regra prevista no texto constitucional deve ser interpretada em termos absolutos, não admitindo, em nenhuma hipótese, a utilização das provas ilícitas, sob o fundamento de que o direito não poderia prestigiar comportamento antijurídico.

Demonstrar-se-á, no entanto, ao longo do primeiro capítulo, que nenhum princípio constitucional poderá ser analisado em termos absolutos. Isso porque os princípios podem entrar em conflito e, diante da colisão, o julgador deverá dar prevalência ao princípio que se mostra mais importante no caso concreto, restringindo, por outro lado, o alcance do princípio preterido.

Adotando a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, demonstrar-se-á que a “inadmissibilidade das provas ilícitas” é um princípio e, justamente por isso, poderá entrar em conflito com outros princípios constitucionais de igual hierarquia.

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O conflito, todavia, será apenas aparente, tendo em vista que a Constituição Federal deve ser interpretada de forma harmônica e globalizante. Com isso, não há que se falar em validade do princípio vencedor e invalidade do princípio vencido.

Dessa forma, sendo a inadmissibilidade das provas ilícitas um princípio, este poderá entrar em conflito com outros princípios constitucionais de igual hierarquia e nada impede que, no caso concreto, ceda espaço a um outro princípio que se revela mais importante, de forma que seja mantida a unidade do texto constitucional.

No segundo capítulo, será demonstrado que o método adotado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos tribunais para resolução do conflito é o da ponderação de valores, representado pelo princípio da proporcionalidade.

O guia do julgador, ao ponderar os valores em conflito, será sempre o princípio da dignidade humana, mas não apenas uma dignidade como sinônimo de dever de proteção dos direitos fundamentais, individualista, mas também sob o viés do dever de eficiência do direito penal, demonstrando a importância do deste como proteção aos direitos fundamentais da coletividade.

Com isso, pretenderemos demonstrar que a ponderação consiste no procedimento de colocar, de um lado, o interesse no bem-estar da comunidade e, de outro, as garantias dos indivíduos que a integram, a fim de evitar que se beneficie demasiadamente um em detrimento do outro.

No terceiro capítulo, demonstrar-se-á que a ponderação de valores será dada sempre no plano concreto e será representada pelo princípio da proporcionalidade, por meio do qual se permite uma flexibilização do rigor formal das normas constitucionais, notadamente da inadmissibilidade das provas ilícitas, foco deste trabalho.

Demonstrar-se-á ainda que a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo julgador não importa em arbitrariedade, isso porque, conforme se analisará no curso da

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explanação, o juiz estará adstrito a critérios objetivos que confiram estabilidade e controle a esse processo, de forma que não se degrade o sistema de proteção aos direitos fundamentais.

Com isso, só será admitida a restrição do alcance de um princípio constitucional se esta se revelar, no caso concreto, adequada, ou seja, apropriada para a obtenção do fim desejado; necessária, no sentido de ser a mais suave dentre as várias medidas aptas e, por fim, proporcional, no sentido de fazer predominar o valor de maior relevância.

No capítulo quarto, serão tecidas algumas consideração sobre as provas no processo penal, notadamente no que diz respeito ao tema “provas ilícitas” e, em seguida, analisar-se-á, de forma crítica, a jurisprudência nacional sobre o tema, verificando sua compatibilidade com a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, bem como os critérios apontados pelos sistemas jurídicos estrangeiros.

Com isso, pretende-se demonstrar que as provas ilícitas não podem ser utilizadas apenas em favor do réu, sob uma ótica puramente individualista, mas, em caráter excepcional, também em favor da sociedade, em consonância com o dever de eficiência do direito penal.

O que se pretende com este trabalho é enfatizar que as provas ilícitas produzidas pela acusação não devem ser expurgadas do processo pura e simplesmente por não terem seguido a rigor os mandamentos legais, mas ponderadas com os demais valores.

Saliente-se, desde já, que não se trata de soterrar e aniquilar os direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional, cuja importância dentro de um estado democrático de direito é salutar.

Por outro lado, o que não se pode aceitar é que criminosos se valham desse mesmo texto constitucional para salvaguardar direitos e acobertar práticas ilícitas. A experiência vem demonstrando que há uma dificuldade de aceitação social dos resultados da inadmissibilidade de provas verídicas por vícios formais, especialmente quando sua exclusão resulta na absolvição de criminosos de alta periculosidade.

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Não se defende que o princípio da eficiência penal seja o critério preponderante, até porque, como já salientado outrora, não existem princípios absolutos. Entretanto, a eficiência do direito penal não pode ser renegada a um segundo plano, pois também possui assento constitucional.

Como se percebe, o tema a ser discutido é árduo, pois toca nos fundamentos da cultura jurídica, podendo despertar reações extremas tanto de repúdio a uma flexibilização da proteção aos direitos fundamentais durante a persecução penal, quanto de indignação em relação a resultados processuais socialmente ilegítimos.

Justamente por isso, procura-se pautar, numa postura de equilíbrio, analisando os problemas tanto do excesso da flexibilização da garantia da inadmissibilidade quanto de sua aplicação, demasiada rígida.

Dessa forma, o que se busca com o trabalho é identificar os princípios em colisão, notadamente no campo do processo penal, compatibilizando o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas com os demais princípios em colisão.

Pretende-se que a investigação realizada forneça, ao fim, critérios gerais para o tratamento das provas ilícitas de forma condizente com a missão de um Estado democrático de Direito de proteger o sistema de direitos fundamentais como um todo.

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CAPÍTULO I. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Considerações Iniciais

Como já salientado, a norma prevista no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal (CF/88), não é absoluta, comportando, portanto, temperamentos inerentes à acomodação dos diversos princípios em colisão no processo penal.

Como bem salientado por Thiago André Pierobom de Ávila (2007, p. 05), a Constituição é produto de um processo democrático e, portanto, alberga valores díspares, quando não antagônicos. O processo constituinte não se desenvolve necessariamente sob o signo do consenso, mas como síntese dialética de ideais políticos diversificados que traduzem a diversidade axiológica da sociedade. Assim, uma compatibilização dos diversos direitos fundamentais expressivos desses valores díspares apenas pode ser realizada em uma teoria dos direitos fundamentais de matriz principiológica.

De fato, ela conglomera normas advindas de pontos de vista políticos diversificados e aparentemente opostos, tentando sintetizar, dialeticamente, essas concepções, refletindo o pluralismo axiológico da comunidade. E porque ela é resultante da condensação de diversas facções políticas e sociais que, muitas vezes, são antagônicos.

Por outro lado, pelo fato de constituir um sistema aberto, eventualmente ocorrem tensões entre seus princípios.

Nessa hipótese, deve o intérprete buscar o sentido das normas constitucionais de forma a evitar contradições e, não sendo possível, deve balanceá-las para que sejam preservadas em sua essência.

O intérprete deve, portanto, considerar a Constituição como um corpo normativo único, pois suas normas são interdependentes e assim devem ser interpretadas, procurando

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harmonizar os conflitos nela porventura existentes e preservando a sua unidade através da ponderação de seus valores.

Vale destacar ainda que os métodos tradicionais de solução de antinomias, traçados a partir da lição de Norberto Bobbio (1999, p. 103-104), tais como o critério cronológico, critério hierárquico e o critério da especialidade não são suficientes para suplantamento das colisões de normas constitucionais, já que elas estão em igual patamar no ordenamento jurídico, não havendo primazia entre si, mesmo que umas sejam mais destacadas que outras.

Nesse sentido, assevera Luiz Roberto Barroso (1998, p. 81) que:

[...] em direito, hierarquia traduz a idéia de que uma norma colhe seu fundamento de validade em outra que lhe é superior. Não é isso, contudo, que se passa entre normas promulgadas originariamente com a Constituição, justamente pelo fato de estarem no mesmo pé de igualdade.

