• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – O autismo para a genética

4.4 Entrevista de caso único em psicanálise

4.4.2 Primeira entrevista

A partir da pergunta disparadora, a entrevistada relatou seu percurso acadêmico até chegar ao autismo. Formou-se em biologia, fez Mestrado e Doutorado em genética e, em 2000, passou a trabalhar com autismo. Uma doutoranda tinha interesse pelo tema e sugeriu abordar algo diferente, que começava a interessar os pesquisadores dos EUA e Canadá. Foi uma ideia vinda de outra pessoa, o “acaso”, que aproximou a entrevistada do autismo.

No início, enfrentaram algumas barreiras institucionais pois não tinham acesso a demanda e o trabalho era desacreditado por colegas, visto que o autismo não era um tema em voga. Como não faziam diagnóstico, era difícil estabelecer uma rede de encaminhamentos. Foi, entretanto, uma parceria com um Instituto de Psiquiatria e a adesão aos protocolos de avaliação que movimentaram o laboratório. Em 2010, a genética do autismo começou a avançar com novas ferramentas de análise genômica, que permitiram detectar alterações bastante características.

Segundo a entrevistada, é possível dizer que o autismo tem um risco de repetição empírico a partir dos estudos das famílias. Por exemplo, um casal que teve uma criança com autismo e não tem mais nenhum caso na família, possui um risco de repetição em torno de 10%. Atualmente, em média, 20% das famílias que fazem o teste genético fecham diagnóstico molecular, ou seja, uma vez que o gene principal envolvido é detectado, é possível calcular o risco de repetição nos outros filhos com uma precisão alta. Dessa forma, uma das funções do Aconselhamento Genético na área do autismo é a de apontar esses riscos.

A boa notícia, de acordo com a entrevistada, é que em alguns casos de autismo ocorre uma mutação nova na criança afetada, o que diminui os riscos de ocorrência para os próximos

filhos do casal. A má notícia é que o modelo genético do autismo é complexo, não sendo possível encontrar uma variação específica.

A título de comparação, a distrofia muscular de Duchene, por exemplo, é uma síndrome genética de herança clássica pois possui um único erro principal em um genoma inteiro. De vinte mil genes, apenas um possui uma mutação importante que é responsável pelo quadro clínico. Na herança complexa, há diferentes mutações, sendo difícil estabelecer um padrão. No autismo, a maioria dos casos tem mais de um gene envolvido e, as pesquisas recentes, buscam identificar quais são os genes envolvidos para cada indivíduo. Portanto, para a entrevistada, encontrar um gene envolvido é importante, mas não é suficiente, “ele precisa de uma outra coisa para operar, que não pode ser detectada por exames”.

Outro objetivo do laboratório é o de apontar alvos terapêuticos. A entrevistada relatou que, a partir do estudo dos efeitos de um gene chamado TBCK, talvez seja possível modificar uma célula de forma que ela possa gerar células neuronais, o que equivaleria a gerar um novo neurônio no paciente. Isso abre perspectivas de gerar drogas que possam ajudar esses pacientes no futuro. Uma droga que atue mais diretamente no autismo e não em suas comorbidades. A entrevistada acredita que tudo que trata de neurodesenvolvimento, só é passível de avanços se houver intervenção precoce, o que aponta também para a necessidade de traçar um diagnóstico precoce.

Um dado interessante que a entrevistada observa no laboratório, diz respeito aos pais dos afetados. Em razão da experiência de entrevistar uma grande amostragem de casos, ela percebeu que alguns pais apresentavam uma certa identificação frente ao quadro do filho, o que gerava forte angústia e desespero, culminando no “a culpa é minha”. Muitos pais são “estranhos” e possuem “traços autísticos” bem característicos, inclusive alguns tiveram um diagnóstico médico já na vida adulta, posteriormente ao diagnóstico do filho. Esses pais apresentam traços ou quadros leves, enquanto os filhos acabaram apresentando um quadro mais severo. Nesse sentido, a entrevistada aponta que para ela fica claro como há algo na estrutura genética da família que determina o autismo.

Outra observação empírica da entrevistada é de que, as famílias com filhos autistas que procuram o laboratório de genética, são “famílias esclarecidas”, da classe média, diferente de outras síndromes genéticas em que as famílias são de origem “bastante humilde”. A entrevistada acredita que isso se deve ao fato da especificidade do quadro de autismo. Enquanto algumas síndromes genéticas apresentam má formações bem claras, o autista é uma criança aparentemente normal, que não fala e não interage. Talvez em famílias mais “humildes”, essas crianças estejam à deriva, sem assistência nenhuma.

De acordo com a entrevistada, a partir do estudo de casuísticas grandes, chegou-se a mais de quinhentos genes candidatos para o autismo, sendo cem confirmados pois apresentavam replicação em vários pacientes. A dificuldade do estudo, segundo ela, é que cada paciente tem um padrão genético diferente, só sendo possível ser assertivo quando se acha outro padrão genético parecido. Cada uma dessas mutações é rara, sendo a frequência menor de 1/1000, dessa forma, é preciso estudar muitas pessoas até achar uma outra pessoa com o mesmo padrão genético.

Esses mapeamentos e estudos são importantes para fins de pesquisa, mas pouco impactam na vida dos pacientes (pelo menos, até o momento). Muitos pagam muito caro por análises genéticas em laboratórios particulares e “isso não vai resolver nada na vida deles”, acrescenta.

A entrevistada criticou as escalas e a forma como são trabalhadas. “Trata-se de um comércio”, em que os donos das escalam visam enriquecer. As escalas, de forma geral, são parecidas e não apresentam nenhuma dificuldade ou necessidade de treinamento para aplicação, mas quando surgiram, eram colocadas como essenciais e despenderam muito dinheiro dos laboratórios obrigando sua aplicação em troca de credibilidade. Também criticou os geneticistas de ponta na área do autismo nos EUA e Canadá pois, segundo ela, eles estão mais preocupados em favorecer a própria pesquisa e atingir status científico do que realmente ajudar e orientar as famílias. No Brasil há uma preocupação em oferecer uma devolutiva através do Aconselhamento Genético ou encaminhamento às famílias estudadas.

Questionada sobre o que pensa a respeito das intervenções psicanalíticas para o autismo, a entrevistada falou que “fica na dúvida” de encaminhar, pois acredita que a psicanálise funcione melhor com os pais, não enxergando como poderia ajudar as crianças mais graves, que não interagem com o mundo a sua volta. Para esses casos, ela acredita que o método ABA9 funcione melhor pois possui comprovação científica. Nesse momento, a entrevistadora contou um pouco da flexibilidade do trabalho da psicanálise para esses casos, cujas pesquisas também avançaram, e como eles são tomados em tratamento um a um. A entrevista termina com a geneticista dizendo que as famílias devem ter a opção de escolher o tratamento que melhor lhes caibam.

9 O Applied Behavior Analysis (ABA), também conhecido como Análise do Comportamento Aplicada, é um método que trabalha sob a perspectiva da aprendizagem, utilizando-se uma técnica que reforça os comportamentos positivos.

Documentos relacionados