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3 O CÍRCULO DE GESTÃO DOS DESASTRES CLIMÁTICOS E SUA

3.1 A observação do Direito em relação aos estágios dos desastres

3.1.1 A prevenção

A prevenção no clico de gestão de desastres climáticos atua em uma dupla perspectiva, ou seja, em termos de fundamento atua, por excelência, como princípio orientador que atravessa todos os estágios da gestão circular.378 Já em termos de análise de organizações e estratégias a mesma atua como um estágio propriamente dito.

De modo específico para fins do objeto da pesquisa que é o estágio da reconstrução, tanto a prevenção como a mitigação assumem destaque quando se inclui o debate a respeito das infraestruturas construída (ou cinza) e natural (ou verde). Para o Direito a primeira está contemplada na análise dos instrumentos jurídicos disponíveis pelo contexto legal que são (re)orientados para reconstrução de uma comunidade a partir de uma percepção do território e das vulnerabilidades de uma comunidade, cujo horizonte da construção da resiliência.

Já no que concerne à infraestrutura natural ou verde em relação ao gerenciamento do risco catastrófico pelo Direito Verchick379 aponta para a necessidade de assimilar a noção de infraestrutura,380 tanto para a mitigação como

377 FARBER, Daniel A. et al. Disaster law and policy. 2 ed. New York: Aspen Publishers, 2010. p.

3-4.

378 A prevenção enquanto fundamento da gestão de riscos climáticos já foi abordada no capítulo

anterior.

379 VERCHICK, Robert R. M. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world.

Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2010.p. 11.

380 Verchick utiliza o termo “infraestrutura” a partir da pesquisa do economista indiano e prêmio

Nobel Amartya Sen, na área da desigualdade social. Sen salienta a importância da infraestrutura de uma comunidade em suas formas social, construída e natural e reconhece o papel que a geografia física e os serviços de ecossistema têm em permitir que as pessoas desfrutem de suas liberdades individuais. VERCHICK, Robert R. M. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world. Cambridge, Massachusetts: Harvard University

para a construção de resiliência. Esta construção de sentido a respeito da assimilação da importância vital que os serviços oferecidos pela natureza desempenham agrega valorização por parte dos governos e justifica o dever de monitorá-los e mantê-los.

Normalmente a noção de infraestrutura está associada a obras de engenharia civil, construídas em aço e concreto ou, ainda, na Economia está associada à logística de sustentação para o funcionamento de empreendimentos industriais e comerciais. Contudo é possível associar a natureza também como noção de infraestrutura.

Na última década a infraestrutura verde tem sido incorporada na arquitetura e urbanismo em planejamentos sustentáveis de longo prazo em várias cidades de muitos países. Na verdade, não é um conceito novo, mas atualmente é mais abrangente e emprega conhecimentos técnico-científicos, com a utilização de ferramentas digitais de última geração. Proporciona inúmeros benefícios para que as cidades sejam não apenas mais sustentáveis, mas mais resilientes para enfrentar os efeitos causados pelas mudanças climáticas.381

Portanto, em uma observação sistêmica o sentido de infraestrutura verde ou natural é construído a partir da distinção do que tradicionalmente se conhece como infraestrutura “cinza ou construída”.382

A percepção de que a infraestrutura se constitui em uma rede de serviços como comunicações, saúde pública, energia e finanças em distinção ao sentido de edificação de obras de engenharia civil como estradas, represas, pontes, hospitais e outras já é assimilada nas decisões administrativas e políticas de governos como o norte americano. 383 Assim, a partir da perspectiva de uma rede conjunta de obras e serviços, começa a emergir uma vasta variedade de outras estruturas e serviços fundamentais que a natureza oferece e que a sociedade depende para sua continuidade e seu crescimento.

Press, 2010.p. 61. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 61, 359-378.

381 AHERN, Jack. From fail-safe to safe-to-fail: Sustainability and resilience in the new urban

world. Landscape and Urban Planning, v. 100, n. 4, p. 341-343, 2011.

382 Cf. CARVALHO, Délton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos desastres.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 50.

