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Pressupostos sociolinguísticos aplicados ao ensino de Língua Portuguesa

3- REVISÃO TEÓRICA

3.3 Pressupostos sociolinguísticos aplicados ao ensino de Língua Portuguesa

Nesta subseção, evidenciaremos a importância do ensino de Língua Portuguesa atrelado às questões sociais da língua, permitindo e incentivando a construção de uma reflexão acerca da língua em uso, abarcando sua heterogeneidade e ampliando o conhecimento e, consequentemente, a competência linguística do aluno. Para isso, consideramos, assim como os PCN, que o ensino-aprendizagem da língua deve capacitar o aluno para que ele perceba as variedades que há na língua em uso ―reconhecendo os valores sociais nelas implicados e, consequentemente, o preconceito contra as formas populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos‖ (BRASIL,1998, p. 52, destaque nosso).

Há uma frase atribuída a Albert Einsten dizendo que ―Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes‖. A educação brasileira tem vivido essa insanidade quando quer resultados diferentes, mas continua com as mesmas ações, baseadas em um ensino tradicional que, geralmente, priorizam a língua escrita realizada em uma norma tão distante da maioria dos falantes, com atividades baseadas em mera reprodução de conteúdos com regras gramaticais pré-determinadas nos manuais didáticos e baseadas em um aluno ideal que pouco tem a ver com nossos alunos reais e com a heterogeneidade de nossa língua.

Na esteira dessa discussão, não podemos deixar de trazer à tona as contribuições da Sociolinguística ao ensino de Língua Portuguesa, uma vez que essa subárea dos estudos linguísticos, estuda justamente a relação que há entre a língua e a sociedade, na maneira como a língua é usada, bem como nos efeitos decorrentes do seu uso. Dentro dessa perspectiva, podemos dizer que o objeto de estudo da Sociolinguística é a língua em uso, assim como nas palavras de Marine e Barbosa (2016, p.188) ―a Sociolinguística encara a diversidade linguística não como um problema, mas como uma característica constitutiva da própria língua‖, considerando que uma língua em uso é dinâmica e, portanto, está sujeita às variações em seus diferentes níveis: fonológico, lexical, morfológico, semântico, sintático etc.‖.

No âmbito das contribuições da Sociolinguística ao ensino de Língua Portuguesa, surge a Sociolinguística Educacional, cuja grande preocupação é contribuir para a melhoria da qualidade do ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica, por meio da implantação de uma Pedagogia da Variação Linguística28 que incorpore ao ensino de Português, as mais diversas variedades linguísticas trazidas pelos alunos, na sala de aula. Sob tal perspectiva, o ensino da língua materna na escola precisa considerar essa língua real que é essencial na vida dos seus falantes.

Muitas pesquisas sobre fenômenos de variação e mudança linguísticas no Português Brasileiro têm sido desenvolvidas há muitos anos e tais pesquisas podem auxiliar e muito no estudo da Língua Portuguesa em sala de aula; podendo servir como um suporte para um ensino mais produtivo e que contribua, de fato, para o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos. Tudo isso vem sendo bastante discutido por pesquisadores e especialistas da área, especialmente dentro da Sociolinguística Educacional, contudo, o ensino de Língua Portuguesa ainda carece de melhorias que incorporem os resultados de tais discussões e pesquisas na prática da sala de aula, em situação real de ensino-aprendizagem.

Muitas vezes, vimos que a conscientização dos professores sobre os problemas envolvendo a prática de um ensino arcaico, não tem significado mudanças efetivas em sua rotina pedagógica. Muitos tentam inovar, mas ao longo da trajetória, acabam voltando ao ensino tradicional, às avaliações que não incluem o aluno no processo, fazendo-o refletir sobre sua aprendizagem. A insegurança dos docentes para modificar suas aulas, bem como sua avaliação de todo o processo, mesmo diante de uma visão mais ampliada dos fenômenos heterogêneos da língua, demonstra o quanto ainda falta para estabelecer uma relação mais estreita entre a teoria e a prática. E é justamente nessa lacuna que nossa proposta pretende interferir, contribuindo para dirimir a distância no ensino de Língua Portuguesa e a efetiva conscientização sobre a variação linguística, considerando todo o conhecimento linguístico que o aluno traz consigo ao entrar na escola, fazendo-o refletir sobre isso, por meio dos vídeos e discussões no decorrer das atividades.

Temos, entretanto, consciência de que o trabalho com a variação linguística precisa ser sistemático ao longo de todo o processo escolar, a fim de minimizar os conflitos linguísticos que nada mais são do que o reflexo dos conflitos sociais presentes na sociedade e

28 Faraco (2015, p. 9-10) defende a necessidade de um ensino de Língua Portuguesa no Brasil que considere como legítimas todas as variedades linguísticas dos alunos trazidas para o ambiente escolar e que as variedades cultas da língua sejam ensinadas na escola como forma de ampliar a competência comunicativa que tais alunos já possuem.

perpetuado, muitas vezes, no interior da própria escola. A esse respeito é interessante observar o que dizem os PCN:

algumas variedades linguísticas, tratadas de modo preconceituoso e anticientífico, expressa os próprios conflitos existentes no interior da sociedade. Por isso mesmo, o preconceito linguístico, como qualquer outro preconceito, resulta de avaliações subjetivas dos grupos sociais e deve ser combatido com vigor e energia. É importante que o aluno, ao aprender novas formas linguísticas, particularmente a escrita e o padrão de oralidade mais formal orientado pela tradição gramatical, entenda que todas as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da cultura humana. (BRASIL, 1998, p.82, destaque nosso).

As contribuições dos estudos da Sociolinguística e da Sociolinguística Educacional têm levantado discussões muito pertinentes quanto ao atual ensino de Língua Portuguesa no Brasil. Muito se tem divulgado sobre o ensino de língua materna tendo em vista a heterogeneidade linguística. Livros são escritos, dissertações e teses são defendidas, artigos são publicados, demonstrando o quanto o ensino de língua materna tem falhado ao ignorar as variedades linguísticas que os alunos trazem de sua comunidade de fala para a sala de aula, alijando sua realidade com suas necessidades e expectativas. Aos poucos, percebemos que aquele velho provérbio ―Água mole em pedra dura tanto bate até que fura‖ tem surtido efeito em relação à reflexão da língua. E isso é muito bom, pois quanto mais se fala nesse assunto, mais reflexões são geradas e isso acaba alavancando mais profissionais dispostos a colaborar para um ensino-aprendizagem capaz de perceber a língua como um fenômeno heterogêneo e que está em constante variação. E é no interior das salas de aula abarrotadas de alunos querendo ter suas vozes ouvidas, que os professores devem promover discussões que levem os alunos a compreenderem que o papel do ensino em Língua Portuguesa não é ―mais para negar o que já sabem, mas para ampliar sua competência comunicativa, abrindo-lhes caminhos para sua inserção social, construindo a própria autonomia‖ (CYRANKA, 2015, p.51).