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2. A FICÇÃO, TUDO PARA O LEITOR: TÉCNICA NARRATIVA DE

2.2 Aspectos estruturais da narrativa do Quixote (Iª parte)

2.2.1 Primeira saída de Dom Quixote

Leitores em foco nesta seção: o próprio Dom Quixote («que se enfrascó tanto en su lectura, que (...) del poco dormir y del mucho leer, se le sacó el celebro de manera que vino a perder el juicio»), o barbeiro e o cura (leitores, críticos e censores de livros de cavalaria).

Os capítulos iniciais do Quixote, contam-nos José Montero Reguera e Martín de Riquer, apresentam alguns vestígios de que o romance teria germinado de uma narrativa

373 Ibidem, p. 86-87.

374 MONTERO REGUERA, José. Miguel de. Cervantes e o Quixote: de como surge o romance. In:

VIEIRA, Maria Augusta da Costa (Org.). Dom Quixote: letras e caminhos. São Paulo: Editora Universidade do Estado de São Paulo, 2006. p. 21.

128 curta. Há fortes indícios de que Cervantes teria sido influenciado por uma breve peça teatral, chamada Entremés de los Romances, e que havia escrito os primeiros capítulos como uma narrativa curta, na qual encerrava seu propósito inicial de aniquilar o gênero livros de cavalaria, ridicularizando os leitores dessa literatura, apresentada na loucura da personagem do cavaleiro andante. Dessa forma, Riquer acredita que Cervantes tenha imprimido à loucura de Dom Quixote traços inspirados na peça teatral, pois o autor: «(...), adoptaría pasajeramente la técnica de los desdoblamientos de la personalidad, que

abandonará muy pronto».375 Riquer está falando sobre as personagens cavalheirescas

que Dom Quixote acreditava ser, por alguns instantes, como, por exemplo: «(...) – dijo

don Quijote – (...); no me llamarías yo Reinaldos de Montalbán, si en levantándome de

este hecho no me lo pegare, apesar de todos sus encantamentos...».376 Existem outros momentos em que o cavaleiro se pensa outra personagem cavalheiresca, mas na maior parte da história, ele assume sua identidade de Dom Quixote.

Cervantes foi um escritor também de narrativas curtas (Rinconete y Cortadillo, El celoso extremeño, La tía fingida, Novela del Curioso Impertinente, que está no Quixote, como narrativa intercalada) e em 1613 publicou as Novelas ejemplares. Neste sentido, da produção de narrativas curtas cervantinas, Montero Reguera também acredita na hipótese de que “Talvez a ideia inicial do romance tenha sido inspirada em um anônimo Entremés de los Romances, que apresentava semelhanças evidentes com os primeiros capítulos da obra cervantina. (...)”. Salienta ainda, o cervantista, que “Os capítulos inspirados hipoteticamente no Entremés corresponderiam à primeira saída de Dom Quixote (capítulos 1-5): uma possível novela curta que constituiria o plano inicial

de Cervantes, isto é, o que parte da crítica denominou o Ur-Quijote”.377 Mais detalhista

ainda sobre a defesa dessa hipótese, Reguera apresenta um quadro378 no qual evidencia

as aproximações do Quixote com a peça Entremés de los Romances:

375 RIQUER, Martín. Para leer a Cervantes. Barcelona: Acantilhado, 2010. p. 134.

376 CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Prólogo (IIª parte). In: ______. Don Quijote de La

Mancha. Madrid: Alfaguara, 2004, p. 70.

377 REGUERA, José Montero. Miguel de. Cervantes e o Quixote: de como surge o romance. In: VIEIRA,

Maria Augusta da Costa (Org.). Dom Quixote: letras e caminhos. São Paulo: Editora Universidade do Estado de São Paulo, 2006. p. 21. Ver também: REGUERA, José Montero. Miguel de. El Quijote y

la Crítica Contemporánea. Alcalá de Henares: Centro de Estudios Cervantinos, 1997. (cap. VI).