Dessa forma, não raramente o aplicador do direito depara-se, no caso concreto, com a colisão de princípios fundamentais, tendo que aplicar um deles em detrimento do outro, de forma que seja mantida a unidade do texto constitucional.

Assim, dada a complexidade do tema e, justamente pelo fato dos direitos fundamentais servirem de alicerce a este trabalho, adotar-se-á como referencial teórico aos objetivos desta pesquisa, a teoria dos direitos fundamentais de Alexy, a ser complementada pelo estudo de outros autores.

1.2 A Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy

Alexy, em sua teoria, parte do pressuposto de que o ordenamento jurídico é composto por vários princípios fundamentais, o que leva à conclusão de que haverá colisões entre estes. Para o autor, caso a teoria dos direitos fundamentais se apoiasse em um único princípio, ter-se-ía um grau de abstração tamanho que a teoria perderia sua utilidade.

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Dessa forma, o que o autor visa com sua teoria é definir qual é a decisão correta para o caso de colisões de princípios de direitos fundamentais, mediante a análise do problema da fundamentabilidade racional do juízo de valor. Não se trata, portanto, de uma teoria de valores concretos, mas de uma teoria jurídica geral a ser aplicada, no caso concreto, mediante um juízo de ponderação de valores.

Para Alexy, é fundamental para a compreensão da estrutura das normas dos direitos fundamentais, a análise da dimensão principiológica do direito e do Estado constitucional contemporâneo. Especialmente porque, como afirma Zagrebelsky apud ÁVILA (2007, p.08), "[...] as normas legislativas são, de forma prevalente, regras, enquanto as normas constitucionais sobre direitos e sobre a justiça são prevalentemente princípios”, ainda que se reconheça que também há regras na Constituição, bem como princípios na legislação infraconstitucional.

Enquanto o positivismo jurídico tradicional de Kelsen (1994, p. 54) via o direito como aplicação de um silogismo judicial (subsunção da situação concreta do fato à previsão abstrata da norma), a moderna teoria dos direitos fundamentais de Alexy (pós-positivista) afasta tal perspectiva para incluir os princípios também como espécie normativa ao lado das regras.

Por conta disso, o direito passou, assim, a não mais ser visto apenas como o disposto expressamente em lei. Destarte, o sistema normativo é considerado atualmente alicerçado em princípios.

No estudo da teoria material dos direitos fundamentais em bases normativas - a teoria normativa-material - Robert Alexy instituiu a distinção entre regras e princípios (à semelhança de Dworkin).

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Tal diferenciação é de suma importância, porque as tensões poderão ocorrer não apenas entre princípios, mas também entre regras e, a depender da espécie de conflitos, surtirão resultados distintos.

Daí a importância da distinção traçada entre regras e princípios, o que se fará a seguir com fundamento na doutrina Robert Alexy, q qual se mostra mais adequada e em consonância com os objetivos de nosso trabalho.

1.3 Diferença entre Princípios e Regras e a Colisão de Direitos

Fundamentais

Alexy (1993, p. 83) preconiza que, tanto as regras como os princípios, são espécies do gênero norma. Assevera que “tanto as regras como os princípios são normas porque dizem o que deve ser”. Ambas formulam-se com a contribuição de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição, e complementa que a distinção entre elas é uma distinção entre os tipos de norma.

Segundo o publicista alemão (1993, p. 84), a compreensão dessa estrutura normativa distinta de regras e princípios é essencial para uma teoria satisfatória da colisão dos direitos fundamentais, dos limites e do papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico.

Para Alexy (1993, p. 83), o critério de distinção entre regras e princípios, não é apenas de grau (de generalidade), mas de qualidade.

No entendimento de Alexy (1993, p. 83), entre regras e princípios não há diferença de grau (maior ou menor generalidade), mas diferença acima de tudo qualitativa. Nesse sentido assevera que: “entre reglas y princípios existe no solo uma diferença gradual sino

cualitativa”. A essa conclusão parte o professor da pertinência dos princípios à classe das

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particular: são normas que podem ser cumpridas em diversos graus. (BONAVIDES, 1996, p. 249)

Explica ainda Alexy (1993, p. 86) que “[...] as regras são normas que podem ser cumpridas ou não, e quando uma regra vale, então se há de fazer exatamente o que ela exige. Nem mais, nem menos”.

E arremata considerando que os princípios são qualificados como: “[...] mandatos de

optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida devida de su cumplimiento no solo depende de las possibilidades reales sino también de las jurídicas" (ALEXY, 1993, p. 86).

Nesse sentido, assevera Canotilho (1993, p. 168) que: “Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante com os condicionalismos fácticos e jurídicos”.

A distinção entre regras e princípios desponta com maior nitidez, no dizer de Alexy (1993, p. 89), ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras. Nesses termos: "um conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula".

Assevera ainda que: “juridicamente, uma norma vale ou não vale, e quando vale, e é aplicável a um caso, isto significa que suas conseqüências jurídicas também valem”. (ALEXY, 1993, p. 86)

E complementa no sentido de que “[...] havendo conflito de uma regra com outra, que disponha em contrário, o problema se resolverá em termos de validade. As duas normas não podem conviver simultaneamente no ordenamento jurídico”.1 (ALEXY, 1993, p. 88)

1 “Con la constatación de que en caso de un conflito de reglas, cuando no es posible la inclusión de uma

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Canotilho (1993, p. 169), seguindo a mesma orientação, sustenta que as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos.

No que diz respeito ao conflito entre regras, Alexy (1993, p. 88) dispõe que este pode ser resolvido por meio de regras, tais como: “lei posterior derroga a lei anterior e lei especial derroga lei geral, bem como pela importância dos princípios em conflito. E complementa no sentido de que o fundamental é que a decisão se encontra no terreno da validade”.2

No que toca aos princípios, assinala Alexy (1993, p. 88) que tudo se passa de modo diverso. A colisão ocorre se, por exemplo, algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, tampouco que a cláusula de exceção nele se introduza. Antes, quer dizer que, em determinadas circunstâncias, um princípio cede ao outro ou que, em situações distintas, a questão de prevalência pode-se resolver de forma contrária. Com isso, pretende-se demonstrar que os princípios têm um peso diferente nos casos concretos e que o princípio de maior peso é o que prepondera.3

E complementa no sentido de que “os conflitos de regras se desenvolvem, de outro lado, na dimensão de validade, ao passo que a colisão de princípios, visto que somente princípios válidos podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade, ou seja, na dimensão do peso; vale assim dizer, do valor”.4 (ALEXY, 1993, p. 89)

2 Ao tratar dos critérios a serem adotados para se solucionar os conflitos entre regras, assevera que: “lex

posterior derogat legi priori” y “lex specialis derogat lex generali, pero también es posible proceder de acuerdo com la importância de las reglas em conflito”.

3 Comentando acerca da solução a ser adotada quando do conflito entre princípios - Las colisiones de principios

deben ser solucionadas de manera totalmente distinta, Coando dos principias entran en colisión - tal como es el caso cuando según um principio algo está proibido y, según outro principio está permitido- uno de los dos principios tiene que ceder ante otro, Pero, esta no significa declarar inválido al principio desplezado ni que em el principio desplezando haya que introducir uma cláusula de excepción. Más bien lo que sucede es que “ bajo ciertas circunstancias uno de los principios precede al otro. Bajo otras circunstancias, la questión de la precedencia puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo que se quiere decir cuando se afirma que en los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso.