383 Cf. VERCHICK, Robert R. M. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world.

O sentido de sistemas naturais como estrutura favorece a formação de políticas de muitas formas. A primeira e mais importante é em relação aos inúmeros serviços permanentes que os sistemas naturais proporcionam para que, a partir de tal relação se possam descobrir outras formas de proteção do que mais se necessita.384

Uma segunda perspectiva da assimilação do termo de estrutura verde ou natural pelo Direito é, no entender de Verchick385 a de enfatizar serviços ocultos para lembrar que os bens e serviços naturais chegam como parte de grandes sistemas interconectados.386

Uma terceira forma diz respeito, segundo o mesmo autor,387 ao caráter de livre acessibilidade de todos aos serviços fundamentais prestados pela natureza. As infraestruturas tradicionais são geralmente oferecidas sob o fundamento de um acesso aberto, ou seja, que todos os membros de uma comunidade têm o direito de usar os recursos de infraestrutura de uma forma não-discriminatória o que não implica, necessariamente, que este acesso seja sempre fornecido de forma gratuita ou não regulamentada.

O acesso amplo em relação a uma infraestrutura natural, permitindo que toda uma comunidade se beneficie do mesmo estimula, conforme defende Verchick388 a necessidade de investimento, inovação e utilização de recursos comuns, descortinando uma revitalização da possibilidade de utilidade pública. O acesso a todos forma uma sinergia onde a eficácia para quem se beneficia é maior que o custo de limitação do acesso a outras infraestruturas, como as construídas ou “cinzas”.

384 BENEDICT, Mark A.: MACMAHON, Edward. T. Green infrastructure: Smart conservation for

the 21st century. Washington D.C.: Sprawl Watch Clearinghouse, 2001. p.7.

385 VERCHICK, Robert R. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world.

Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2010. p. 23.

386 O autor aqui não se refere a noção de que uma infraestrutura seria uma coleção de rodovias

cruzadas, por exemplo. Usa a forma singular para sugerir a natureza coletiva, interdependente, do conjunto sobreposto. De forma mais ou menos aproximada, a Sociedade Americana de Engenheiros Civis usa “infraestrutura de aviação” para se referir a rede nacional de aeroportos; pode-se mesmo falar da infraestrutura de transportes para descrição de todos os aeroportos, rotas aéreas, estações de trem, linhas de trem, ônibus, estradas e assim por diante. É uma forma de assegurar que se evite “perder a floresta por causa das árvores. VERCHICK, Robert R. M. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2010. p. 23.

387 VERCHICK, Robert R. M. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world.

Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2010. p. 23.

388 VERCHICK, Robert R. M. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world.

Finalmente, considerar a natureza como infraestrutura destaca a observação de que muitos dos serviços naturais estão em parâmetros de igualdade com outras infraestruturas como rodovias, centrais de tratamento de água e esgotos, por exemplo, e requerem o mesmo cuidado por meio de monitoramento e manutenção frequente. É necessário considerar que no caso de destruição de uma infraestrutura construída ou “cinza” por um evento catastrófico, a reconstrução custaria muito. No entanto é preciso relevar também que no caso de uma infraestrutura natural ou verde, a reconstrução pode até não ser mais possível.

A relação entre desastres climáticos e infraestrutura natural, na avaliação de Verchick389 ainda é pouco conhecida. Por seu turno o papel protetor dos sistemas naturais depende muito de fatores que precisam ser observados a partir de uma base local, ou seja, o tipo de desastre, a geografia, a populações vulneráveis entre outros. Assim, o critério de territorialidade na relação infraestrutura natural e desastres ambientais assume relevância tanto na avaliação como na tomada de decisão.

Como primeiro passo essencial para dar forma a uma política de gestão de desastres a partir da percepção da infraestrutura verde Abramowtz,390 do Worldwatch Institute recomenda que, diante de uma fragilidade e até inexistência de mapeamento de riscos em diversos territórios faz-se necessário identificar: a) os recursos naturais ( bacias hidrográficas, áreas inundáveis, áreas de recarga de aquíferos, matas ciliares, matas costeiras protetoras, etc.); b)os riscos (zonas sísmicas, de inundações, secas, tempestades e furacões entre outros); c) infraestrutura vulnerável (edifícios, linhas de transmissão de energia elétrica, centrais de abastecimentos de água e tratamento de esgotos, malha viária essencial ao transporte de pessoas e mercadorias) e; as comunidades e os seus recursos vulneráveis.

Essa avaliação deve ser realizada de forma escalonada e evolutiva para que comunidades e tomadores de decisões possam prospectar uma infraestrutura (construída e natural) eficaz para o enfrentamento de desastres ambientais e climáticos, tanto na sua mitigação como na prevenção.

