• Nenhum resultado encontrado

6.1 Presunção de Legalidade do Ato Administrativo

A presunção de legalidade29 também é questão a ser discutida na repercussão da responsabilidade penal quando invalidado um ato que gozava de presunção de legalidade.

28 Motivo é o pressuposto fático que autoriza ou obriga à prática do ato. Também

não se devem confundir motivo e motivação. A motivação contém enunciação dos motivos e demais pressupostos exigidos legalmente para a prática do ato. ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e Controle do Ato Administrativo. Editora Del Rey. Belo Horizonte: 2005. pág. 55.

29 As presunções legais são comumente classificadas em relativas (júris tantum) e

absolutas (juris et de jure). As primeiras admitem prova em contrário; as últimas, não.

Na verdade, as chamadas presunções absolutas não são presunções, mas simples imputações normativas de certos efeitos a situações especificadas. Exemplificando, o art. 574 do Código Civil determina que: “Se findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado”. A doutrina aponta

Presumir a legalidade do ato administrativo30 significa dizer que aquele ato obedeceu aos requisitos legais para sua expedição,

como presunções absolutas disposições como esta. Nada mais são, no entanto, que preceitos normativos estabelecendo relação de causa e efeito diante de certos fatos.

A verdadeira presunção legal é a relativa, pois admite ser destruída pela prova em sentido contrário. A lei atribui a determinadas situações certas conseqüências, enquanto tais efeitos não são afastados por prova em contrário. ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e Controle do Ato Administrativo. Editora Del Rey. Belo Horizonte: 2005. pág. 43/44.

30 Florivaldo Dutra de Araújo sobre o tema critica a posição da doutrina, vejamos:

Quanto ao regime das presunções no direito administrativo, afirma-se que os atos administrativos gozam do atributo geral de serem presumidos conforme à ordem jurídica, até prova em contrário. Possuem, portanto, a presunção juris tantum, de legalidade, segundo ensinamento uníssono e secular da doutrina.

Tal assertiva, sobre ser infirmada pela prática cotidiana, constitui-se em significativo índice do quanto ainda impregnam os estudos de Direito Administrativo certas ideológicas autoritárias.

A fundamentação desse consagrado “atributo do ato administrativo”, à falta de dispositivo legal afirmativo da presunção em caráter geral, calca-se em variadas ideais de autor para autor. Não resistem, porém, a mais acurado exame do tema. Giuseppino Treves, em alentado estudo monográfico sobre o assunto, demonstra, desde o início, percalços em seu raciocínio. Parte da idéia da existência de atos nulos e anuláveis, diferenciando-os em que estes produzem conseqüências próprias, incluídos os atos acessórios, são sanáveis e possuem prazo decadencial para declaração de nulidade, enquanto os nulos não produzem as conseqüências a que tendem, são insanáveis e a declaração de sua nulidade pode ser a qualquer tempo obtida (1936, p.30-35).

Para Treves, a consequência de se atribuir presunção legal relativa aos atos administrativos é que estes podem produzir as conseqüências jurídicas próprias do ato legítimo, o que, de ordinário, não ocorre com os atos inexistentes e os nulos. (1936, p.102) Explica Treves que: ...a um ato não podem vir atribuídas as conseqüências jurídicas a ele relativas, se não responde aos requisitos estabelecidos pela lei (...), donde, se o ato administrativo pode produzi-los, isto significa que este é considerado pela lei como possuindo os requisitos por esta mesma requeridos, isto é, legítimo. (1936, p. 83)

Alem de ser impróprio basear a dicotomia atos nulos e anuláveis na produção de efeitos ou não, também os fatores apontados por Treves, para fundamentar a existência da presunção legal relativa, não resistem ao exame da realidade. O fato de a escolha dos agentes públicos ser efetivada mediante procedimentos

no entanto, o ato administrativo em desconformidade com a lei não terá suporte no princípio da legalidade, pois podem ser atos administrativos que serão objeto de contestação judicial ou administrativa.

A questão da presunção de legitimidade do ato administrativo juris tantum ou hominis é debatida com bastante propriedade pelo Professor Florivaldo Dutra de Araújo31, que defende

específicos e de haver controle sobre seus atos não justifica que estes devam, genérica e aprioristicamente, ser presumidos legais até prova em contrário. Pode-se dizer que os funcionários públicos devem cuidar dos interesses coletivos, observando a disciplina que os vincula à lei, tanto quanto devem os particulares não praticar atos contrários à ordem jurídica. Mas não se pode afirmar que aqueles, como estes, assim o fazem, sendo, por isso mesmo, necessária a existência de instrumentos de controle dos atos da Administração. ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e Controle do Ato Administrativo. Editora Del Rey. Belo Horizonte: 2005. pág. 47/48.

31 Se daí inexistir, na verdade, diferenciação entre os atos administrativos e os atos

de direito privado, quanto ao regime das presunções. A presunção legal relativa só existirá quando houver dispositivo de lei consagrando-o. No mais, haverá a presunção hominis, afeta aos atos administrativos tanto quanto aos de direito privado. Presunção legal juris tantum é, por exemplo, a estabelecida para a Certidão de Dívida Ativa da Fazenda Nacional no art. 3° da Lei n° 6.830, de 22.9.1980: A Dívida Ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. Parágrafo único – A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.

Se existisse a presunção legal relativa para todos os atos administrativos, seria obviamente dispensada a sua fixação casuística, tal como no exemplo citado. Além disso, constituir-se-ia em privilégio injustificável no Estado de Direito. Portanto, ao contrário do que afirma, em uníssono, a doutrina administrativista, os atos administrativos possuem, fora as exceções indicadas em leis específicas, a presunção hominis de legalidade, baseada nas circunstâncias aparentes que os envolvem e que são percebidas pelo senso comum, com base no que normalmente ocorre. Essa presunção comum pode, contudo, ser destruída por indícios capazes de deixar transparecer possíveis vícios.

É nisso que se baseia o Judiciário quando, em mandado de segurança, suspende liminarmente os efeitos do ato impugnado. Se a todo ato administrativo fosse atribuída presunção de legalidade “até prova em contrário” (juris tantum), impossível seria a existência desse instituto processual. A liminar não se baseia em provas, mas em indícios, cuja substancialidade é bastante para fazer desaparecer

que presunção hominis de legalidade do ato administrativo, reconhecendo que a doutrina majoritária é no sentido contrário. A Teoria adotada pelo Professor Florivaldo embora seja minoritária, mostra-se prudente e razoável pelos argumentos ali expostos.

a aparência de legitimidade do ato (presunção hominis). ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e Controle do Ato Administrativo. Editora Del Rey. Belo Horizonte: 2005. pág. 51.