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PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

2.1 Do estudo teórico

Como já foi salientado no capítulo anterior, abordamos no estudo teórico questões relativas à narração, argumentação e escrita infantil, assumimos como teoria de base a linguística textual, recorrendo também à semântica argumentativa. O quadro teórico foi dividido em duas partes, que contemplaram discussões que permeiam a nossa temática. Inicialmente, na parte I, abordamos as noções de texto, narração e argumentação. Assumimos a teoria da superestrutura da narrativa de Travaglia (1991), para olharmos os textos predominantemente narrativos, evidenciando que em toda produção textual existe um cruzamento de diferentes tipos textuais. Em sequência, conceituamos argumentação, adotando a concepção ducrotiana da teoria da argumentação na língua. A noção de texto foi discutida na perspectiva da linguística textual. Para tanto, fez-se necessário considerar a conceituação de coesão textual (coesão referencial e sequencial) e coerência textual. A primeira parte do capítulo teórico, portanto, finalizou com o delineamento das categorias de análise do corpus. Selecionamos como indicadores das marcas argumentativas os tempos verbais e os operadores argumentativos. Os marcadores de pressuposição e os indicadores atitudinais, índices de avaliação e de domínio foram considerados, mas na análise dos dados, eles surgiram quando tratamos dos efeitos argumentativos provocados pelo uso de certos operadores.

A parte II, do capítulo I, discutiu sobre a escrita infantil, refletindo sobre a aquisição e escolarização da linguagem escrita. Os pressupostos teóricos

evidenciados foram ilustrados com alguns textos do corpus, e outros, a que tivemos acesso durante a pesquisa. Vale frisar que a escrita foi a competência escolhida, pois muitos estudos já consideraram a argumentação no discurso oral.

Além das bibliografias que compuseram o panorama teórico descrito até aqui, outras referências foram consultadas para gerar as discussões a que nos propomos. Essas obras32 não estão diretamente citadas no corpo do trabalho, porém, foram importantes para constituição da pesquisa.

2.2 O corpus e os sujeitos escritores

Nosso corpus foi composto por 40 textos narrativos escritos por crianças na fase inicial da escrita (em anexo). Analisando essas produções escritas refletiremos sobre o tipo narrativo e as marcas argumentativas. E, quem são os produtores/escritores dos textos analisados?

São crianças dos 6 aos 9 anos. Cursam do 1° ao 3° ano do Ensino Fundamental, em escolas da rede pública. São diferentes crianças que produziram diversos textos durante o ano de 2011.

As crianças pesquisadas estão na fase inicial da construção da escrita, apoderando-se da estrutura do texto. No geral, são crianças de classe média baixa, cujas famílias têm baixo nível de escolaridade33. Os professores que nos cederam os textos apontam-nos que muitas dessas crianças não têm um ambiente letrado em casa, pois a escrita e a leitura são subvalorizadas. A escola fica próxima a uma usina de cana de açúcar e grande parte dos pais são trabalhadores dessa empresa.

E, como conseguimos ter acesso aos textos das crianças?

Os textos, que deram origem ao corpus, chegaram às nossas mãos, através de 6 professores, que além de nos fornecerem as produções textuais, nos explicaram a proposta de trabalho realizada com as crianças.

Vale lembrar: não propomos indícios argumentativos porque em nível textual cremos que existem marcas que dão elementos de manutenção da argumentatividade no texto. Desta forma, produzir um texto é escolher palavras para compor, categoricamente, um período sintático repleto de significados e ideologias. Uma vírgula, um adjetivo, um artigo, um verbo, dentre outros elementos, não estão na composição frasal por mero acaso.

2.3 Da análise dos dados

A análise de dados teve um caráter descritivo-interpretativista, pelo fato de que descrevemos e analisamos o corpus em categorias (Cf. item 1.4, do capítulo I), apoiados nos pressupostos teóricos já explicitados no capítulo anterior. Não nos atentamos, nas análises, em levantar discussões acerca: 1) das questões ortográficas na escrita da criança34; 2) das intervenções que os professores fizeram nos textos35. Não que esses debates não sejam pertinentes, mas nosso interesse se pauta em pesquisar a construção argumentativa dos textos infantis, do tipo narrativo. Nesse sentido, nossa análise de dados foi direcionada, observando também, os pressupostos metodológicos que Bakhtin/Volochínov explicitam ao se referir ao estudo dos signos ideológicos. Vejamos:

34 Algumas destas questões já foram brevemente abordadas no capítulo anterior, na

segunda parte.