4 Traçando um paralelo acerca da solução dos conflitos entre regras e entre princípios – “Los conflictos de reglas

se llevan a cabo e la dimensión de la validade; la colisión de princípios – como solo pueden entrar en colisión principios válidos – tiene ligar más Allá de la dimensión de la validez, en la dimensión del peso”.

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Mas a questão decisiva, nesse passo e a partir dessas importantes conclusões que passaram a influenciar toda a concepção material da Constituição, diz “de que maneira saber sob quais condições determinado princípio tem precedência sobre outro". (ALEXY, 1993, p. 92)

Do pensamento de Alexy pode-se extrair que uma norma será princípio ou regra não por qualquer propriedade intrínseca ao seu enunciado lingüístico, mas de modo particular que se apresenta quando em colisão com outras normas. Se a norma, ao colidir com a outra, cede sempre ou triunfa sempre, será por ter ela nota típica de regra. Entretanto, se o conflito com outras normas proporciona vitórias ou derrotas - segundo as situações concretas - é porque estamos diante de um princípio. (PIETRO SANCHIS, 1998, p. 58)

Para Dworkin (1978, p. 24):

[...] enquanto as regras são cumpridas na lógica do `tudo ou nada´; se ocorrerem os fatos por elas estipulados, então a regra será válida e, nesse caso, a resposta que der deverá ser aceita; se tal, porém, não acontecer, aí a regra nada contribuirá para a decisão. Os princípios são mandados de otimização, que devem ser realizados, na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.

Assim, havendo um conflito de regras, deve-se introduzir uma cláusula de exceção em uma das regras e, caso tal não seja possível, esta deve ser declarada inválida. O conceito de validez jurídica não é gradual, de sorte que ou a norma vale ou não vale. Já na colisão de princípios, não se discute a validez, mas a dimensão de peso: "[...] nos casos concretos os princípios têm diferente peso e prevalece o princípio com maior peso” (ALEXY, 1993, p. 89).5 Assim, a resolução do conflito de princípios é feita através da atividade de ponderação, que não leva à exclusão do princípio realizado em menor medida.

5 “[...] en los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso”. (Tradução Nossa)

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Como salientado outrora, a preocupação central da obra de Alexy é a busca de um procedimento para a solução dos problemas de colisão de princípios, introduzindo elementos reguladores do processo argumentativo dos direitos fundamentais.

Para Alexy (1993, p. 89), um sistema constituído exclusivamente de regras, a despeito da característica da segurança, precípua do positivismo, possui o inconveniente da limitada racionalidade prática, além do que exigiria exaustiva previsão legislativa.

No mesmo sentido, preleciona Canotilho (1993, p. 170) que:

[...] um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa — legalismo — do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um ‘sistema de segurança’ mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto.

Por outro lado, um sistema constituído exclusivamente de princípios geraria indeterminação e insegurança jurídica. O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios levar-nos-ía a conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras precisas e a coexistência de princípios conflitantes só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema. (CANOTILHO, 1993, p. 170)

Para Alexy (1993, p. 89), desta forma, a combinação de princípios e regras representa evolução pela nota de complementaridade que alia esses conceitos.

Daí porque sua teoria pode ser classificada em um sistema de três níveis: regras, princípios e procedimentos. Os procedimentos são os reguladores da aplicação das regras e princípios e possuem a forma de uma teoria da argumentação jurídica (1993)6, a qual será analisada oportunamente.

6 Nesse sentido, assevera o autor (1993, p. 89) que: “El modelo puro de reglas fracasa en los tres tipos

normación de derecho fundamental considerados. Se puede suponer que también es insuficiente para otros tipos de normación que se encuentran en la Ley Fundamental. EI modelo puro de principios fue rechazado porque no

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A solução de uma colisão de princípios deve ser tomada levando em conta as circunstâncias do caso concreto, estabelecendo, entre os princípios, uma "relação de precedência condicionada", ou seja, as condições sob as quais um princípio precede o outro. Essa relação de precedência não é absoluta, abstrata, incondicionada, mas sempre condicionada, concreta e relativa.7 (ALEXY, 1993, p. 92)

No mesmo sentido, Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 47), enfatiza que “a prevalência dos direitos fundamentais deve ser vista como uma prevalência a priori”.

Assim, como se percebe na teoria de Alexy, não há relações de precedência absolutas entre princípios, pois estes, como mandados de otimização (preceituam o que pode ser feito com ampla margem de atuação), referem-se a ações e situações que não são quantificáveis, mas qualitativas.

Enquanto as regras já contêm uma determinação no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas, os princípios ordenam que algo deva ser realizado na maior medida possível, levando em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. Portanto, não contém

mandados definitivos, mas apenas prima facie.8 (ALEXY, 1993, p. 92)

Dessa forma, enquanto as regras já devem estabelecer as relações de precedência no caso concreto, os princípios não têm conteúdo determinado com respeito a princípios contrapostos e às possibilidades fáticas; enquanto as regras são aplicadas a situações e sujeitos ao menos determináveis, os princípios admitem um amplo e indefinido rol de aplicações e de

toma en serio las regulaciones adoptadas en la Ley Fundamental. Cuando das formas puras contrapuestas no son aceptables, hay que preguntarse por una forma mixta o combinada, es decir, un modelo combinado. un tal modelo combinado es el modelo regla / principios, que surge de la vinculación de un nivel de principios con un nivel de reglas”.

7 Nesse sentido, assevera Alexy (1993, p. 92) que: “La solución de la colisión consiste más bien en que, teniendo

en cuenta las circunstancias del caso, se eslablece: entre los principios una relación de precedencia condicionada. La delerminación de la relación de precedencia-condicionada consiste en que, tomando en cuenta el caso, se indican las condiciones baja las cuales un principio precede al otro. Bajo otras condiciones, la cuestión de la precedencia puede ser solucionada inversamente”.

8 “Los principios ordean que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, teniendo en cuenta las

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indivíduos aos quais serão aplicáveis. Assim, sua aplicabilidade está relacionada à dimensão de peso ou importância.

É que os princípios não prevêem efeitos jurídicos determinados em decorrência de situações preestabelecidas. Seu caráter fluido impede que haja previsão exata de seus resultados, os quais dependerão de cada caso concreto e dos demais princípios a ele aplicáveis. Assim, eles podem ser facilmente maleabilizados quando em colisão com outros.

Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses - não obedecem, como as regras, à “lógica do tudo ou nada”- consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale - tem validade - deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. (CANOTILHO, 1993, p. 1256)

Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas “exigências” ou standards que, em primeira linha -

prima facie - devem ser realizados; as regras contêm “fixações normativas” definitivas, sendo

insustentável a validade simultânea de regras contraditórias (CANOTILHO, 1993, p. 1256). Num sistema de regras, pondera Dworkin (1978, p. 27), não se pode dizer que uma regra é mais importante do que outra. De tal sorte que, quando duas regras entram em conflito, não se admite que uma possa prevalecer sobre a outra em razão de seu maior peso.

O caráter de mandado de otimização dos princípios fica explicitado na consideração de que os princípios são apenas razões prima facie, enquanto as regras são razões definitivas. Segundo Alexy (1993, p. 89), os princípios geram direitos prima facie e a via do direito definitivo passa pela determinação de uma relação de preferência. Portanto, os princípios nunca são razões definitivas, mas pontos de partida para uma avaliação da normalização ideal.

