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CAPÍTULO 3 – O autismo para a genética

4.4 Entrevista de caso único em psicanálise

4.4.3 Segunda entrevista

A entrevistadora inicia dizendo que vai perguntar algumas informações que ficaram faltando na primeira entrevista. Questiona como chegam os encaminhamentos atualmente.

Inicialmente, a maioria dos encaminhamentos eram feitos por um psiquiatra, que trabalhava no Instituto de Psiquiatria de um hospital univesitário. Atualmente, os encaminhamentos são mais variados, vindos do próprio psiquiatra, de diferentes setores do hospital universitário, de postos de saúde, de um neurologista muito conhecido, da internet, através dos contatos dos pais e também por transmissão oral.

Sobre o diagnóstico, este é um pré-requisito para a chegada de pacientes. As famílias já chegam com o diagnóstico médico e, no laboratório, é feita uma verificação a partir da aplicação de uma escala, que avalia se a criança pontua para o autismo e a gravidade do quadro.

Na maioria dos casos são os pais que procuram o laboratório. A entrevistada não possui os dados estatísticos levantados, mas acredita que em mais de 90% dos casos o pai e a mãe estão presentes nas consultas, mesmo quando são separados. Outro dado observado é que a maioria dos pais chegam ansiosos, principalmente a mãe, e que possuem um discurso desorganizado ao relatar o quadro do filho.

Nos casos de autismo, observa-se a presença do pai nas consultas, o que é diferente do observado nas outras doenças com má formação congênita. Quando a criança não tem pai ou mãe, os avós costumam acompanhar. A entrevistada não sabe dizer se, a presença do pai está aumentando nas consultas pelo fato deste participar mais da vida dos filhos, ou se está relacionada ao diagnóstico do TEA, mas acredita que o diagnóstico tem forte relação. Segundo a geneticista, os pais de crianças com TEA enxergam características próprias nos filhos, como algumas semelhanças de funcionamento ou comportamento que estejam dentro do espectro. Já uma criança com má formação congênita é muito diferente dos pais, “então não tem uma identidade”, ou seja, os pais não se identificam com as características da doença do filho, como no autismo.

Um pai que procurou o serviço com um filho de vinte anos com diagnóstico de Asperger, um tipo de TEA, relatou que também foi diagnosticado com um grau leve de autismo após identificar algumas características suas no filho. Alguns pais parecem apresentar traços de autismo. Segundo a geneticista, talvez os pais tenham uma dessas variantes genéticas em pouca quantidade, enquanto na criança, ela se acumula. Um dado consistente é que as mulheres possuem maior resistência, sendo 4 para 1 casos de autismo em relação aos homens. Hoje fala- se em 3,5 para 1. É como se as mães de autistas carregassem algumas alterações, que não

apresentam manifestações clínicas. Contudo, quando essa alteração vai para a criança, tem a manifestação.

O laboratório já atendeu por volta de mil famílias e os atendimentos são realizados pela própria geneticista, por uma aluna que faz mestrado profissionalizante e, eventualmente, alguns alunos que são treinados. O trabalho consiste em uma consulta com a geneticista, uma consulta com o psicólogo que aplica a escala diagnóstica e a coleta de sangue. Tudo pode ser feito em apenas um encontro, a depender do uso que será feito do material posterirormente. É indicado que compareçam os pais e a “criança afetada”.

Os pacientes chegavam ao laboratório com a expectativa de ter um tratamento ou de realizar um teste genético. O laboratório, de acordo com a entrevistada, não oferece nenhum tipo de tratamento, as consultas acontecem apenas para fins de pesquisa e Aconselhamento Genético. Mesmo os testes genéticos, só são realizados quando o paciente se encaixa em algum protocolo de pesquisa que caiba em uma casuística. Na realidade, são muitas famílias interessadas, muito material para analisar, enquanto há pouco recurso financeiro. Dessa forma, não há como pagar os pesquisadores que tenham interesse em participar da pesquisa. Fora do Brasil, as amostras analisadas são maiores pelo fato das pesquisas possuírem mais investimento, e não pela demanda. O serviço em São Paulo foi restringido no último ano por falta de recursos, o que é frustrante para as famílias e para os próprios pesquisadores.

A entrevistada acredita que as famílias procuram o serviço, mesmo sem garantias de obter qualquer retorno, pois elas estão dispostas a testar todas as possibilidades disponíveis na tentativa de entender melhor o quadro do filho. No geral, os pais do autista são muito “batalhadores”, “investem nos filhos”, vão atrás de tudo, inclusive de benefícios do governo.

Em relação ao impacto do diagnóstico, a geneticista não possui dados, pois a criança já chega diagnosticada. Quanto ao impacto da notícia genética, pode-se dizer que a porcentagem de casos que são realmente conclusivos é muito pequena. Por exemplo, nenhuma das amostras analisadas no laboratório foram conclusivas para o teste exoma, que sequencia uma boa parte do material genético, em que nenhuma alteração foi considerada causativa. Foi possível encontrar variações potencialmente causativas, mas que não são conclusivas, o que gera certa frustação. Algumas famílias querem realizar o teste exoma, mesmo sendo explicado que ele é pouco conclusivo. Já aconteceu de uma família escolher pagar pelo teste e obter o mesmo resultado que o Aconselhamento Genético daria sem o teste: um risco de 10% para o próximo filho.

A entrevistadora questiona se os pais procuram o serviço pelo interesse em saber dos riscos para o segundo filho. A entrevistada relata que na maioria dos casos, o filho com autismo,

é o primeiro do casal. Todavia, mesmo quando se trata do segundo, os pais estão mais preocupados em resolver aquela situação do que ter outro filho. Nesse sentido, o impacto do diagnóstico é alto, uma vez que os pais se voltam totalmente para esse filho.

As crianças costumam frequentar escola regular, dependendo do grau de comprometimento. A maioria das crianças que chegam frequenta a Educação Infantil e está matriculada em escola regular.

A entrevistadora pergunta se é feito algum tipo de devolutiva ou acompanhamento dos casos. A geneticista diz que é feito um teste de sequenciamento de exoma para a pesquisa e, quando aparece um resultado conclusivo, ele é entregue para as famílias. Ela relata também que já foi feito um simpósio com o intuito de discutir teste genético com as famílias, bem como apresentar alguns resultados de pesquisas.

Quando questionada sobre a função do Aconselhamento Genético em casos de autismo, a geneticista relata se tratar de uma ferramenta de informação que oferece opções às famílias a respeito das possibilidades de escolha que circundam o próximo filho. Ela defende, por exemplo, um futuro em que as fertilizações possam dar a opção aos pais de evitar a doença genética no filho. “O nosso papel é dar as opções, quem tem que escolher são os pais”.

Nesse sentido, a possibilidade de edição genética ainda é limitada, em termos de uso para terapia, funcionando apenas como pesquisa, ou seja, na prática ainda não existe algo consistente. Entretanto, a pesquisadora enxerga isso como algo positivo. “Suponha que tenhamos uma variante que com certeza é de risco, se pudermos escolher um embrião que não tenha, é uma opção. Eu acho que por aí é um bom caminho”.

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