35 Alguns textos que recebemos dos professores estão com correções. Claro que, essas

intervenções nos textos poderiam dar ocasião para um longo debate, mas este não é o tema deste trabalho.

1) “Não separar a ideologia36 da realidade material do signo (colocando-a no campo da “consciência” ou em qualquer outra esfera fugidia e indefinível). 2) Não dissociar o signo das formas concretas da comunicação social

(entendendo-se que o signo faz parte de um sistema de comunicação social organizado e que não tem existência fora desse sistema, a não ser como objeto físico).

3) Não dissociar a comunicação e suas formas de sua base material (infra- estrutura)” (1988, p. 44).

Portanto, foi considerado para análise o contexto de produção (ambiente escolar), entendendo a narrativa como uma parte (tipo textual) da comunicação humana, capaz de expressar os valores e crenças do sujeito.

Como suporte para condução das análises, a proposta de Nølke (1993) é a que melhor, a nosso ver, se enquadrou para este estudo. O autor delineia dois níveis nos estudos da argumentação: o micro (palavras e itens lexicais) e o macro (discurso – texto). Segundo Pistori e Banks-Leite (2010) a distinção entre esses dois níveis podem ser assim elucidadas:

Entendemos ainda que se podem distinguir, grosso modo, dois níveis de análise entre os diversos teóricos que buscam delimitar o campo (cf. Nølke, 1993): O nível macro, em termos estruturais e funcionais, levando-se em conta as intenções do locutor e/ou intencionalidade textual e os diversos aspectos da situação comunicativa; e o nível micro, no qual se objetiva verificar o papel do material linguístico na gênese da argumentação, com as consequências, para a macro-estrutura, da escolha particular de um conectivo, uma palavra, de um tipo de enunciado, etc. (Pistori e Banks-Leite, 2010, p. 131)

Nølke (1993) ainda nota que muitos estudos se enquadram em uma abordagem do nível macro, perdendo de vista o nível micro. Seu estudo tem como base o material linguístico para origem da argumentação. Porém, este nosso trabalho enxerga o nível macro, a partir de sua relação com o micro, e vice-versa. Segundo Banks-Leite, “na verdade, esses dois níveis estão intrinsecamente relacionados, sendo que um influencia o outro, uma vez que o que acontece no “micro” tem uma repercussão, orienta o “macro” e provoca efeitos de sentido no discurso como um todo” (2011, p. 109).

Portanto, observamos questões ligadas ao nível micro, ou seja, como a combinação das palavras e itens lexicais conjugam uma face argumentativa do texto, sem perder de vista o que isto provoca na relação com todo o texto (macro).

No que concerne à apreciação do nível microargumentativo, a análise do corpus foi ancorada nos aspectos quanti-qualitativos, verificando a ocorrência e frequência dos tempos verbais (dos mundos comentado e narrado) e operadores argumentativos, organizando tabelas elucidativas. Os dados tabulados foram analisados em consonância aos aportes teóricos que norteiam esta dissertação.

A macroestrutura da argumentação foi observada a partir da análise do texto narrativo escrito em dois estilos textuais37: as narrativas em/com diálogos e as narrativas de relatos pessoais.

37 Estilo, aqui, é compreendido a partir dos pressupostos de Ducrot e Todorov: “Definiremos

o estilo de preferência como a escolha que todo texto deve operar entre um certo número de disponibilidades contidas na língua O estilo assim compreendido é equivalente aos registros de língua, a seus subcódigos; é a que se referem expressões como “estilo figurado”, “discurso emotivo” etc. e a descrição estilística de um enunciado é apenas a descrição de todas as suas propriedades verbais” (Ducrot e Todorov, 1977, p. 287-288).