1 INTRODUÇÃO
O câncer de mama é o que mais acomete mulheres em todo o mundo, constituindo a maior
causa de morte por câncer nos países em desenvolvimento. No Brasil, é o segundo tipo mais incidente
na população feminina.
1O País ainda apresenta falhas na abordagem dessa importante morbidade
e seu diagnóstico e tratamento muitas vezes não são realizados em tempo oportuno, gerando menor
sobrevida (em cinco anos) das pessoas diagnosticadas, em comparação com países desenvolvidos
(50%-60% contra 85%).
2Rastreamento é a realização de testes ou exames diagnósticos em populações ou pessoas
assintomáticas, com a finalidade de diagnóstico precoce, para reduzir a morbidade e mortalidade da
doença, agravo ou risco rastreado, ou seja, viabiliza a identificação de indivíduos que têm a doença, mas
que ainda não apresentam sintomas.
3Por sua vez, a propedêutica realizada em indivíduos sintomáticos
é chamada investigação e tem por objetivo estabelecer diagnóstico. Apesar de lançarem mão de exames
e procedimentos semelhantes em diferentes momentos, não devem ser confundidas entre si.
No Brasil, a estratégia preconizada para o rastreamento de câncer de mama é a mamografia a
cada dois anos para mulheres entre 50 e 69 anos.
4O autoexame das mamas, que foi muito estimulado
no passado, não provou ser benéfico para a detecção precoce de tumores e por trazer falsa segurança,
dúvida e excesso de exames invasivos.
5Portanto, não deve ser orientado para o reconhecimento de
lesões
6,7embora possa ser recomendado para que a mulher tenha conhecimento de seu próprio corpo,
5,8devendo o profissional de saúde valorizar as queixas e percepções da paciente.
7O exame clínico das
mamas não tem benefício bem estabelecido como rastreamento, devendo ser realizado no caso de
queixas mamárias, como parte inicial da investigação.
4,5A Atenção Básica realiza prioritariamente ações de prevenção e detecção precoce e atua, em
relação ao câncer de mama, nos seguintes níveis de prevenção:
•
Prevenção primária: intervém sobre fatores de risco modificáveis para o câncer de mama, ou
seja, estimula a manutenção do peso das pacientes em uma faixa saudável e a prática de
atividades físicas e aconselha a redução do consumo de álcool e cessação do tabagismo.
9,10, 11
•
Prevenção secundária: realiza rastreamento conforme indicação e coordena o cuidado dos
casos positivos, fazendo a ponte com outros pontos da Rede de Atenção à Saúde quando
necessário e apoiando a família de forma integral; dá atenção às queixas de alterações
reportadas e realiza a investigação necessária visando à detecção precoce, encaminhando
para a atenção especializada quando indicado.
4•
Prevenção terciária: auxilia a reabilitação, o retorno às atividades e a reinserção na comunidade;
orienta cuidados; mantém o acompanhamento clínico e o controle da doença; orienta quanto
aos direitos dos portadores de câncer e facilita o acesso a eles, quando necessário.
2,12•
Prevenção quaternária:
13evita ações com benefícios incertos para a paciente e a protege de
menor de 50 anos e maior de 70 anos ou com periodicidade menor de dois anos; não estimula
o rastreamento;
4, 5, 8realiza rastreamento de forma individualizada, fornecendo informações
claras quanto aos benefícios e riscos da ação e compartilhando as decisões com a usuária
(Ver Quadro 2).
São considerados fatores de risco para câncer de mama: envelhecimento (idade > 50 anos),
fatores relacionados à vida reprodutiva da mulher (menarca precoce, nuliparidade ou primeira gravidez
após os 30 anos), história pregressa ou familiar de câncer de mama, uso de álcool, tabaco (o tabaco
é um fator com limitada evidência de aumento do risco de câncer de mama em humanos mas merece
atenção), excesso de peso, sedentarismo, exposição à radiação ionizante, terapia de reposição hormonal
(estrogênio-progesterona).
4, 11Importante destacar a necessidade de facilitar ao máximo o acesso de mulheres dentro da
faixa etária preconizada para as ações de rastreamento aos serviços de saúde. Com esse objetivo,
cada localidade deve planejar seus processos de trabalho, incluindo estratégias que podem envolver a
flexibilização da agenda das equipes para as ações de rastreamento, a realização de busca ativa nos
domicílios e espaços comunitários, e a solicitação de mamografia de rastreamento por parte de médicos
e enfermeiros. Essas estratégias se tornam ainda mais relevantes para grupos que historicamente
tem mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde ou que apresentam maiores vulnerabilidades
e singularidades, como mulheres com deficiência, lésbicas, bissexuais, transexuais, mulheres negras,
indígenas, ciganas, mulheres do campo, floresta e águas, em situação de rua, profissionais do sexo e
mulheres privadas de liberdade.
