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2- A GESTÃO DO RISCO CLIMÁTICO PELO DIREITO

2.2 Tipologia dos riscos e a gestão pela territorialidade

2.2.3 Riscos sociais

Apesar dos formidáveis progressos técnicos efetuados ao longo de um século, as sociedades contemporâneas continuam a ser confrontadas com situações de alta complexidade em termos de riscos. Como os grupos sociais das épocas passadas, elas sofrem e engendram riscos. Trata-se de um paradoxo pois,

140 Os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos da América possuem nesta observação

uma repercussão planetária.

141 A respeito dos critérios de seleção para tomada de tomada de decisão a respeito de

investimentos no exterior Cf. MICHALET, Charles-Albert. O capitalismo mundial. Tradução de Salvador Cordaro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.p. 138-143.

conforme explicita Vieillard-Baron,142 com a concentração das populações e a intensificação das atividades, as probabilidades dos riscos se manifestarem parece crescer hoje, apesar dos sistemas de proteção terem se tornado cada vez mais sofisticados.

A expressão “risco social” é fluída e conforme Vieillard-Baron,143 a mesma está fundamentada em pelo menos duas noções extensivas, não havendo uma teoria do “risco social” que permita colocá-la no plano dos conceitos sem a associação desses dois termos e a precisão da significação no que diz respeito aos seus fins. De maneira geral, a polissemia muito vasta da expressão permite qualificar como “risco social” a maior parte dos riscos, quer se atenha as suas causas sociais, quer em relação às suas consequências humanas. No limite, todo evento provocado por uma sociedade ou que a afete diretamente cria potencialidades novas, às quais invariavelmente se ligam riscos específicos, que poderiam ser qualificados de “sociais”. Em suma, toda mudança é fator de risco na medida em que cria uma situação nova à requer adaptação.

Em uma primeira abordagem é possível definir o risco social como a possibilidade de um acontecimento catastrófico para a coletividade humana ou, mais exatamente, como a probabilidade de ocorrência de um evento cujas consequências poderiam ser nefastas para a sociedade, tanto percebida na sua totalidade como em relação a um de seus componentes apenas. O risco pode resultar assim de uma situação aleatória que permite “probabilizar” a ocorrência do acontecimento, mas também depender de uma pluralidade de fatores cuja associação é completamente imprevisível e não deixa lugar a nenhum cálculo probabilístico.144

Contudo, quanto ao termo social não há definição unívoca e nos termos do que disserta Vieillard-Baron145 o mesmo se relaciona de maneira muito vaga a tudo

142 VIEILLARD-BARON, Hervé. Os riscos sociais. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem

como agressor e vítima do meio ambiente. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007. p.275.

143 VIEILLARD-BARON, Hervé. Os riscos sociais. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem

como agressor e vítima do meio ambiente. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007. p. 276.

144 VIEILLARD-BARON, Hervé. Os riscos sociais. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem

como agressor e vítima do meio ambiente. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007. p.276-277.

145 VIEILLARD-BARON, Hervé. Os riscos sociais. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem

como agressor e vítima do meio ambiente. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007. p.277.

o que diz respeito à “sociedade”, isto é, a uma coletividade humana enfocada como identidade específica ou como conjunto de grupos organizados, dando lugar, assim a numerosas ambiguidades. Tais grupos, por sua vez, evoluíram no tempo e progressivamente se diferenciaram segundo seus graus de complexidade e sua capacidade técnica.

Pode-se observar que a dificuldade para abordar o “social” decorre do fato de a palavra poder designar tanto o todo quanto a parte que o integra. Antes de entrar em um debate sobre a sociedade, é importante também que se saiba a qual concepção de (social) se faz referência. Por convenção adota-se a hipótese de Durkheim146 em que a sociedade deve ser considerada um todo e que a solidariedade é seu fundamento. Consequentemente, dir-se-á que há “risco social” quando o “viver em conjunto” estiver sujeito a uma série de ameaças identificadas de forma mais ou menos identificada ou, dito de outra forma, quando a coesão social estiver ameaçada. Nesse sentido, o suicídio analisado pelo mesmo autor147 surge, ao mesmo tempo, como um fato social e como um risco social.

A territorialização do risco é um critério que assume relevância para o risco social tanto que, a partir dele que Vieillard-Baron148 adota uma subclassificação dos mesmos em riscos sociais exógenos e riscos sociais endógenos. Os primeiros estão relacionados aos elementos naturais e, mais amplamente, às ameaças externas149 capazes de afetar as sociedades humanas como: terremotos, inundações, secas, epidemias, doenças de animais, guerras de conquista entre outros e são suportados por elas. Os segundos, por sua vez, se relacionam aos produtos das sociedades e de forma ilustrativa, estão, geralmente associados ao crescimento urbano, à industrialização, às formas de povoamento e à densidade excessiva de alguns bairros, podem ser decorrentes também de uma administração urbana deficiente.150

146 Cf. DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. 9 ed. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1987.