389 VERCHICK, Robert R. M. Facing catastrophe. Environmental action for a post-Katrina world.

Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2010. p. 26.

390 ABRAMOVITZ, Janet N.; STARKE, Linda. Unnatural disasters. Worldwatch Institute, 2001.

p.41. Disponível em: <http://www.worldwatch.org/system/files/EWP158.pdf>. Acesso em 11 jan. 2017.

Uma variável que merece destaque na observação da relação entre infraestrutura natural e desastres climáticos é a falta de comunicação entre os dados já existentes sobre desastres e infraestrutura natural em relação às várias áreas do conhecimento. O biólogo, por exemplo, que estuda sobre determinadas espécies de animais ou plantas em áreas alagadas não dialoga com o técnico em prevenção de incêndios ou com o geógrafo que analisa aspectos geológicos e territoriais em uma mesma bacia hidrográfica.391 Muito menos, ambos dialogam com os advogados, juízes e outros juristas que atuam na litigância ambiental e também na elaboração de leis.

Para tanto o papel do Direito em assimilar a comunicação entre desastres e a infraestrutura natural, traria para seu interior a natureza policontextural de um conflito para desenvolver regras “substantivas” próprias (e não meramente formais) que busquem a harmonização de diferentes racionalidades sistêmicas. E ainda mais, nesta racionalidade o Direito constituir-se-ia como uma instituição por excelência de auto mediação social, [...] não apenas enquanto modo de assegurar a compatibilidade entre subsistemas sociais heterogéneos com vista a alcançar eficientes intercâmbios, mas também enquanto problema de integração desses subsistemas num “corpo político, numa “commonwealth”.392

Portanto, a análise reflexiva sobre a mitigação dos desastres constitui em duas vias de observação. A primeira trata do reconhecimento irrefutável do dever de proteção aos ecossistemas que, por sua vez, protegem as comunidades em casos de danos. Por outra perspectiva, também é a reflexão cuidadosa a respeito dos motivos pelos quais uma comunidade se coloca em grau de vulnerabilidade, ou seja, é preciso se perguntar a(s) causa(s) que justificariam sua localização, outras maneiras de se construir e, sobretudo, como deve ser o planejamento para o futuro.

391 A bacia hidrográfica no Brasil é a unidade de planejamento para a gestão de recursos hídricos.

Bacia hidrográfica, por sua vez, é um território delimitado pelo relevo, drenado por um curso d’água ou um conjunto de cursos d’água que escoam por uma única saída. O divisor de águas (contorno da bacia) é o limite físico mais alto do território de onde escoam as águas superficiais que alimentam um rio. PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO ITAJAÍ: para que a água continue a trazer benefícios para todos. Caderno síntese/Comitê do Itajaí. Blumenau: Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí, 2010. p.14.

392 TEUBNER, Gunther. O Direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia

Abramovitz393 constata que as decisões que permitem que mais pessoas com mais “coisas” (edifícios, pontes, cidades, usinas de energia) se aglutinem cada vez mais em comunidades vulneráveis aumentam o risco e diminuem a capacidade que a natureza tem para mitigar os efeitos catastróficos dos eventos ambientais e climáticos. Portanto, é relevante compreender que as decisões sobre desenvolvimento têm agravado os riscos climáticos, mas tão importante quanto isto é não perder de vista a possibilidade de se fazer escolhas melhores.

A infraestrutura natural, como instrumento de prevenção e mitigação subsidia o gerenciamento dos desastres ambientais pelo menos em duas direções prospectivas. Uma delas no momento anterior ao desastre quando bloqueia e/ou minimiza os impactos, retardando ou redirecionando a dimensão das forças naturais que certamente atingiriam as pessoas e propriedades. A outra direção refere-se ao momento após o impacto, em que a natureza contribui novamente ao prover bens e serviços importantes para a recuperação física e econômica de uma comunidade atingida. 394

Contudo, mesmo que a prevenção se constitua em valioso estágio na administração circular, nem sempre impede a ocorrência de colapsos em funções estruturantes como é o caso da dramaticidade de um cenário logo após a ocorrência de uma catástrofe. Nestes momentos as ações de repostas precisam ser operadas e este tema conduzirá a próxima reflexão.