• Nenhum resultado encontrado

Tradicionalmente, o modelo de Saúde Pública representa a matriz conceptual donde emergiram as intervenções preventivas [152].

A Promoção da Saúde envolve o desenvolvimento de diferentes actividades, que podem ser sistematizadas em três vertentes de acção inter-relacionadas e complementares:

Educação para a saúde – processo que utiliza a comunicação pedagógica no sentido de facilitar a aprendizagem da saúde;

Prevenção da doença – conjunto de medidas que visa evitar, detectar e tratar precocemente doenças específicas e eventuais sequelas;

Protecção da saúde – conjunto de medidas destinadas ao controlo de factores de risco de natureza ambiental e à preservação dos recursos naturais [153].

É também nestes moldes que se situa o Modelo de Promoção da Saúde de Tannahill, segundo o qual a Prevenção da doença consiste na redução do risco da ocorrência da dimensão negativa da saúde e apresenta áreas de sobreposição, confluência e interligação com a educação para a saúde e com a protecção da saúde [153].

Quanto aos conceitos apresenta-se seguidamente o que de mais importante se pode dizer sobre os mesmos:

A prevenção primária pretende reduzir a incidência de doença na população, enquanto a educação para a saúde primária visa a promoção do comportamento que proporcione bem-estar ou evite a doença;

A prevenção secundária pretende reduzir a prevalência de doença na população, enquanto a educação para a saúde secundária visa a promoção de realização de rastreios equacionados para a detecção de doença em indivíduos assintomáticos, assim como a utilização adequada dos Serviços de Saúde;

A prevenção terciária pretende reduzir a incapacidade provocada pela doença já estabelecida, enquanto a educação para a saúde terciária visa a promoção da adesão à terapêutica, assim como a utilização dos serviços de reabilitação [153].

Assim, os conhecimentos do ponto de vista do trabalho preventivo devem ser direccionados para acções que reduzam as probabilidades de um indivíduo usar inadequadamente uma substância, nomeadamente o álcool (prevenção primária), que reduzam o consumo nocivo e dependência de substâncias, como é o caso das detecções oportunísticas seguidas de

Intervenções Breves (prevenção secundária) e que mantenham o indivíduo abstinente a longo prazo e a reinserção (prevenção terciária).

Na actual relação médico-doente, os cuidados prestados são muito mais num sentido activo, com necessidade de aposta numa prática de uma Medicina Preventiva efectiva.

A educação para a saúde e a prevenção da doença, ao nível da especialidade de Medicina Geral e Familiar, podem ser feitas segundo duas abordagens ou estratégias diferentes: uma abordagem comunitária ou estratégia populacional, menos personalizada, dirigida às populações, mais institucional, ao nível dos Centros de Saúde e outras organizações comunitárias e uma abordagem familiar ou estratégia individual e personalizada dirigida aos indivíduos e às suas famílias, ao nível da relação médico/utente, ou seja, a nível da consulta. Embora a generalidade dos autores refira que a consulta é uma aptidão comum às diferentes formas de exercício da profissão médica, em Medicina Geral e Familiar esse encontro singular entre uma pessoa necessitada de auxílio e um médico que lho pode dar é, seguramente, o seu instrumento privilegiado de trabalho e tem vindo a ser considerado o veículo mais eficaz e mais credível de Educação para a Saúde e de Prevenção da Doença. Para que a consulta seja um meio adequado da relação médico-doente numa perspectiva global é preciso que os médicos estejam conscientes dos factores essenciais da comunicação frente a frente, assim como das diferentes modalidades de comunicação na consulta que constituem a mensagem do doente para o médico e a retro-informação deste para o doente. Por outro lado, também é importante que saibam que, para que a consulta seja um veículo adequado de transmissão de informações, é também necessário que os médicos dominem e executem determinadas técnicas de administração de instruções e de conselhos aos utentes [154].