Quadro 1 – Síntese de prevenção do câncer de mama
2, 3, 4, 9, 12, 13, 14O QUE FAZER? COMO FAZER? QUEM FAZ?
Acolhimento com escuta qualificada
Identificação dos motivos de contato.
Direcionamento para o atendimento necessário. Equipe multiprofissional
Avaliação global
Entrevista • Idade;
• Índice de Massa Corporal (IMC);
• Antecedentes pessoais obstétricos (menarca, nuliparidade ou primeira gravidez acima de 30 anos);
• Antecedentes pessoais e familiares patológicos (história pregressa e/ou familiar de câncer de mama);
• História de exposição à radiação ionizante (terapêutica ou ocupacional);
• Queixas mamárias, por exemplo: mastalgia, nódulo mamário, alterações do mamilo, descarga papilar, assimetria da mama ou retração da pele (ver capítulo 1, seção 4 – Problemas na mama).
Equipe multiprofissional
Exame físico específico
• Realizar exame clínico das mamas (ECM) para investigação em caso de queixas mamárias (ver capítulo 1, seção 4 – Problemas na mama). • Observar presença de manifestações clínicas
sugestivas de câncer de mama: nódulo palpável, descarga papilar sanguinolenta ou em “água de rocha”, lesão eczematosa da pele, edema mamário com pele em aspecto de “casca de laranja”, retração na pele da mama, mudança no formato do mamilo.
Enfermeiro(a)/médico(a)
O QUE FAZER? COMO FAZER? QUEM FAZ?
Plano de cuidados
Exames para rastreamento
• Orientação e realização dos procedimentos de rastreamento: mulheres entre 50 e 69 anos de idade – mamografia a cada dois anos.
• Não realizar outros exames para rastreamento, não realizar mamografia com menor intervalo ou fora da faixa etária indicada na ausência de sintomas ou suspeita clínica.
Enfermeiro(a)/médico(a)
Consulta pós-rastreamento mamográfico • Recebimento dos laudos
• Interpretação de resultado e conduta na mamografia de rastreamento (vide Quadro 2). • Comunicação dos achados do exame para a
mulher, oferecendo apoio e esclarecendo dúvidas. • Garantia da integralidade e continuidade do
cuidado e encaminhamento à Rede de Atenção à Saúde, para confirmação diagnóstica e tratamento aos casos identificados de câncer de mama, conforme necessidades.
Enfermeiro(a)/médico(a)
Atividades de Vigilância em Saúde
• Identificação das mulheres com resultados positivos à investigação ou ao rastreamento para vigilância do caso, acompanhamento segundo recomendação e convocação quando necessário. • Identificação da população feminina na faixa etária
prioritária para rastreamento.
• Monitoramento dos casos encaminhados para confirmação diagnóstica e tratamento.
Equipe multiprofissional
Educação em saúde
• Orientação individual ou coletiva sobre estilo de vida saudável e prevenção de câncer.
• Orientações individuais e coletivas para mulheres sobre detecção precoce do câncer de mama: possíveis alterações nas mamas (breast
awareness), principais sinais e sintomas do
câncer de mama, limites e riscos das ações de rastreamento.
Equipe multiprofissional conclusão
Quadro 2 – Mamografia de rastreamento: interpretação, risco de câncer e
recomendações de conduta
11, 15, 16CATEGORIA BI-
RADS® INTERPRETAÇÃO RISCO DE CÂNCER RECOMENDAÇÕES DE CONDUTA
0 Exame inconclusivo Indeterminado
• Avaliação adicional com
incidências e manobras.
• Correlação com outros métodos de imagem, conforme recomendação do médico radiologista, sendo a ultrassonografia de mamas a mais comum.
• Comparação com mamografia feita no ano anterior.
1 Exame negativo 0% • Rotina de rastreamento conforme a faixa etária. 2 Exame com achado tipicamente benigno 0% • Rotina de rastreamento conforme a faixa etária, fora de risco.
3 Exame com achado provavelmente
benigno < 2%
• Controle radiológico por três anos, com repetição do exame a cada seis meses no primeiro ano e anual nos dois anos seguintes.
• A paciente pode ser encaminhada à mastologia para acompanhamento compartilhado, mantendo a equipe na coordenação de cuidado, atenta às ações nos outros pontos da Rede de Atenção à Saúde.
4 Exame com achado suspeito depender do grau de 2% a 95%, a suspeição
• Deverão ser encaminhadas para a unidade de referência secundária para investigação histopatológica. • Confirmado o diagnóstico, deverá
ser encaminhada à unidade de referência terciária para tratamento.
• A APS deve manter a coordenação de cuidado e garantir acesso aos procedimentos recomendados. 5 Exame com achado altamente suspeito > 95%
6 Exame com achados cuja malignidade já está comprovada 100%
• Terapêutica específica em Unidade de Tratamento de Câncer.
• A APS deve manter a coordenação de cuidado e garantir acesso aos procedimentos recomendados.