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Pressupostos políticos adotados pelo governo Fernando Henrique

2.3. A avaliação da educação superior no contexto das políticas para este

4.1.1. Pressupostos políticos adotados pelo governo Fernando Henrique

Inicia-se no Brasil nos anos 1980, contudo de maneira assistemática, a implementação de políticas de cunho neoliberal. Na década de 1990, especialmente com os Governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, assiste-se a um denso processo de desmonte do aparato científico e tecnológico arquitetado ao longo dos anos de desenvolvimentismo em consonância com a estratégia político-econômica de substituição de importações (NEVES e FERNANDES, 2002), bem como da estrutura do Estado, que paulatinamente vai sendo desresponsabilizado da execução das políticas sociais para a reprodução da força de trabalho.

O problema da Reforma do Estado representa preocupação central do plano de governo de Fernando Henrique Cardoso para os anos 1995 a 1998. Neste admite-se que

A crise brasileira é também uma crise do Estado. Sua solução envolve, necessariamente, uma corajosa reforma administrativa e a redefinição do papel constitucional do Estado na sociedade, do campo de atuação do setor público em seus três níveis – federal, estadual e municipal – e das formas de financiamento do governo.

O Estado perdeu a capacidade de investir e, por isso, deixou de promover o desenvolvimento, a justiça e o bem-estar. A deterioração dos serviços de segurança, educação e saúde é a face mais evidente da falência do Estado (...)

É preciso criar as condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais. Isso significa assegurar a governabilidade e, sobretudo, tornar mais eficaz e responsável a prestação de serviços que a população requer nos campos da saúde, previdência, educação e segurança. É preciso, além disso, redefinir áreas de atuação do

Estado, para melhor alocação de recursos orçamentários e maior aproveitamento da capacidade de investimento.

Para otimizar a aplicação de recursos é fundamental, ainda, determinar claramente as competências e responsabilidades das três esferas de governo: União, estados e municípios.

(...) A descentralização permite maior eficácia e controle social das ações governamentais, diretriz que permeia as propostas deste programa de Governo nas diferentes áreas de atuação.

Estes são os objetivos das reformas administrativa e fiscal, da redefinição das competências federativas, do estabelecimento de novas formas de parceria com o setor privado e de um programa reformulado de privatizações, cujo conjunto constitui o núcleo da reforma do Estado que será realizada pelo Governo Fernando Henrique. (CARDOSO, 1994, p.185-6)

Em conformidade com a postura assumida no período anterior à eleição, a Reforma de Estado constitui-se como assunto primordial da pauta deste governo, de modo que, a partir de 1995, a então Secretaria da Administração Federal é alterada para Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE).

A reforma do Estado, entretanto, só se tornou um tema central no Brasil em 1995, após a eleição e a posse de Fernando Henrique Cardoso. Nesse ano, ficou claro para a sociedade brasileira que essa reforma torna-se condição, de um lado, da consolidação do ajuste fiscal do estado brasileiro e, de outro, da existência no país de um serviço público moderno, profissional, voltado para o atendimento dos cidadãos. (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 269)

O então presidente, Fernando Henrique Cardoso, justifica aos brasileiros a importância da realização da reforma do Estado argumentando que

A crise brasileira da última década foi também uma crise do Estado. Em razão do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além da gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre, em particular, a parcela menos favorecida da população, o agravamento da crise fiscal e, por conseqüência, da inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento sustentado da economia. Somente assim será possível promover a correção das desigualdades sociais e regionais. (CARDOSO, 1995, p. 6)

Segundo a ótica assumida pelo governo, a crise de Estado constitui-se em uma “tripla” crise, composta por uma crise fiscal, uma crise do modo de intervenção da economia e do social e uma crise do aparelho do Estado.

A crise do Estado define-se então (1) como uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa; (2) o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no terceiro mundo, e o estatismo nos países comunistas; e (3) a superação

da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática.

(MARE, 1995, p. 10-11)

O desígnio do governo é transformar a administração pública existente até então, compreendida como burocrática em uma administração gerencial, mais afinada aos processos de globalização e, portanto, adequada aos interesses deste grupo político no momento histórico:

É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna

“cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado. [sem grifos no original] (CARDOSO, 1995, p. 7)

A adoção do paradigma empresarial pela esfera pública é veementemente defendida e fica evidente na fala do senhor presidente. A descentralização no que concerne ao “fazer” e o controle dos “produtos” representam a tônica do discurso, além da ênfase na eficiência. Traz também uma concepção de cidadania específica, afinada à visão de mundo neoliberal: o conceito de cidadão tem como significado restrito o de cliente ou, noutras palavras, cidadão é aquele que compra (ou pode comprar) os produtos e serviços oferecidos no mercado62.