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Essa característica dos princípios de funcionarem como mandados de otimização revela um elemento essencial. Eles possuem um caráter prima facie. Isso significa que o conhecimento da total abrangência de um princípio, de todo o seu significado jurídico, não resulta imediatamente da leitura da norma que o consagra, mas deve ser complementado pela consideração de outros fatores. A normatividade dos princípios é, nesse sentido, provisória, "potencial, com virtualidades de se adaptar à situação fática, na busca de uma solução ótima". (CANOTILHO, 1993, p. 1256)

No amplo mundo dos princípios, há lugar para muitas coisas. Pode ser chamado de mundo do dever ser ideal. Quando há que se passar do amplo mundo do dever ser ideal ao estreito mundo do dever ser definitivo ou real, se produzem colisões ou, para usar outras expressões freqüentes, tensões, conflitos e antinomias. É então inevitável sopesar princípios contrapostos, ou seja, há que estabelecer relações de preferência.9 (ALEXY, 1993, p. 133)

Conforme Alexy (1998, p. 10), as normas de direitos fundamentais possuem um caráter duplo: são ao mesmo tempo regras e princípios:

Ela [teoria dos princípios] afirma não apenas que os direitos fundamentais, enquanto balizadores de definições precisas e definitivas, têm estruturas de regras, como também acentua que o nível de regras precede prima facie ao nível dos princípios. O seu ponto decisivo é o de que atrás e ao lado das regras existem os princípios.

Assim, atrás da regra de direito fundamental há um princípio, que deve ter primazia na ponderação quando ocorrer um conflito desse com outros princípios constitucionais. (ÁVILA, 2007, p. 11)

Na perspectiva de Alexy (1993, p. 10), os direitos fundamentais individuais podem ser restringidos não apenas por outros direitos fundamentais individuais (colisão em sentido

9 “En el amplio mundo de las principios, hay lugar para muchas cosas. Puede ser lhamado un mundo del deber

ser ideal. Cuando hay que pasar del amplio mundo del deber ser ideal ai estrecho mundo del deber ser definitivo o real, se producen colisiones o, para usar otras expresiones frecuentes, tensiones, conflictos y antino-mias. Es entonces inevitable sopesar principias contrapuestos, es decir, hay que establecer relaciones de preferencia”.

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estrito), mas também por princípios constitucionais relativos a bens coletivos (colisão em sentido amplo).10

Dessa forma, embora os direitos fundamentais se estabeleçam como alicerce de todo ordenamento jurídico, não estão isentos de restrições e limitações, isso porque, como já salientado, não podem ser interpretados de forma absoluta.

1.4 Restrições dos Direitos Fundamentais

Como outrora já salientado, os direitos fundamentais estão sujeitos a restrições e podem ser delimitados ou limitados diante do caso concreto.

No mesmo sentido, Häberle apud ÁVILA (2007, p. 12) explicita que:

[...] se os direitos fundamentais se integram reciprocamente formando um sistema unitário, se configuram como componentes constitutivos do conjunto constitucional e estão em uma relação de recíproco condicionamento com outros bens jurídico-constitucionais, disso se deduz que há que se determinar seu conteúdo e seus limites em atenção aos outros bens jurídico-constitucionais reconhecidos junto deles. A Constituição quer por igual as relações de poder especial e as liberdades individuais, os direitos fundamentais e o direito penal, as liberdades de um com as liberdades do outro.

Dessa forma, como já mencionado, a idéia de validade absoluta de certos princípios deve ser refutada, pois, na colisão de princípio, não se aplica a regra do “tudo ou nada”. Na colisão de princípios, não se discute a validade da norma, mas a dimensão de peso; nos casos concretos, os princípios têm diferentes pesos e prevalece o princípio com maior peso.

Assim, a resolução do conflito de princípios é feita através da atividade de ponderação, que não leva à exclusão do princípio realizado em menor medida. O princípio

10 “Entre los principias relevantes para la decisión iusfundamental se cuentan no sólo las principias que están

referidos a las derechos individuales, es decir, que confieren derechos fundamentales prima facie, sino también aquellos que tienen por objeto bienes colectivos y que, sobre todo, pueden ser utilizados como razones en contra, pero también como razones en favor de los derecho fundamentales prima facie”. (ALEXY, 1993, p.

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preterido continua válido e em plena vigência, nada impedindo que seja aplicado numa outra relação jurídica em detrimento do princípio que o preteriu.

Das reflexões de Dworkin (1978, p. 27) infere-se que um princípio, aplicado a um determinado caso, se não prevalecer, nada obsta a que, amanhã, noutras circunstâncias, volte ele a ser utilizado, e já então de maneira decisiva.

A isso, nos dizeres de J.J. Canotilho (1993, p. 1056), dá-se o nome de tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental.

A propósito do tema, Jorge Miranda apud Araújo Nunes (2006, p. 86) assim se manifesta:

A Constituição deve ser tomada, a qualquer instante, como um todo, na busca de uma unidade e harmonia de sentido. O apelo ao elemento sistemático consiste aqui em procurar recíprocas implicações de preceitos e princípios em que aqueles fins se traduzem em situá-los e defini-los na sua inter-relacionamento e em tentar, assim, chegar a uma idônea síntese globalizante, credível e dotada de energia normativa.

Destarte, o princípio em pauta preconiza, em suma, que a Constituição deve ser interpretada de maneira globalizante, de modo a resguardá-la de eventuais antinomias.

Desdobramento do princípio da unidade, o princípio do efeito integrador sublima a aplicação de critérios que desincumbam a tarefa de efetivação da integração política e social e o reforço da unidade política.

Com vistas à solução do problema, socorre-se ainda o julgador, diante de conflitos de princípios constitucionais, do princípio da concordância prática, segundo o qual, diante das situações de conflito ou concorrência, preconiza que o intérprete deve buscar uma função útil a cada um dos direitos em confronto, sem que a aplicação de um imprima a supressão de outro.

Diz-se, no caso, que deve haver cedência recíproca, de parte a parte, para que se encontre um ponto de convivência entre esses direitos. Dessa forma, em havendo colisão de princípios fundamentais, analisa-se o peso de cada um deles no caso concreto, sem qualquer

(18)

tipo de referência ou análise da validade da norma; aplica-se o critério da valoração dos interesses envolvidos.

Sem embargos, pequena parte da doutrina entende que alguns princípios não podem ser preteridos ou afetados quando em conflito com outros princípios. Isso porque deve ser preservado o que denominam de conteúdo essencial dos direitos fundamentais. É a chamada teoria absoluta dos diretos fundamentais, segundo a qual sempre existe um núcleo essencial de cada direito fundamental, que em nenhuma hipótese pode ser afetado.

Alexy (1993, p. 287-288), no entanto, assevera que a denominada garantia do conteúdo essencial deve ser encarada como um significado duplo. Em sentido objetivo, significa a vedação de redução total de vigência de uma disposição jusfundamental de forma que perca sua importância para os indivíduos em geral ou para a vida social.11

Mas também deve ser vista numa perspectiva subjetiva, como forma de proibição de supressão de posições do indivíduo - considerado o caráter de direito subjetivo dos direitos fundamentais. (ALEXY, 1993, p. 287-288)

As teorias subjetivas do conteúdo essencial podem ser absolutas ou relativas. Segundo a teoria relativa, o conteúdo essencial é aquilo que fica após uma ponderação com os demais princípios em colisão. Assim, a garantia do conteúdo essencial corresponde à necessidade de observância do princípio da proporcionalidade. Alexy (1993, p. 288) posiciona-se a favor da teoria relativa. Segundo o autor, o núcleo essencial significa apenas que "existem condições nas quais se pode dizer com muita segurança que não há precedência de nenhum princípio oposto" e que "o caráter absoluto de sua proteção é uma questão das relações entre os princípios".12

11 “[...] una interpretacíon objetiva prohibe que la vigencia de una disposición iusfundamental sea reducida de

forma tal que pierda toda importancia para todos os individuos o para mayor parte de ellos o, en geral, para la vida social”. (ALEXY, 1993, p. 287-288)

12 “[...] las teorias subjetivas del contenido esencial puedem ser absolutas ou relativas. Según la teoria relativa,

el contenido esencial es aquello que queda después de una ponderación [...] la garantia del contenido esencial se reduce al principio de proporcionalidad”. (ALEXY, 1993, p. 288)

(19)

Para Alexy (1993, p. 290-291) não há verdadeiramente um núcleo essencial já determinado objetivamente e de forma absoluta pela Constituição, mas uma relação entre princípios contrapostos que permitem a conclusão de que dificilmente haverá situações concretas nas quais aquela parte mais significativa do direito fundamental possa ser suprimida.13

Portanto, o conteúdo essencial não possui um conteúdo apriorístico, mas apenas um caráter declaratório de síntese do resultado da ponderação dos princípios em colisão por meio da aplicação da proporcionalidade.14 (ALEXY, 1993, p. 288)

Para a teoria absoluta, existe um núcleo em cada direito fundamental que, em nenhum caso, pode ser afetado.15 (ALEXY, 1993, p. 288)

Esse resultado da ponderação entre princípios somente será alcançado por meio do que Alexy denominou de teoria da argumentação jurídica, a qual será analisada adiante.

