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Previsão em legislação esparsa

No documento PRINCÍPIOS DO DIREITO SOCIETÁRIO (páginas 89-93)

CAPÍTULO 6 – PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

6.2. Previsão em legislação esparsa

O Código Civil brasileiro, por sua vez, não tratada função

social da empresa, remetendo o intérprete à legislação esparsa. Dispõe o Código Civil, em seu artigo 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites

176 Ao dispor sobre a propriedade urbana em particular, a Constituição brasileira prescreve que o pleno desempenho de sua função social ocorre quando a propriedade atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor (art. 182). No que se refere à propriedade rural, a Constituição enumera, em seu artigo 186, os requisitos necessários para que a propriedade preencha sua função social.

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da função social do contrato”, o que, para FERNANDO NETTO BOITEUX, permite a interpretação extensiva ao contrato social da sociedade limitada.177

A Lei das Sociedades Anônimas, a seu turno, estabelece, emseu artigo 116, parágrafo único, queo acionista controlador tem de obrigatoriamente exercer sua atividade com o fim de fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social – além dos deveres e responsabilidades em relação aos demais acionistas, aos que nela trabalham e para com a comunidade em que atua.178

O artigo 154 da Lei das S/A, referindo-se especificamente ao administrador, determina que ele deve orientar a sua atividade no sentido de satisfazer também as exigências do bem público e da função social da empresa.

No mesmo sentido,a Lei de Recuperação de Empresas e Falências dispõe, em seu artigo 47, que um dos objetivos da Recuperação Judicial é

“promover a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Assim, pode-se depreender que o preenchimento da função social da empresa respeita os interesses de três grupos, todos credores da obrigação jurídica179 do acionista controlador em manter e desenvolver a função social:

177 BOITEUX, 2002, p. 55.

178 Consta da Exposição de Motivos nº 196, de 24/06/1976, que “o princípio básico adotado pelo

Projeto, e que constitui padrão para apreciar o comportamento do acionista controlador, é o de que o exercício do poder de controle só é legítimo para fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e enquanto respeita e atende lealmente aos direitos e interesses de todos aqueles vinculados à empresa – os que nela trabalham, os acionistas minoritários, os investidores do mercado e os membros da comunidade em que atua.” (EIZIRIK, 2011, p. 678).

179 Por ensejar a responsabilização civil do acionista controlador, PAULO SALVADOR FRONTINI refere-se à função social da empresa não como dever do controlador, mas como obrigação jurídica. (FRONTINI, 2011, p. 537)

91 (i)a sociedade e seus acionistas; (ii) os empregados; (iii) a comunidade, nela incluídos os consumidores, o meio ambiente e a sociedade civil em geral.

Dito isto, é importante ressaltar que a sociedade empresária e seus acionistas são os principais credores da obrigação do administrador de exercer o poder de controle com vistas a atingir e fazer cumprir o interesse social. Nesse sentido, a lição de NELSON EIZERIK, para quem,

(...)o exercício do poder de controle não pode implicar benefício unilateral e exclusivo ao acionista controlador, mas deve levar em consideração os interesses da companhia e da coletividade de seus acionistas.180

Infelizmente, o enunciado legal deixa dúvidas acerca da preponderância do interesse social da empresa sobre a sua função social. Melhor seria se a lei tivesse estabelecido que o acionista controlador não deve exercer seu poder de controle em detrimento dos interesses da companhia.

Afinal, em última instância, na medida em que a sociedade empresária gera empregos, cumpre com as obrigações legais decorrentes dos vínculos trabalhistas e participa ativa e positivamente da ordem econômica brasileira, ela já está atendendo à sua função social.181

180 EIZIRIK, 2011, p. 679.

181 No tocante à dinâmica trabalhista relacionada à atividade empresarial, FERNANDO NETTO BOITEUX traz evidências de que, na Alemanha, a reinvindicação pela co-gestão dos empregados é mais

antiga do que o dissídio coletivo e a luta organizada do trabalho, e vem da primeira metade do século passado, quando os pensadores liberais propuseram a organização empresarial de forma que os trabalhadores participassem dos lucros e das decisões empresariais. Na França, por sua vez, existe um sistema facultativo de participação dos empregados no Conselho de Vigilância. No Brasil, o mais comum é a participação dos trabalhadores na atividade sindical. (BOITEUX, 2002).

92 No tocante ao impacto exercido pela empresa na comunidade, esclarece EDUARDO SALOMÃO NETTO o seguinte:

(...) deve o controlador abster-se de qualquer atividade prejudicial à comunidade a que lhe aconselhasse o interesse da empresa. Entre tais atividades, estariam por exemplo o ‘lobby’ junto com os congressistas para aprovação de leis trabalhistas ou relativas ao meio ambiente que, embora benéficas para a sociedade, prejudicassem a comunidade em geral.182

A comunidade é um credor de interesses internos de difícil conceituação. O que se pode afirmar é que convergem, na comunidade, os interesses dos consumidores, os interesses ligados à preservação do meio-ambiente e aqueles da sociedade em geral.

Os consumidores são tutelados por legislação especial – o Código de Defesa do Consumidor –, que transfere à sociedade empresária uma série de obrigações183, assim como uma responsabilização maior pelo fornecimento de produtos e serviços.184

182 NETTO, 1996, p. 158.

183 Para FABIO ULHOA COELHO, as obrigações impostas pelo Código de Defesa do Consumidor são suportadas, indiretamente, pela coletividade dos consumidores. Isso porque os custos da proteção ao consumidor são repassados, pelas empresas, ao consumidor final. Em última análise, o Código de Defesa do Consumidor terminou por constituir mecanismos de socialização dos prejuízos experimentados pelas sociedades empresárias. (COELHO, 1994, p. 35).

184 O art. 12 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que “O fabricante, o produtor, o construtor,

nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.” O art. 18, por sua vez, coloca que “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem

solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”

93 A defesa do consumidor pode ser tutelada individualmente, cabendo aos diretamente afetados impetrar ação individual contra a sociedade empresária, ou de forma coletiva (artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor). Nesse caso, ressalta-se também o papel assumido pelo Ministério Público por meio das Ações Civis Públicas, disciplinadas na Lei nº 7.347 de 1985. O mesmo instrumento é utilizado no que se refere às obrigações ambientais. Em caso de dano ao meio-ambiente,em que pese o rigor com que imputa responsabilidades ao empresário, a lei não confere à comunidade o direitode impetrar ação contra a empresa, ficando sua proteção na esfera dos direitos difusos e coletivos.

No documento PRINCÍPIOS DO DIREITO SOCIETÁRIO (páginas 89-93)