Nos anos 70, Frame e Carlson efectuaram uma revisão crítica da eficácia das actividades preventivas aplicadas por rotina no exame periódico de saúde e sugeriram que a selecção de actividades preventivas aplicadas no exame periódico de saúde de adultos assintomáticos fosse efectuada de acordo com a eficácia demonstrada e ajustadas especificamente para a idade e sexo dos adultos [155-156].

Esta análise crítica contribuiu para o debate sobre a eficácia de alguns testes que estavam a ser

aplicados, de uma forma generalizada, com intenção preventiva [157].

É neste contexto que surge, em 1976, a Canadian Task Force on the Periodic Health Examination, actualmente denominada Canadian Task Force on Preventive Health Care

(CTFPHC) [159], com o objectivo de avaliar a evidência científica e emitir recomendações sobre as actividades preventivas que deveriam ser implementadas no exame periódico de saúde efectuado a adultos assintomáticos. Com objectivos semelhantes, surgiu, em 1984, a United States Preventive Services Task Force (USPSTF) [160].

O aparecimento destas entidades coincidiu com o surgimento da Medicina Baseada na Evidência (MBE) [158], o que permitiu a adopção de métodos de revisão científica que conduziram à publicação de recomendações de actividades preventivas, de acordo com uma escala baseada em níveis e graus de evidência.

Desde então, as recomendações têm sido actualizadas, adoptadas e adaptadas por vários grupos de trabalho a nível internacional. Desta forma, os clínicos obtiveram um conjunto de ferramentas práticas que os orienta, com base na melhor evidência científica, na selecção das actividades preventivas que devem aplicar aos seus pacientes, o que constituiu um avanço significativo na qualidade do desempenho da Medicina Preventiva.

A implementação das recomendações de actividades preventivas implica sempre a melhor integração de três componentes fundamentais: a evidência resultante da melhor investigação científica, a perícia do clínico e os valores pessoais do paciente, de acordo com as circunstâncias em que o mesmo se encontra. Nestas actividades devem ser tidas em conta recomendações de organizações cientificamente válidas [159-162].

As evidências científicas estão categorizadas em 5 níveis de evidência (I a V) e os graus estão escalonados também em 5 tipos, de A, que significa evidência de boa qualidade que sustenta uma determinada recomendação, até E, que significa evidência contrária a essa determinada recomendação.

Organizações como a US Preventive Service Task Force (USPSTF) [160] colocam especial ênfase na implementação de estratégias e de medidas de desempenho, com aumento dos procedimentos preventivos para as diferentes idades e fases do ciclo de vida.

Quanto ao consumo de álcool, e a título de exemplo, a USPSTF recomenda a realização de questionário de detecção de consumo de álcool a todos os doentes e a intervenção breve para redução do consumo nocivo, sendo a periodicidade recomendada, por alguns, de 3 em 3 anos, e, por outros, anualmente.

Na actual relação médico-utente, os cuidados prestados são muito mais num sentido activo, com necessidade de aposta numa prática de Medicina Preventiva efectiva [159-161].

Embora não haja uma única definição, o termo prevenção, na área do uso de substâncias, diz respeito a qualquer actividade realizada no sentido de reduzir ou adiar o início do consumo nocivo de uma substância e prevenir a progressão para um uso mais pernicioso entre as populações em risco [151].

O Instituto de Medicinanos EUA – American Institute of Medicine [163]– propôs uma nova

classificação para a prevenção com as designações de prevenção universal, selectiva e indicada. Assim, as estratégias de prevenção universal têm como alvo a população geral a nível local, na comunidade ou na escola, e visam prevenir ou adiar o consumo nocivo de qualquer substância. A prevenção selectiva já diz respeito a estratos da população que apresentam determinadas características específicas que os podem colocar em risco como, por exemplo, serem filhos de pais alcoólicos ou terem problemas de natureza social que os leva a abandonar a escola. A prevenção indicada visa prevenir o consumo nocivo ou dependência em indivíduos que já têm um padrão de consumo com alguns sinais e sintomas detectados pelo profissional de saúde numa fase inicial do processo [164].