1.5 Argumentação Jurídica como Procedimento de Concretização

dos Direitos Fundamentais

A interpretação dos direitos fundamentais deve partir, em primeiro lugar, do próprio texto constitucional e da vontade do constituinte. Esses critérios, no entanto, ante a relativa força semântica dos enunciados abertos dos direitos fundamentais, podem não ser decisivos, mas são o ponto de partida, que poderão ser eventualmente superados por soluções contrárias ao texto apenas mediante um ônus de argumentação forte o suficiente.

13 “Cuando la teoria absoluta dice que hay posiciones con respecto a las cuales no existe ninguma razón

superior que las desplace, en cierta media tiene razón. Pero, en esta medida, se basa en la teoria relativa [..] Por ello, existen condiciones en las cuales puede decirse con muy alta seguridad que no tiene precedencia nengún principio opuesto”. (ALEXY, 1993, p. 290-291)

14 “[...] o contenido esencial tien simplesmente una importancia declaratória”. (ALEXY, 1993, p. 288)

15 “[...] según la teoría absoluta, existe un núcleo de cada derecho fundamental que, en ningún caso puede ser

(20)

Afirma Alexy (1993, p. 534) que: "Para desprezá-lo, não basta expor que a solução contrária ao texto é melhor que a conforme o texto; as razões a favor da solução contrária ao texto têm que ter um peso tal que, desde o ponto de vista da Constituição, justifiquem um apartamento de seu texto".16

Da mesma forma, conclui Alexy (1993, p. 535) que a gênese da norma (vontade do constituinte) também não é determinante para a sua interpretação pela impossibilidade de delimitação clara de sua intenção e mesmo pela possibilidade de superação do texto pela argumentação.

Em segundo lugar:

[...] a argumentação jurídica fundamentar-se-á pelos precedentes judiciais, especialmente as decisões do Tribunal Constitucional como intérprete maior da Constituição e sua força vinculante perante os demais órgãos judiciais. Na prática, a lei fundamental vale como a interpreta o Tribunal Constitucional Federal. A interpretação corresponde à autoapreciação do Tribunal como intérprete decisivo e protetor da constituição.17 (ALEXY, 1993, p. 534)

Sintetiza Alexy (1993, p. 537) que, se alguém possui um precedente em seu favor, sua superação apenas ocorrerá com o ônus da argumentação. Os argumentos mais importantes em favor da observância dos precedentes são a igualdade, a segurança jurídica, a proteção da confiança, a estabilidade como base ao progresso e, mais relevante, a controlabilidade racional da argumentação.18

Esse processo de construção de precedentes pela praxis continuada do Tribunal Constitucional realiza-se mediante a aplicação dos precedentes a casos idênticos, sua extensão a casos similares e a construção de exceções de não-extensão a casos parecidos, mas com

16 “Para desplazarlo, no basta exponer que la solución catria al texto es mejor que la conforme al texto, las

raziones en favor de la solución contraria al texto tienen que tener un peso tal que, desde el punto de vista de la Constitución, justifiquen un apartamiento de su texto”. (ALEXY, 1993, p. 534)

17 “Los precedentes judiciales constituyen la segunda pieza de la argumentación iusfundamental. La frase de

Smend:`En la práctica, la Ley Fundamental vale como la interpreta el Tribunal Constitucional Federal”.

(ALEXY, 1993, p. 535)

18 “Aquí no habrá de reiterarse la fundamentación de estas reglas, presentada ya en outro lugar. Basta

mencionar que los argumentos más importante apuntan a la dignidad, la seguridad juridica, la proteción de la confianza, la descarga y a estabilidad como base del progresso”. (ALEXY, 1993, p. 537)

(21)

peculiaridades que justificam a não-aplicação, cujo conjunto forma uma rede ampla e densa de regras concretas. E complementa Alexy (1993, p. 537) no seguinte sentido: “Quando os casos são semelhantes, tais regras de decisão são sempre aplicadas”.19

De todas as regras de decisão do Tribunal Constitucional Federal obtém-se uma rede relativamente densa de normas. Cada nova decisão contribui para aumentar sua densidade, demonstrando que a força vinculante dos precedentes, neste sistema de normas, é demasiadamente grande.20 (ALEXY, 1993, p. 537)

Ainda assim, ressalta Alexy (1993, p. 538) a possibilidade de se proceder à superação do precedente mediante razões mais fortes, o que evidencia a não existência de um núcleo essencial absoluto e intangível.

Nesse sentido, assevera o autor (1993, p. 539) que: “Por mais densa que seja esta rede de decisões, os novos casos apresentam sempre novas características que podem ser utilizadas como razões para uma diferenciação”.21

Assim, o sistema de precedentes fornece uma relativa segurança para a previsibilidade das decisões, mas ainda mantém o sistema aberto para mudanças básicas, isso porque as regras de decisão possuem somente uma força vinculante prima facie.

O terceiro padrão de controle da argumentação jurídica dos direitos fundamentais é a dogmática, que se expressa, no plano normativo, pelas teorias materiais dos direitos fundamentais. (ALEXY, 1993, p. 540)

Como visto, o procedimento da proporcionalidade é aberto e não determina por si só qual será a ordem da precedência condicionada dos princípios em colisão. A teorização de

19 “Cuando los casos son suficientemente iguales, tales reglas de decisión son siempre aplicadas”. (ALEXY, 1993, p. 537)

20 “Si se resumen todas las reglas de decisión del Tribunal Constitucional Federal, se obtiene una regla

relativamente amplia y densa de normas. Cada nueva decisón contribui a aumentar a densidad. Por ello, podría pensarse que la fuerza vinculante de los precedentes en este sistema de normas es más bien demasiado grande”.

(ALEXY, 1993, p. 538)

21 “Por más densa que sea la rede de las reglas de decisión, los casos nuevos presentan siempre nuevas

(22)

uma proposta da precedência prima facie entre os princípios é tarefa das teorias materiais dos direitos fundamentais.

Salienta Böckenförd apud ÁVILA (2007, p. 25) que, uma teoria dos direitos fundamentais (teoria material, no sentido referido por Alexy) é:

[...] uma concepção sistematicamente orientada acerca do caráter geral, finalidade normativa e alcance material dos direitos fundamentais. Esta teoria tem seu ponto de referência em uma determinada concepção de Estado e/ou em uma determinada teoria da Constituição.

Portanto, tais teorias materiais pretendem fornecer o conteúdo concreto dos direitos fundamentais ou, conforme afirma Alexy, são uma proposta de hierarquização prima facie dos diversos direitos fundamentais, cuja hierarquia preliminar é afastada apenas diante de razões mais fortes em favor do princípio contraposto.