147 DURKHEIM, Émile. O suicídio. Tradução de Luz Cary, Margarida Garrido e J. Vasconcelos

Esteves. 4.ed. Lisboa: Presença, 1987.

148 VIEILLARD-BARON, Hervé. Os riscos sociais. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem

como agressor e vítima do meio ambiente. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007. p. 279.

149 Neste contexto de construção de argumento a expressão “ameaças externas” significa apenas

que não são genuinamente humanas, mas advindas da natureza.

150 Por exemplo, quando os modos democráticos de regulação institucional falham em um Estado, a

ausência de autoridade central e a perda de controle pelas autoridades locais podem engendrar uma forte insegurança e conduzir a um aumento da violência.

Em todos os casos, a busca pelas causas dos riscos sociais é uma operação complexa, especialmente nas áreas urbanas, considerando a superpopulação, proximidade de modos culturais antagônicos em locais estigmatizados, urbanismo não planejado, má qualidade das construções, por exemplo, concorre para haja uma divisão espacial da cidade em espaços segregados. Esta segregação é estimulada pelas políticas de zoneamentos urbanos, por normatização precária e sem integração à legislação de zoneamento e regularização do solo urbano, pela insuficiência de atenção por parte dos tomadores de decisões e pela insegurança nas cidades.

Geralmente, a fragmentação do espaço surge ao mesmo tempo como causa e resultante de desigualdades sociais, as quais são produtoras de riscos que se manifestam em um prazo mais ou menos longo. A intensidade da vulnerabilidade social ante os riscos frequentemente varia em função de tais desigualdades. Assim quando uma catástrofe assola um território, as comunidades mais frágeis, as de menor mobilidade e cujo nível de vida está mais debilitado são as mais afetadas.

Enfim, o risco social na atualidade mantém, segundo Vieillard-Baron151 íntima relação íntima com a insegurança urbana152 e com a insegurança econômica e, consequentemente, acarretam igualmente riscos sanitários e alimentares para a população. Os riscos ambientais, por sua vez, podem originar riscos sociais e a insegurança pode estar relacionada à desorganização da administração e ausência de decisões políticas.

151 VIEILLARD-BARON, Hervé. Os riscos sociais. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem

como agressor e vítima do meio ambiente. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007. p.244.

152 O espaço do risco tem variado de acordo com a época e com a culturas. Assim, enquanto nos

séculos XVIII e XIX o campo estava associado à estabilidade, à sabedoria, ao trabalho, a um espaço em que os riscos, especialmente os sociais, são reduzidos, a cidade, nos termos do que explica Veyret, era vista por meio de uma dupla percepção: como lugar de riscos e de devassidão, de perdição. A história da cidade é a das grandes catástrofes que a marcaram, das guerras, das grandes endemias, peste, lepra...que alimentaram o imaginário dos sobreviventes e que marcaram fortemente o inconsciente coletivo. A percepção da cidade como um espaço de perigo é ainda alimentada pelos grandes incêndios (Londres, 1966) ou por outros acontecimentos naturais (o terremoto de Lisboa, 1755). As revoluções sociais e industriais e a aparição de um proletariado urbano levaram ao enriquecimento da simbologia negativa da cidade. As classes trabalhadoras, perigosas, são reagrupadas em novos bairros muitas vezes próximos de fábricas e na periferia de velhos centros urbanos. A cidade tornou-se também palco de revolta de trabalhadores, do ateísmo, enfim da revolução e, portanto, associou-se à ideia de compromete a ordem social e os valores familiares. Essa concepção negativa da cidade, portanto, perdura ainda hoje em certos argumentos ecologistas que denunciam o caráter artificial, construído, da cidade e sua ruptura com a “mãe” natureza. Portanto, a cidade é um espaço particular no qual se inscrevem as catástrofes. VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem como agressor e vítima do meio ambiente. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007. p.28.

Contudo, um fator tem causado ruídos na comunicação do que até então denominava-se de riscos ambientais, que são as mudanças climáticas. Tal fator tem sido considerado como preponderante para intensificação, recorrência e severidade de eventos a ponto de reposicioná-los como catástrofes, decorrentes do risco climático. Este é o contexto do estudo que segue.