Para tornar a administração pública mais eficiente,

são inadiáveis: (1) o ajustamento fiscal duradouro; (2) reformas econômicas orientadas para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional;

(3) a reforma de previdência social; (4) a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais;

e (5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua “governança”, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. (MARE, 1995, p. 11)

62 Dourado (2002) alerta para o fato de que

No caso brasileiro, demarcado historicamente por um Estado patrimonial as arenas tradicionais do poder político sofrem alguns ajustes na direção da mercantilização das condições societais, agravando ainda mais o horizonte das conquistas sociais, ao transformar direitos em bens, subjugando o seu usufruto ao poder de compra do usuário, mercantilizando as lutas em prol da cidadania pelo culto às leis do mercado. Esse mote político e econômico, no caso brasileiro, implicou na última década uma maior concentração de riquezas, incremento da corrupção, privatização da esfera pública e, conseqüentemente, o alargamento das injustiças sociais e a diversificação e intensificação dos processos de exclusão social.

(op. cit., p.237)

Ao MARE, entretanto, cabe implementar mediadas para a realização “da reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua ‘governança’”. O projeto de reforma do aparelho do Estado proposto pelo MARE, nesta direção, recomenda nitidamente quais as atividades de que o Estado deve incumbir-se diretamente, quais as que deve apenas coordenar e/ou supervisionar e, finalmente, quais as que deve entregar à iniciativa privada. Para tanto, delineia a existência de quatro setores no interior do Estado:

1) O núcleo estratégico do Estado, ao qual compete a definição de leis e políticas públicas, bem como a exigência e cobrança de sua execução – formado pelo Ministério Público (Poderes Legislativo e Judiciário) e pelo Presidente da República, ministros e seus auxiliares diretos (Poder Executivo);

2) As atividades exclusivas do Estado, que abrangem os serviços em que se exerce o poder estatal de regulamentação, fiscalização, fomento (dentre elas constam o subsídio à educação e previdência social básicas);

3) Os serviços não-exclusivos ou competitivos que diz respeito ao campo em que o Estado age concomitantemente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. (O Estado participa deste setor pois os serviços desenvolvidos neste envolvem direitos humanos fundamentais, como a educação e a saúde);

4) A produção de bens e serviços para o mercado, que corresponde ao espaço de ação das empresas estatais (que tendem a posterior privatização).

A proposta do MARE evidentemente caminha na direção de “enxugamento”

do Estado na medida em que aposta na parceria “Estado-sociedade”63 para o desenvolvimento e controle dos serviços sociais. O significado último desta consiste em proporcionar que a administração pública se torne mais flexível, eficiente e produtiva, pela garantia de “melhor qualidade” do serviço público, particularmente aos serviços sociais do Estado, via redução de seu custo e “motivação” dos servidores.

63 Vale destacar que o termo “sociedade” assume grande plasticidade nos textos legais: hora é entendido enquanto sociedade civil, hora enquanto “organizações não-governamentais” e até mesmo dá margem para seu entendimento enquanto iniciativa privada.

reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização dos processos de privatização de empresas estatais. Neste plano, entretanto, salientaremos um outro processo tão importante quanto, e que no entretanto [sic!] não está claro: a descentralizção para o setor público não estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos a esse processo de “publicização”.

Finalmente, através de um programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu funcionamento e controle.

Deste modo o Estado reduz seu papel de executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se entretanto no papel de regulador e provedor ou promotor destes, principalmente dos serviços sociais como educação e saúde, que são essenciais para o desenvolvimento, na medida em que envolvem investimento em capital humano; para a democracia, na medida em que promovem cidadãos; e para uma distribuição de renda mais justa, que o mercado é incapaz de garantir, dada a oferta muito superior à demanda de mão-de-obra não-especializada. Como promotor desses serviços o Estado continuará a subsidiá-los, buscando, ao mesmo tempo, o controle social direto e a participação da comunidade. [sem grifos no original] (MARE, 1995, p. 12-13)

Enquanto estratégia para a publicização dos serviços públicos [sic!]64, por meio da modernização (ou aumento da eficiência da administração pública), mostra-se primordial o fortalecimento da administração pública direta (ou mostra-seja, do núcleo estratégico do Estado) e a descentralização da administração pública com a fundação de agências executivas e de organizações sociais circunspetas por intermédio de contratos de gestão.

4.1.2. Pressupostos políticos presentes nas propostas de Governo de