Alexy (1993, p. 546) identifica três possíveis construções de teorias materiais: as unipontuais (que apontam um único princípio fundamental como assegurado pelo Estado - a liberdade), as que reconhecem um conjunto de princípios de igual hierarquia, e as que reconhecem um conjunto de princípios com uma certa hierarquia prima facie.22

A teoria liberal, que reconhece a liberdade individual como único direito fundamental pode ser, segundo Alexy, facilmente afastada pela análise do texto constitucional e da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que asseguram um conjunto de direitos que expressam essa relação entre o indivíduo e a comunidade estatal (tensão entre liberdade e igualdade).

Assim, Alexy (1993, p. 541) conclui que a teoria material adequada deve reconhecer um conjunto de princípios fundamentais e arremata que é possível formular uma relação de prioridade prima facie entre esses princípios.

22 “Interesan aqui tres tipos de teorias de princípios: aquéllas que esencialmente apuntan a un principio

iusfundamental, aquéllas que parten de un haz de princípios iusfundamentales de igual jerarquia y aquéllas que parten de un haz de princípios iusfundamentales, pero intentan crear un cierto orden entre ellos”. (ALEXY,

(23)

Todavia, reconhece que uma teoria material desse tipo não irá determinar o resultado das colisões entre princípios em todas as situações, mas, através de sua fundamentação, permitirá uma estrutura racional.

Nesse sentido, assevera o autor (1993, p. 549) que:

Se os princípios são relevantes, devem ser levados em conta em caso de colisão; requer-se uma ponderação em que há de se perguntar se a importância do cumprimento de um dos princípios justifica o não cumprimento do outro. Com isto se determina o resultado e, através de sua fundamentação, se permitirá uma estrutura racional.23

Assim, Alexy (1993, p. 550) procura construir um sistema de relações de prioridade

prima face com as seguintes características: a liberdade jurídica e a igualdade jurídica

possuem uma prioridade prima facie que apenas pode ser afastada mediante outros argumentos mais relevantes.

Nesse sentido, salienta o autor (1993, p. 551) que: “Simplesmente se exige que para a solução requerida pelos princípios opostos se aduzam razões mais fortes que para a solução requerida pelo princípio da liberdade jurídica”.24

Assim, a estrutura de prioridades prima facie possui um caráter formal de estruturar o processo de decisão, ainda que não estabeleça como caráter obrigatório a solução de cada problema de colisão.

Como se observa, Alexy utiliza, em sua obra, o conceito de dignidade da pessoa humana como conteúdo material do sistema de direitos fundamentais e, portanto, com uma posição privilegiada no sistema de ponderações.

23 Se los principios sun relevantes, deben ser tomados en cuenta. En caso de colisón, se requiere una

ponderación en la que hay que perguntar si la importancia del cumplimento de uno de los principios justifica la medida inevitable de incumplimento del otro”. (ALEXY, 1993, p. 549)

24 “Simplesmente exige que para la solución requerida por los principios opuestos se aduzcan razones más

(24)

1.6 Críticas à Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy

As principais críticas formuladas por parte da doutrina à teoria de Alexy dizem respeito aos aspectos metodológico e dogmático, as quais são refutadas de plano pelo autor, como se analisará a seguir.

Uma das críticas mais acirradas à teoria dos princípios e da ponderação de interesses está ligada à alegação de ausência de critérios racionais para conduzir a ponderação através de normas e métodos, o que abriria margem para o subjetivismo e o decisionismo judicial.

As objeções metodológicas contra a teoria dos valores podem ser de duas espécies: contra a possibilidade de uma ordem hierárquica de valores e contra a ponderação em si. (ALEXY, 1993, p. 138)

Alexy (1993, p. 156), no que diz respeito à ordem hierárquica de valores, não aceita a possibilidade de atribuir-se um valor numérico aos valores, refutando, assim, a possibilidade de construção de uma ordem cardinal de valores, pois "[...] a concepção de uma ordem hierárquica de valores que trabalhe com escalas cardinais fracassa ante o problema da metrificação da importância e intensidade de realização dos valores ou princípios".25

A impossibilidade de construção de uma ordem rígida de valores, segundo Alexy (1993, p. 157), não impede a possibilidade de construção de uma ordem maleável de hierarquia que considere o conjunto de preferências prima facie em favor de determinados valores ou princípios e construa uma rede de decisões concretas de preferências, ambos requisitos intrinsecamente ligados com seu conceito de ponderação. (ÁVILA, 2007, p. 28)

O modelo de ponderação de Alexy (1993, p. 159), mediante o estabelecimento da lei da precedência condicionada, não é apenas um modelo de decisão para o caso concreto, mas

25 “La concepción de un orden jerárquico de valores que trabaje con escalas cardinales fracasa ente el

problema de la metrificación de la importancia e intensidades de realización de valores o princípios”. (ALEXY,

(25)

um modelo de fundamentação, de forma que a ponderação é racional se o enunciado de preferência a que conduz pode ser fundamentado racionalmente. Assim, a eventual subjetividade na ponderação é controlada pela fundamentação racional de enunciados que estabelecem preferências condicionadas entre os valores ou princípios opostos.

A fundamentação da restrição de um direito fundamental quando em colisão com outro, segundo Alexy (1993, p. 161), deve seguir à seguinte regra: "[...] quanto maior é o grau da não-satisfação ou da afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância da satisfação do outro".26

Alexy reconhece que, na avaliação dos pesos relativos dos princípios em colisão, "estes conceitos escapam a uma metrificação que poderia condizer a um cálculo intersubjetivo obrigatório do resultado", mas conclui que, apesar de a teoria dos valores não fornecer o valor exato das intensidades de satisfação ou não-afetação dos dois princípios em colisão, é apta a fornecer as balizas sobre o que há que se fundamentar para justificar o enunciado de preferência condicionada, o qual representa o resultado da ponderação: uma fundamentação sobre os enunciados dos graus de afetação e importância recíprocas dos princípios em colisão.(ÁVILA, 2007, p. 28-29)

Segundo Alexy, a abertura do método às valorações não fornecidas de antemão com autoridade vinculante não acarreta a irracionalidade ou não-racionalidade da ponderação, pois essas considerações valorativas fazem parte da tarefa cotidiana da atividade judicial.

Argumenta Alexy (1993, p. 166) que sua teoria põe em evidência que a ponderação não é um procedimento no qual um bem é obtido com "excessiva precipitação" à custa de outro27, mas, como tarefa de otimização, responde ao chamado princípio da concordância

26 “Cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectión de un principio, tanto mayor tiene que ser la

importancia de la satisfacción de otro”. (ALEXY, 1993, p. 161)

27 “El modelo de fundamentación de la ponderación aqui presentado evita una série de dificultades que, a

menudo, están vinculadas com el concepto de ponderación. Pone de manifesto que la ponderación no es un procedimiento en el qcual un bien es obtenido con excesivo apresuramiento´ a costa de otro”. (ALEXY, 1993,

(26)

prática, concluindo que "o modelo de ponderação como um todo proporciona um critério ao vincular a lei da ponderação com a teoria da argumentação jurídica racional".28

A segunda espécie de objeções que Alexy (1993, p. 170) refuta são as objeções dogmáticas, que criticam a possibilidade de relativização dos direitos fundamentais, que poderia culminar com a destruição de alguns destes, como o direito fundamental de liberdade em sentido liberal.29

Neste ponto, a crítica realizada à teoria dos princípios de Alexy (1993, p. 171) é a de que referida teoria não leva a sério a sujeição à Constituição. Forsthoff, criticando a teoria em tela, argumenta que:

[...] a interpretação das normas de direitos fundamentais como princípios cria a possibilidade de se apresentar como mandamentos jurídicos-constitucionais resultados de ponderações muito diferentes. Desta maneira poderia-se pensar na possibilidade destes serem manipulados, transformando a decisão fundamental do legislador em uma autorização global para os intérpretes da constituição, resultando numa grande insegurança jurídica. Acrescenta ainda que a teoria dos princípios não leva a sério a Constituição, e que conduz à arbitrariedade interpretativa e, com ela, à insegurança constitucional.30

Alexy (1993, p. 170) refuta que a teoria da ponderação em si possa destruir o direito, pois ela apenas fornece a estrutura de fundamentação da ponderação, respondendo, de forma neutra, frente à liberdade jurídica. O resultado da ponderação é dado pelo valor dos princípios

28 “Ya del concepto de principio resulta que em la ponderación no se trata de una cuestión de o-todo-o-nada,

sino de una tarea de optimización. En esta medida, el modelo de ponderación aqui sostenido responde al llamado principio de la concordancia practica”. (ALEXY, 1993, p. 166)

29 De acordo com esta objeção: “ una teoria de los valores de los derechos fundamentales conduciria a una

destrucción del derecho fundamental de libertad en el sentido liberal”, o que é refutado por Alexy (1993, p.

170)

30 Críticas tecidas por Forsthoff à teoria dos principios de Alexy: “la interpretación de las normas de derecho

fundamentales como principios crea la posibilidad de presentar como mandatos jurídicos-constitucionales resultados de ponderación muy diferentes. De esta manera, podría pernsarse que se dejan librados los derechos fundamentales a posibilidades manipulatoria de supra, sub o revaloración y, con ello, se transforma la decisión fundamental del legislador en una autorización global para los interpretes de la Constitución”. E complementa

no sentido de que: “El resultado es que se vuelve insegura la Constituición”. Acrescenta ainda que “una teoria

de los principios no toma en serio la sujeción a la Constitución”, e que, por fim, que a teoria dos principios “conduce a la arbitrariedad interpretativa y, con ello, a la inseguridad constitucional”. (ALEXY, 1993, p. 171)

(27)

em colisão, fornecidos pela teoria dos direitos fundamentais que se considera - liberal ou não-liberal.31

Quanto à primeira crítica, ou seja, de que uma teoria dos princípios não leva a sério a sujeição à Constituição, Alexy (1993, p. 171) afirma que uma teoria de apenas regras não fornece soluções melhores que a teoria de regras e princípios, pois, por exemplo, os direitos fundamentais com reserva simples necessitam de uma complementação de conteúdo pelos princípios sob pena de caírem em uma "marcha no vazio" e a uma falta de sujeição.32

Ademais, as críticas feitas à teoria dos princípios são endereçadas mais a determinadas valorações dos princípios e a uma determinada teoria material dos direitos fundamentais, em relação à qual a teoria dos princípios, como teoria estrutural, mantém-se neutra.

Em relação à crítica relacionada à insegurança jurídica, aponta Alexy duas refutações. Primeiro, lembra que não existem alternativas aceitáveis que possam trazer mais garantias que o modelo de regras e princípios.

Nesse sentido, afirma que: “una vez más hay que hacer referencia a Ia falta de

alternativas aceptables, que puedan garantizar una medida mayor de seguridad jurídica que el modelo regla/principios”. (ALEXY, 1993, p. 171)

Segundo, afirma que a segurança jurídica dá-se pelo respeito à argumentação

jurídica, respeitando o texto constitucional e a vontade do legislador como pontos de partida,

31 Nesse sentido, afirma ALEXY (1993, p. 170) que “la teoria de los principios e de los valores de los derechos

fundamentales se comporta neutramente frente a la libertad jurídica”.

32 “La objeción que apunta a la sujeción podría afectar la teoria aquí sostenida sólo si el modelo puro de reglas

pudiera garantizar una medida mayor de sujeción que el modelo regla/principios. Pero el modelo puro de regias ha de mostrado ser inadecuado. Así, por ejempio, se via claramente que en los derechos fundamentales con reserva simple, hasta un limite de contenido esencial dificilmente determinable, conduce a una marcha en el vacío y, por la tanto, a una falta de sujeción. . Justamente para asegurar la sujeción, es necesaria una complementación del nivel de las reglas con el de las principios”. (ALEXY, 1993, p. 171)

(28)

bem como a força jurisprudencial das decisões do Tribunal Constitucional.33 (ALEXY, 1993, p. 171)

No mesmo sentido, afirma Häberle apud ÁVILA (2007, p. 30) que apenas uma interpretação conjunta da Constituição não permite que um bem jurídico seja absolutizado à custa de outro, concluindo que os direitos fundamentais: estão protegidos frente a uma relativização na medida em que, na ponderação dos bens jurídicos, produza-se uma referência à 'imagem do homem' da Lei Fundamental; na medida em que seu alto valor será fundado não apenas no indivíduo, mas também na comunidade; na medida em que se observe a função social dos direitos fundamentais, sua 'significação para a vida social em seu conjunto' e o resultado global projetado pela Constituição como sua garantia, assim como a correlação de direitos fundamentais e democracia liberal.

Essa imagem do homem, referida por Häberle, corresponde ao princípio da dignidade da pessoa humana, que será analisado no próximo capítulo.

33 “Ia seguridad obtenible en el nivel de las regias no sólo se basa en un respeto básicamente impuesto del texto

y de la voluntad del legislador constitucional, sino esencialmente también en la fuerza jurisprudencial de las decisiones del Tribunal Constitucional Federal”. (ALEXY, 1993, p. 171)

(29)

CAPÍTULO II. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

2.1 Breves Considerações

O valor da dignidade humana, em diversos momentos neste estudo, teve destaque, e a sua relevância, alcance e repercussão na ponderação de interesses, nesse momento, deve receber maior atenção.

Procura-se, contudo, delimitar a questão da dignidade humana na ponderação de interesses constitucionais na esfera processual penal, objeto deste trabalho.

Assevera Flávia D’Urso (2007, p. 70) que: “[...] o homem, na condição de portador de valores éticos, como sejam a dignidade, a liberdade e sua autonomia, tem nos exemplos das experiências históricas, advindas das guerras ou crises econômicas, políticas e sociais, repetidas situações de aniquilamento”.

O ser humano, nessa dimensão mesmo considerada, vem posto à prova a todo instante, o que exige constante vigilância desta garantia por parte do Estado.

Nas lições de Miguel Reale (1976, p. 301): "[...] o Direito é a concretização da idéia de justiça pluridiversidade de seu dever-ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores".

A pessoa humana, averba Edílsom Pereira de Farias (2000, p. 56), expressa a fonte e base mesma do Direito, revelando-se, assim, critério essencial de legitimidade da ordem jurídica. O postulado primário do Direito é o valor próprio do homem como valor superior e absoluto, ou o que é igual, o imperativo respeito à pessoa humana.

O valor absoluto da pessoa humana advém das preleções de José Afonso Silva (2000, p. 146). Assim:

(30)

[...] a dignidade humana não é uma criação constitucional, pois é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda a experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo uma existência e a sua eminência, transforma-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.

Nessas conclusões apega-se Ana Paula de Barcellos (2002, p. 109-110), frisando que a dignidade humana tomou assento como valor máximo dos ordenamentos jurídicos, além de consubstanciar-se no princípio orientador da atuação estatal. Acentua que o Brasil, nos moldes de países como a Alemanha, Portugal e Espanha, juridicizou esse valor, com estatura constitucional, insculpindo-o em seu art. 1º inciso III.