129 Essas características marcam, pois, a composição da obra nos capítulos iniciais,

correspondentes à primeira saída de Dom Quixote, na configuração de uma diegesis

presença visível do narrador – sinalizada já na célebre frase que abre o romance: “En un

lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme...”. A primeira pessoa da voz do narrador nesta frase de abertura indica-nos qual postura adotará na narrativa, a de um consciente interventor na manipulação dos elementos da história, na escolha do que relatar. Porém, vale ressaltar que, na época de Cervantes, o verbo querer tinha uma

função de auxiliar, então a sentença ‘no quiero acordarme’ pode muito bem equivaler à

ideia de realmente não se lembrar com exatidão do lugar. De toda forma, o narrador cervantino contempla a ambiguidade que oscila entre essas duas vertentes, o que mais tarde, no desenvolvimento dos capítulos, Cervantes revelará a verdadeira face dessa situação imprecisa, através da identidade do autor da história: um historiador árabe. Martín de Riquer noticia a semelhança da frase cervantina com outras produções literárias populares no século XVII:

“En un lugar de la Mancha” constituyen un octosílabo que figura en el romance intitulado “El amante apaleado”, verso que debería tener cierta popularidad; y que la fórmula “de cuyo nombre no quiero acordarme” es propia del comienzo de un cuento popular (don Juan Manuel inicia un apólogo del “Conde Lucanor” así: “En una tierra de que non me acuerdo el nombre había un rey…”).379

130 O indicativo da literatura popular na primeira frase do Quixote aponta para uma

pragmática da narração popular, que permeará todo o texto. Estudos380 mostram que o

relato oral de um narrador profissional da época de Cervantes tem notáveis coincidências com as primeiras páginas do romance. Delineada, pois, a feição primeva do narrador cervantino, no capítulo seis da primeira parte do livro, sob a direção deste narrador, haverá o escrutínio da biblioteca de Dom Quixote na fogueira de livros, em que nos apresentará alguns tipos de leitores que promovem a seleção dos exemplares que se salvariam ou não do fogo. Quatro personagens participam do escrutínio: a ama e

a sobrinha de Dom Quixote e os dois leitores engendrados no capítulo – o maese

Nicolás, o barbeiro, e o cura, o eclesiástico. O diálogo entre os dois evidencia que o cura tem mais leituras que maese Nicolás, entretanto, o barbeiro é crucial na decisão do destino dos livros:

Y el primero que maese Nicolás le dio en las manos fue Los cuatro de

Amadís de Gaula,[…]; y dijo el cura: – Parece cosa de misterio ésta, porque, según he oído decir, este libro fue el primero de caballerías que se imprimió en España y todos los demás han tomado principio y origen de éste; y, así, me parece que, como a dogmatizador de una secta tan mala, le debemos sin excusa alguna condenar al fuego./ –No, señor – dijo el barbero –que también he oído decir que es el mejor de todos los libros que de este género se han compuesto; y así, como a único en su arte, se debe perdonar.381

Nesse diálogo, o elemento unificador entre os dois leitores é a informação que cada um tem do livro. Ambos, de ouvir dizer, evidenciam a sua importância como o primeiro e o melhor do gênero o que, a princípio, na avaliação do cura, não resguardaria o tomo do fogo. Contudo, o cura, acatando a justificativa de maese Nicolás de que «como a único en su arte, se debe perdonar», salva o Amadís de Gaula. No escrutínio da biblioteca de Dom Quixote, objetivando o extermínio dos livros de cavalaria, é importante destacar que o primeiro volume a ser inspecionado foi justamente o primeiro exemplar do gênero e que, por isso, foi absolvido da queima na fogueira. Este dado revela uma possibilidade que suspeita da integridade resoluta da meta do projeto de Cervantes na aniquilação deste gênero da literatura cavalheiresca. Isto é, será seguro afirmar contundentemente que o plano primordial de Cervantes era a destruição definitiva dos livros de cavalaria?