Repare-se que, nesta perspectiva de encarar a prevenção, pretende reduzir-se o número de novos casos investindo essencialmente na redução dos factores de risco. O consumo nocivo e a dependência têm, na sua origem, interacções complexas de factores biológicos, sociais e psicológicos que variam em função do estádio de desenvolvimento do indivíduo [165].

O médico de família, pela natureza continuada e global dos cuidados que presta, está em condição privilegiada para uma prática preventiva efectiva, sustentada por evidências científicas adequadas.

Na Medicina Geral e Familiar, para além de um trabalho dirigido para a cura e o alívio das doenças, há que ter em conta o papel que deverá ser cada vez mais activo nas áreas de carácter preventivo [166], tendo em conta que:

O médico de família tem acesso a uma população definida e pode identificar com maior facilidade os que estão expostos a factores de risco e a factores protectores, o que constitui um dos aspectos mais importantes de uma acção preventiva;

O médico de família, em média, vê cada doente quatro vezes por ano, o que constitui uma excelente oportunidade para o exercício da medicina preventiva;

Cerca de 65% dos doentes consulta o seu médico de família pelo menos uma vez por ano e 90%, pelo menos, uma vez em cinco anos;

A relação médico-doente que existe em Medicina Geral e Familiar é um dos factores mais influentes na adesão às actividades preventivas. O médico de família é conhecedor das crenças de saúde dos seus doentes, o que permite dirigir a informação mais facilmente assimilável sobre determinados conteúdos;

O médico de família pode gerir melhor as actividades preventivas, combinando-as com o diagnóstico e o tratamento.

De entre os procedimentos preventivos utilizados pelo médico de família contam-se a detecção oportunística de casos e os rastreios – rastreio é uma intervenção (questionário, exame ou teste) realizada em grandes populações para detectar precocemente factores de risco ou doença, previamente desconhecidos, sem sinais ou sintomas, com o objectivo de tratar essa doença ou modificar os seus factores de risco, conduzindo a um melhor prognóstico. A detecção oportunística de casos (case-finding) é, tal como o rastreio, uma actividade de prevenção destinada à detecção precoce de uma doença ou factores de risco para essa doença, previamente desconhecidos, realizada no decorrer de uma consulta por qualquer outro motivo, com o objectivo de modificar/tratar o mais precocemente possível os factores de risco/doença, visando um melhor prognóstico. Ao contrário do que acontece nos rastreios, o case-finding pode privilegiar os doentes com elevado risco para essa doença ou grupos com necessidades especiais de saúde.

Estes procedimentos só devem ser realizados se cumprirem os princípios fundamentais que devem estar subjacentes a qualquer rastreio [166], nomeadamente:

Deverá ser um problema de saúde importante e preocupante, quer em termos de prevalência quer pelos seus efeitos negativos na morbimortalidade e na qualidade de vida;

A história natural do problema deve ser bem conhecida;

A doença em questão deve ter uma fase de latência ou pré-sintomática, relativamente prolongada antes dos sintomas e sinais se desenvolverem;

O teste de rastreio a aplicar deve ser aceitável, designadamente em termos de validade, morbilidade, riscos e custos;

Para os casos de doença confirmada deverá existir um tratamento aceitável em termos de efectividade, devendo a sua monitorização e acompanhamento estar devidamente assegurados;

A doença, detectada na fase pré-sintomática e tratada adequadamente, deve ter um resultado significativamente melhor em termos de redução da morbimortalidade e da melhoria da qualidade de vida do que se for tratada só quando tiver expressão clínica.

A opção de não rastrear, esperando a manifestação de sintomas ou a iniciativa do indivíduo na busca de cuidados, denomina-se abordagem reactiva por oposição a uma abordagem proactiva, em que o profissional de saúde antecipa a possibilidade de doença e é o iniciador do trabalho em conjunto com os seus doentes na exclusão ou confirmação e tratamento de doença [167].