Não poderia ser diferente o valor da dignidade da pessoa humana no processo. Nessa esteira, brilhantes colocações de Vicente Greco Filho (1989, p. 08):

[...] o direito talvez cronologicamente coincida com o homem e a sociedade, mas não pode ser entendido senão em função da realização de valores, nos quais se encontra o valor da pessoa humana. Aliás, toda a ordem jurídica não teria sentido se não tivesse por fim ou conteúdo a realização desses valores.

Acentuado esse autor o valor supremo que se encontra acima da realidade jurídica histórica, preconiza que:

[...] esse valor é o valor da pessoa humana, em função do qual todo o direito gravita e que constitui a sua razão de ser. O processo vem dessa forma contextualizado: Direito e processo caminham juntos, de modo que este é o instrumento daquele e, aliás, se dignifica na razão direta em que aquele se manifesta como buscando a estabilidade e a justiça.

2.2. A Dignidade Humana e os Interesses do Indivíduo e da

Sociedade

A colisão de direitos está sendo abordada, neste trabalho, com a finalidade de estabelecer a noção de condição de precedência que autoriza a escolha de um ou outro princípio ou interesse protegido pela Constituição Federal.

(31)

Nesse ponto, ocupam lugar as teorias que tratam do constante e tenso conflito no relacionamento entre indivíduo e sociedade, estendendo o entendimento, em particular, ao aspecto processual penal: aos valores da liberdade em contraposição à segurança social; o que de resto justifica o sentido do tema que se desenvolve.

Considerações de concepção filosófica ora tomam pertinência e afiguram-se necessárias, porquanto justificam a contextualização da dignidade humana na operacionalização da proporcionalidade.

Segundo Miguel Reale (2002, p. 277-279), há três teorias que buscam equacionar a ponderação prevalente entre valores individuais e sociais, quais sejam: individualismo, transpersonalismo e personalismo.

No individualismo, sustenta-se que a ordem social justa é aquela que resulta da satisfação do bem do indivíduo como indivíduo e considera que essa escolha acaba por beneficiar o coletivo. A função do Estado reduz-se a tutelar juridicamente as liberdades individuais quase exclusivamente.

De outra banda, o transpersonalismo opõe-se à possibilidade de uma harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo. A satisfação do bem coletivo resulta na felicidade individual e deve ele prevalecer. A plenitude da existência humana só se realiza se estiver a serviço do bem social. Refuta essa teoria, portanto, a condição da pessoa humana como bem supremo.

O terceiro posicionamento busca a superação dos dois primeiros. Preconiza que entre os termos indivíduo e sociedade não existe nem a harmonia espontânea que a primeira idealiza, e tampouco a inelutável subordinação que a teoria do transpersonalismo oferece.

A perspectiva personalista, na compreensão do eminente Prof. Miguel Reale (2002, p. 278), apregoa, com razão, que não há possibilidade de pensar em uma combinação harmônica e automática dos egoísmos individuais, mas também reconhece que a satisfação

(32)

daquilo que interessa à sociedade, tomada como um todo, nem sempre representa a satisfação de cada indivíduo, que possui algo de irredutível ao social.

Segue o jurista na previsão mesmo de um conflito de interesses que aqui se centra, vazada nesses termos:

[...] há uma tensão constante entre valores do indivíduo e os valores da sociedade, donde a necessidade permanente de composição entre esses grupos de fatores, de maneira que venha a ser reconhecido o que toca ao todo e o que cabe ao indivíduo em uma ordenação progressivamente capaz de ordenar as duas forças. (REALE, 2002, p. 278)

A inafastável necessidade de composição dos valores da liberdade do individuo e da segurança social suscita a máxima da proibição de excesso nas restrições de eventuais direitos, avaliados em um caso concreto. Essa restrição respeita e não pode ir além daquilo que Miguel Reale (2002, p. 279) concebe como irredutível ao social.

Concebe-se o personalismo, pois, como escolha do predomínio do indivíduo ou da sociedade em um contexto de uma realidade histórica, a fim de saber, em cada circunstância, na concreção e fisionomia de cada caso, o que deve ser posto e resolvido em harmonia com a ordem social e o bem de cada indivíduo.

Mas nessa composição, ainda nas palavras de Miguel Reale (2002, p. 279) e o que se quer aqui fixar, brilha um valor dominante. É, pois, "[...] aquela constante axiológica do justo, que é o valor da pessoa humana. O indivíduo deve ceder ao todo, até e enquanto não seja ferido o valor da pessoa, ou seja, a plenitude do homem enquanto homem. Toda vez que se quiser ultrapassar a esfera da personalidade haverá arbítrio".

(33)

2.3 A primazia da dignidade humana como guia de ponderação de

interesses

A adoção, nessa pesquisa, da teoria dos princípios de Robert Alexy e Ronald Dworkin, também concebida por J. J. Gomes Canotilho, confere à dignidade humana um conteúdo não só de uma declaração ético-moral, mas também de uma norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, nessa condição, carregada de eficácia. (D´URSO, 2007, p. 72)

Nessa perspectiva principiológica, como dito alhures, a dignidade humana atua como um mandado de otimização, ordenando a proteção e a promoção da dignidade da pessoa, que deve ser realizado na maior medida possível, observando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes.

O comando de otimização da dignidade humana desfruta, todavia, frente aos demais princípios que compõe a Constituição Federal, de posição mais privilegiada. E isso se dá em função de dois aspectos: (1) sob um ponto de vista jusfilosófico, arraigado na democracia, esse valor é tido como mais fundamental; (2) sob o aspecto jurídico, levando em conta a realidade brasileira a partir da Constituição de 1988, "[...] a dignidade da pessoa humana tornou-se o princípio fundante da ordem jurídica e a finalidade principal do Estado com todas as conseqüências hermenêuticas que esse status jurídico confere ao princípio". (BARCELOS, 2002, p. 248-249)

Nesse sentido, conclui Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 61) que:

[...] o princípio da dignidade humana comporta uma função instrumental integradora e hermenêutica [...] na medida em que serve de parâmetro para a aplicação, interpretação e integração não apenas de direitos fundamentais e demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico.

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E, quando se fala em colisão de princípios constitucionais, verifica-se, sob a conceituação de Alexy que, nesse enfrentamento, devem ser estabelecidas condições de precedência condicionada consideradas em razão do peso, sendo que, prima facie, a dignidade deve ser o guia preponderante dos interesses em conflito, conforme se analisará a seguir.

A função da dignidade da pessoa humana de maior relevo para os fins deste trabalho é o seu reconhecimento como guia na ponderação de interesses nas hipóteses de conflitos de direitos fundamentais, como já salientado no capítulo anterior.

Como visto anteriormente, os direitos fundamentais não são absolutos, mas limitam-se reciprocamente diante de um juízo de valoração e de ponderação. Sendo a dignidade humana a condensação da idéia primordial dos direitos fundamentais, pode ocorrer que, em um caso concreto, um direito fundamental tenha que ceder espaço para a afirmação de outro. Contudo, o critério para a fixação da relação de precedência entre os princípios em colisão deve ser guiado pela afirmação última da dignidade humana. (SARMENTO, 2000, p. 73)

É necessário realizar, no entanto, uma distinção sobre o conteúdo da dignidade humana que irá orientar a ponderação de interesses: dignidade humana individualista e dignidade humana personalista.

A dignidade humana, em sentido meramente individual, é um princípio que possui valor prevalente no sistema de direitos fundamentais; entretanto, não possui um valor absoluto.

É possível que a dignidade de uma pessoa específica, diante de um contrapeso de outros princípios extremamente relevantes, venha a ser mitigada na ponderação de interesses do caso concreto.

É o que ocorre, por exemplo, quando se impõe uma pena privativa de liberdade a quem cometeu um ilícito penal: a dignidade da pessoa individual (em seu núcleo mais

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