380 Estudos de Michel Moner e de George Haley. Ver FRENK, Margit. Oralidad, escritura, lectura. In:

CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Don Quijote de La Mancha. Madrid: Alfaguara, 2004. p. 1144. (Edición del IV Centenario)

131 Uma parte da crítica defendeu energeticamente o caráter autêntico e genuíno dessa posição (a nosso ver, cifrada) de Cervantes. Martín de Riquer, um dos mais importantes estudiosos de Cervantes e de sua obra, expõe claramente que o autor espanhol alcançou o que pretendia com a escrita do Quixote:

Lo cierto es que Cervantes se propuso satirizar y parodiar los libros de caballerías a fin de acabar con su lectura, que él consideraba nociva, y que, según demuestra la bibliografía, logró plenamente su propósito, pues después de publicado el Quijote menguan extraordinariamente, hasta desaparecer del todo, las ediciones españolas de libros de este género.382,383

Em nota de número 70 ao prólogo da primeira parte, Francisco Rico escreveu que «sólo al final Cervantes declara que su obra es una diatriba contra los libros de

caballería».384 Estes dois exemplos que trouxemos serão pertinentes quando analisarmos

mais profundamente, ainda neste capítulo, o distanciamento entre Cervantes como escritor empírico e Cervantes como suposto autor, à luz da teoria do plurilinguismo no romance, de Mikhail Bakhtin, uma vez que não se pode considerar como discurso puro da voz de Miguel de Cervantes o que foi dito através dos desdobramentos de vozes das personagens do romance (o discurso do cura, o discurso do amigo “engraçado” de Cervantes ficcionalizado que aparece no prólogo Iª parte ou a voz do narrador). Para que tenhamos uma ideia do pensamento de Bakhtin, ele entende que “O autor não está

382 RIQUER, Martín de. Cervantes y El Quijote. [s.l.: s.n.], 2004. In: CERVANTES, Miguel de. Don

Quijote de La Mancha. Edición del IV Centenario. Madrid: Alfaguara, 2004. p. LXV.

383 Há preocupação de alguns pesquisadores em investigar qual destino coube aos livros de cavalaria, e,

assim, procuram mapear a circulação e as publicações desse gênero na Espanha, após a investida contrária de Cervantes. Em 2000, foi publicada a obra Bibliografía de los libros de caballerías

castellanos, pelas "Prensas Universitarias de Zaragoza". Os autores Carmen Marín Pina e Daniel

Eisenberg (que fez um estudo similar em 1979) procuram mitigar o grande desconhecimento do

corpus cavalheiresco espanhol, pontuando a enorme carência de edições e estudos sobre o gênero.

Segundo os autores, os livros de cavalaria mais editados são Amadís de Gaula e Tirant lo Blanch, justamente os que foram salvos da fogueira no Dom Quixote, fato que eles atribuem ao critério do cura quixotesco, que vem influenciando, inclusive, estudiosos do gênero no século XX. Outros títulos de livros de cavalaria não recebem a mesma atenção. A revitalização dos estudos do gênero conta ainda com a publicação da obra Antología de libros de caballerías castellanos (2001), do professor do Centro de Estudios Cervantinos, José Manuel Lucía Megías. O projeto já contempla duas publicações de sua coleção: Los libros de Rocinante (ediciones de los libros de caballerías castellanos, son textos que no habían sido publicados desde el siglo XVI) e Guías de lectura Cabelleresca (complemento a

Los Libros de Rocinante, y constituyen, con su argumento, diccionario de personajes, listado, tabla de

capítulos, bibliografía y reproducción de páginas y grabados). Durante alguns séculos, Cervantes obteve algum êxito na investida contra os livros de cavalaria, mas o trabalho da crítica literária, por seu mérito, procura resgatar do limbo o celeiro, até então desamparado, dos livros de cavalaria. Não deixa de ser irônico o fato de ter sido criado, em pleno Centro de Estudios Cervantinos, um núcleo dedicado à promoção do gênero que Cervantes procurou elidir. Nesse sentido vemos o quanto a recepção crítica de uma obra é importante.

384 RICO, Francisco, nota 70. In: CERVANTES, Miguel de. Prólogo (Iª parte). In: ______. Don Quijote

132 na linguagem do narrador nem na linguagem literária normal, (...), mas ele se utiliza de

ambas para não entregar inteiramente as suas intenções a nenhuma delas...”.385 Neste

caso, não assimilamos que seja o próprio Cervantes quem fala, e que este ou aquele discurso constitui efetivamente seu posicionamento, pois que “(...) as intenções do autor, ao sofrerem refração através de todos esses planos (diferentes planos

linguísticos), podem não encontrar eco em nenhum deles”.386

O cervantista José Manuel Martín Morán adverte sobre essa leitura um tanto equivocada da crítica cervantina, e enuncia que Cervantes teria planos bem mais audaciosos com a escrita do Quixote:

A maioria dos críticos ressalta a desaprovação na tarefa de Cervantes: os livros de cavalaria estavam em franca decadência (nota 2).387 Dedicar obra

tão magna como o Quixote a combatê-los parece totalmente fora de questão; deve-se concluir que Cervantes teve objetivos mais amplos ao escrevê-lo, embora não os declarasse. [...]... a vontade de eliminar os livros de cavalaria do gosto do público implica uma série de reflexões a respeito das relações da obra com o leitor, do autor com sua obra e com o mundo que a acolhe, e da obra e do autor com o meio de difusão, de tal alcance e importância que seriam mais que suficientes para dotar o romance de transcendência. Portanto, não há por que buscar o significado último do Quixote fora dessa intenção declarada por Cervantes; sua realização compreende a busca de um novo código de representação e de uma nova relação entre literatura e vida, entre literatura e poder, que são o que dá forma ao texto inteiro do Quixote. Compartilhando da visão de Martín Morán, que não propõe descartar deliberadamente a intenção primeva do projeto cervantino de aniquilar os livros de cavalaria, assinalamos que a declaração do projeto do autor espanhol, tão explicitada, em refração na voz de suas personagens no romance, deve ser recepcionada pela crítica com maior profundidade, observando os diversos matizes para as quais o projeto

aponta: “...relações da obra com o leitor, do autor com sua obra e com o mundo que a

acolhe, e da obra e do autor com o meio de difusão...” É, pois, no desdobramento dos matizes do projeto cervantino que nos centraremos, principalmente na relação da obra com o leitor, salientando os perfis das personagens leitoras e seus discursos. Dessa forma, à continuação do diálogo entre o cura e o barbeiro no capítulo seis, do escrutínio da biblioteca de Dom Quixote, destacamos três passagens de metalinguagem em que

385 BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo:

HUCITEC, 2010. p. 119.

386 Ibidem, p. 116.

387 RIQUER, Martín. Cervantes y La Caballeresca. In: AVALLE-ARCE, Juan Bautista; RILEY, E.

(Orgs.). Suma Cervantina. Londres: Tamesis, 1973. p. 273-292. Defende a credibilidade das intenções de Cervantes com base na efetiva vitalidade do gênero cavalheiresco no final do século XVI.

133 são discutidos os seguintes temas: a distinção dos gêneros da literatura cavalheiresca, a presença incisivamente estrangeira na literatura espanhola e a autoficcionalização de Cervantes na autopromoção de uma de suas obras no seu próprio texto.

As relações do autor com a obra e com o meio que a acolhe acontece no texto cervantino de forma já mencionada - através da refração das vozes das personagens - em Cervantes discute os modelos literários a serem seguidos ou perseguidos, a partir da seleção de um leitor, como o cura. Assim, a distinção dos gêneros cavalheirescos constitui o primeiro tema de metalinguagem que abordamos. Se o Amadís de Gaula foi

salvo do fogo, seus descendentes diretos não receberam o mesmo tratamento: «– [...]Las

sergas de Esplandián, hijo legítimo de Amadís de Gaula./ – […] – dijo el cura – que no

le ha de valer al hijo la bondad del padre»388. Nesta apuração, pouquíssimos livros de

cavalaria foram salvos do fogo, cinco apenas: Amadís de Gaula, Espejo de caballerías, Palmerín de Inglaterra, Don Belianís e El pastor de Fílida. E, dos trinta livros vistoriados, dezesseis eram livros de cavalaria. No entanto, um tomo, além dos já absolvidos, provocou grande entusiasmo no cura, que, imediatamente após a sua identificação, explicitou ao barbeiro sua animação e contentamento:

–¡Válame Dios – dijo el cura, dando una gran voz –, que aquí estáTirante el Blanco! Dádmele acá, compadre, que hago cuenta que he hallado en él un tesoro de contento y una mina de pasatiempos. […]. Dígoos verdad, señor compadre, que por su estilo es éste el mejor libro del mundo: aquí comen los caballeros, y duermen y mueren en sus camas, y hacen testamento antes de su muerte, con estas cosas de que todos los demás libros de este género carecen. Con todo eso, os digo que merecía el que le compuso, pues no hizo tantas necesidades de industria, que le echaran a galeras por todos los días de su vida. Llevadle a casa y leedle, y veréis que es verdad cuanto de él os he dicho.389

