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Além dos autores acima apresentados, o desenvolvimento dessa pesquisa foi orientado por diversos pressupostos originados das primeiras análises do material coletado a respeito da IURD. A relevância desses pressupostos está especificamente na apresentação de aspectos que mereceram destaque pelo fato de explicitarem alguns aspectos pertinentes à pesquisa.

O primeiro pressuposto a ser destacado é relacionado ao equilíbrio entre centralização de comando e autonomia na IURD. Fica claro que, muito embora Edir Macedo seja uma liderança inquestionável quanto aos rumos da IURD, por outro lado o controle exercido sobre os cultos é muito tênue. Com isso, os pastores têm autonomia para propor ofertas especiais à igreja, selecionar trechos bíblicos para a pregação, desenvolver linhas de argumentação que algumas vezes são contraditórias com a própria doutrina divulgada por meio dos livros da editora. Para que seja possível avaliar a extensão dessa autonomia, delimitamos inicialmente os eixos “arrecadação” e “eventos especiais da IURD31” como os únicos pontos nos quais se evidencia algum tipo de controle centralizado. Aqui se utiliza o termo “arrecadação”, e não “formas de coleta” porque os pastores demonstram autonomia para propor ofertas com finalidades diversas. Embora as práticas com menor nível de controle sejam os cultos, as transmissões de rádio e televisão também gozam de razoável autonomia.

Se, por um lado, essa autonomia pode representar um risco para a credibilidade da igreja, por outro é coerente com a proposta de formação dos seus pastores, conforme pode ser evidenciado em seu site oficial:

Para a Igreja Universal do Reino de Deus não é preciso estudar cinco anos de Teologia para falar do que o amor, a misericórdia e o poder de Jesus podem fazer na vida dos que O aceitam como Salvador. A IURD prega uma fé prática, ativa e dinâmica. Seus pastores são orientados a levar

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Eventos especiais: manifestações públicas, eventos específicos realizados na Catedral Mundial, tais como a ceia – realizada quinzenalmente – e encontros diversos.

o povo a vivê-la, não buscando apenas sabedoria. Quem determina o chamado para a obra é o Espírito Santo, de acordo com o caráter, a fé e a disponibilidade do candidato. (IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE

DEUS, 02/01/2006).

Além disso, o fato de que o pastor ou bispo tem autonomia de ação realiza admite a possibilidade de que estes sejam censurados, punidos ou mesmo expulsos da IURD, uma vez que sua conduta seja um empecilho à igreja. Após o episódio do “chute da santa”, o bispo Von Helde foi severamente punido. O bispo Carlos Rodrigues, envolvido em denúncias de corrupção na Loteria do Estado do Rio de Janeiro, foi rapidamente expulso da IURD, mesmo após anos de dedicação à causa religiosa e à causa política. Da mesma forma, diversos outros membros da igreja foram transferidos ou expulsos, inclusive havendo repreensão pública quando necessário, a fim de demonstrar que o religioso agira “como homem”, não como membro da igreja.

A questão das punições internas, e da discrição quanto a qualquer tipo de punição amparada em instâncias externas – acionamento na justiça, por exemplo – revela outro traço que suspeitamos ser bem evidente na IURD: o insulamento em relação ao mundo exterior. A IURD desenvolveu uma forma de justiça própria, onde a punição máxima é a expulsão do religioso. Além disso, exorta os seus fiéis a serem discretos em relação às falhas dos obreiros, pastores e bispos, numa sutil imposição de um pacto de silêncio. Os trechos abaixo transcritos são emblemáticos dessa questão:

O líder espiritual da comunidade representa o próprio Jesus e, por isso mesmo, todas as suas falhas, defeitos ou erros jamais devem ser evidenciados... Temos visto muitas pessoas abandonarem a fé cristã por tomarem conhecimento de faltas ou de pecados de irmãos e pastores, que num momento de fraqueza cometeram sérios delitos... A única pessoa interessada em nos envergonhar diante de Deus e do mundo é o próprio Satanás. Devemos unir forças e procurar encobrir as faltas dos nossos semelhantes, mas em especial dos nossos irmãos de fé, para que o diabo não consiga nenhuma vitória através dos seguidores do Senhor Jesus Cristo... Se o irmão ou pastor em falta permanecer no anonimato, certamente o Espírito Santo Se encarregará de consertar todas as coisas. Deus não permitirá que o Seu filho (...) venha a ser motivo de tropeço para os demais filhos. Falará ao seu coração e provavelmente pela Sua Santa Palavra, que penetra de

maneira muito eficaz, dispensando a ajuda de terceiros. (MACEDO, 2003,

pp. 54-57)

O insulamento é necessário devido à Guerra Espiritual travada pela IURD contra Satanás. O entendimento até o presente momento é que essa temática é oportunamente utilizada pela igreja, principalmente nos cultos de terça – noite do descarrego – e de sexta – noite da libertação –, a fim de manter o fiel com a constante preocupação de não se afastar da igreja, sob pena de ser capturado pelos demônios e sofrer a danação eterna. O clima de constante guerra reflete positivamente nas mobilizações públicas e nas votações eleitorais dos candidatos apoiados pela igreja, numa eficaz aplicação de uma técnica de condução de massas.

Ao mesmo tempo em que a IURD se caracteriza pela capacidade de movimentação de grande número de pessoas, o movimento é essencialmente individualista. Nos cultos e nos documentos consultados numa primeira exploração do objeto da pesquisa, ficou evidente que não há exortações à integração, à caridade, à solidariedade. Nos cultos, inclusive, só foi identificado um momento específico nos quais o fiel toma consciência da presença dos outros fiéis, que é a formação das correntes de oração, quando todos os presentes dão as mãos. Também há atividades coletivas voltadas para os jovens e as crianças, mas são externas ao culto. Analisando os fundamentos da Teologia da Prosperidade, é possível encontrar certo sentido nisso: uma vez que a riqueza material é sinal da bênção de Deus sobre determinada pessoa, a partilha dos bens pessoais com um terceiro poderia dar a impressão errada de que aquele que compartilhou é menos abençoado do que de fato é e de aquele que recebeu a doação é mais abençoado do que deveria. Sendo assim, a IURD assumiria o papel de verdadeira “mediadora” das bênçãos materiais que precisassem de uma redistribuição.

Da mesma forma, a “enxurrada” de casos de superação que a IURD divulga em seus programas de rádio e televisão demonstra, segundo alegam, o fortalecimento na fé de pessoas que hoje são vencedoras. Por uma questão de simples comparação, se alguém está na igreja há dois anos e já alcançou o sucesso material, a cura de diversas doenças, o fortalecimento do casamento e outras vitórias enquanto um outro fiel, que é membro da igreja há cinco anos, não obteve os mesmos êxitos, a causa da estagnação está na fé desse membro, de modo que ele se sente impelido a freqüentar os cultos com mais afinco, orar com mais intensidade, ser mais ousado nas atividades profissionais. O eventual sucesso em suas investidas resulta na obtenção de mais um caso de “fortalecimento na fé”, que pode vir a ser utilizado pela IURD

para dar exemplo a outros, e assim sucessivamente. Para aqueles que ainda fracassam na fé, há uma explicação:

A falta de qualidade da fé é justamente a razão pela qual a maioria dos religiosos não obtêm bons resultados práticos, mesmo tendo fé em Deus. A vida depende da fé, mas se a fé é desqualificada, a vida também será desqualificada. (MACEDO (2002), p. 7)