O entusiasmo do cura se justifica porque a composição narrativa e estilística desse livro de tema cavalheiresco é muito diferente dos livros de cavalaria alvos do escrutínio. Martín de Riquer divisa as modulações de gênero da literatura cavalheiresca entre os séculos XII e XVII, quando nos relata que a figura do cavaleiro andante, que existiu na Europa, errava de corte em corte à procura de aventuras e que em torno dessa figura, existiu uma literatura que pode ser classificada em duas categorias: a biografia do cavaleiro e a novela cavalheiresca. A primeira categoria, a biografia do cavaleiro, se caracteriza como extensíssima acta notorial de uma ação armada, ou uma proeza do

388 CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. Don Quijote de La Mancha. Madrid: Alfaguara, 2004. p.

61.

389

134 cavaleiro digna de ser registrada: "perfecto índice de la caballería andante española en 1434".390 A segunda categoria, a novela cavalheiresca, é constituída de narrativas ficcionais, com personagem ficcional, de criação autoral, estruturadas com verossimilhança nos ideais reais dos cavaleiros andantes do século XV.

Porém, os livros de cavalaria pertencem a outro segmento da literatura cavalheiresca, distinto tanto da biografia do cavaleiro como da novela cavalheiresca. Nos livros de cavalaria, a ideia de verossimilhança com os ideais cavalheirescos não está presente. Riquer indica que os livros de cavalaria são, sobretudo, obras de imaginação, inseridas na linha artística que compreende desde as narrações em verso de Chrétien de Troyes até os longos relatos, como Lancelot em prosa francesa. Os livros de cavalaria, portanto, são modulados por particularidades bem específicas:

Esta línea – en oposición a las obras que se pueden integrar en lo que denominamos "novela caballeresca" – se caracteriza esencialmente por la presencia de elementos maravillosos (dragones, endriagos, serpientes, enanos, gigantes, edificios construidos por arte de magia, profundidades lacustres habitadas, exageradísima fuerza de caballeros, ambiente de misterio, etc.) y por situar la acción en tierras exóticas o lejanas y en un remotísimo pasado.391

Tirante el Blanco, na verdade, não é um livro de cavalaria, e sim um romance (novela) de cavalaria que serve de modelo para o desfecho do Quixote. Afinal, seu cavaleiro andante come, ainda que pouco, dorme e morre em sua cama após fazer o seu testamento:

Cerró con esto el testamento y, tomándole un desmayo, se tendió de largo a largo en la cama. […]. En fin, llegó el último de don Quijote, después de recibido todos los sacramentos y después de haber abominado con muchas y eficaces razones de los libros de caballerías. Hallose el escribano presente y dijo que nunca había leído en ningún libro de caballerías que algún caballero andante hubiese muerto en su lecho tan sosegadamente y tan cristiano como don Quijote; el cual, entre compasiones y lágrimas de los que allí se hallaron, dio su espíritu, quiero decir que se murió.392

Tirante el Blanco e Amadís de Gaula são os dois livros emblemáticos da literatura cavalheiresca, e nenhum deles pode-se atestar que tenha sido originalmente escrito em língua espanhola ou castelhana, sendo, porém, os dois grandes modelos tratados por Cervantes na escrita do Quixote. Tirante (1490) é de autoria do valenciano

390 RIQUER, Martín de. Cervantes y El Quijote, op.cit., p. LXIV. 391 Ibidem. p. LXV.

135 Joanot Martorell, escrito em valenciano, uma variante da língua catalã. E em torno do Amadís volteia a imprecisão da pátria, portanto, da língua de sua autoria, se espanhola ou portuguesa. Houve uma época em que se cogitou que fosse de autoria francesa, hipótese já descartada.393

No século XVII, essa era uma das modalidades de prosa traduzida à sua língua espanhola, e que circulava na sociedade. Contudo, muito antes, no século XIII, conta- nos Martín de Riquer, a matéria de Bretanha tinha sido acolhida e adaptada às literaturas da Espanha, e livros como Santo Grial, El Tristán e El Merlín se tornaram muito

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