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PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES

No documento NELSON RODRIGUES E A LITERATURA DE MASSA (páginas 64-69)

Dois anos depois de sua estreia como romancista nos jornais cariocas (1946), Nelson Rodrigues ingressou naquele teatro que ele mesmo chamou de “desagradável”, povoado de obsessões, mitos e do qual fazem parte as peças Álbum de família, Anjo negro, Dorotéia e Senhora dos afogados. A primeira delas (Álbum de família), por ter introduzido a nova temática no teatro (já consagrado) do autor de Vestido de Noiva, sofreu o ataque da censura – tendo sido liberada para encenação apenas em 1967 – e foi alvo de inúmeras críticas. A propósito, uma das mais fortes críticas dirigidas à peça foi a que o dramaturgo Raymundo Magalhães Júnior publicou no mesmo ano de 1946, quando o texto rodrigueano saiu a público:

Seus personagens são brutos eróticos, desenhados mais ou menos linearmente, de forma primária e grosseira; todos eles anormais, tarados, digamos mesmo monstruosos, chafurdando-se na degradação e todos eles dominados por um único pensamento: o de continuarem se degradando.

A “improbabilidade” nessa peça entra pelos olhos. Uma família como aquela,

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muito provavelmente nunca terá existido. A impressão que o Sr. Nelson Rodrigues nos dá é a de que quis fazer uma peça para escandalizar e para provocar polêmica, um pouco cabotinescamente. O elogio fácil parece que está estragando um autor de muitas possibilidades. Oxalá não se esgote um talento como o seu em tarefas inferiores, como os folhetins rocambolescos que escreve sob pseudônimo feminino, nem falte ânimo para enterrar este pobre

Álbum de família (Magalhães Júnior

[1946] apud FACINA, 2004).

Embora o texto de Magalhães Júnior trate prioritariamente de uma obra teatral, há um ponto em que o foco é desviado, de modo indireto, para outra instância: o romance de Nelson Rodrigues. Interessa-nos, de modo muito específico, este desvio, no qual o autor consegue deixar clara sua rejeição à atividade de Nelson Rodrigues enquanto romancista. O trecho “Oxalá não se

esgote um talento como o seu em tarefas inferiores, como os folhetins rocambolescos que escreve sob pseudônimo feminino

(...)”, demonstra, de forma contundente, a desvalorização que se impôs em torno dos folhetins rodrigueanos. O próprio adjetivo utilizado para se referir a eles –

rocambolesco – é empregado num tom pejorativo, numa

clara alusão aos modos oitocentistas de produção folhetinesca – Rocambole é um consagrado personagem do folhetinista francês Ponson du Terrail.

Um outro exemplo bastante significativo dessa desvalorização pode ser encontrada nas palavras do poeta e também dramaturgo Oswald de Andrade, que recebia a figura de Nelson Rodrigues com certas restrições. Em um texto intitulado “Pra que censura?”, publicado em 29 de

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junho de 1949, Oswald assim se posiciona em relação ao autor de Álbum de família:

Uma das maiores provas do nosso baixo nível intelectual é a importância que assumiu no teatro desses últimos tempos o Sr. Nelson Rodrigues. Gente de responsabilidade se deixou levar pelo fescenino vestido de noiva entreaberto com que apresentou as polpudas coxas de sua imoralidade.

Nem sabendo que o Sr. Nelson Rodrigues é o folhetinista medíocre que usa o pseudônimo de Suzana Flag, a crítica recolheu as orelhas de asno com que saudou a sua estrepitosa aparição. Estrepitosa por causa da montagem que lhe deram “Os comediantes” e da facilidade de se compreender através de alguns sustos cômicos uma simples notícia de jornal que foi o seu primeiro enredo.

Não serei eu quem vá querer moralizar seja o teatro, seja o Sr. Nelson Rodrigues. Atingi bastante displicência na minha longa carreira ante aberrações de qualquer natureza. Sou apenas inimigo da completa parvoíce literária do autor de Álbum de família. Não há uma frase que se salve em todo o cansativo texto de seus dramalhões. De modo que incomodar gente séria e ocupada para censurar mais uma grosseira patacoada do Sr. Nelson Rodrigues é abracadabrante (ANDRADE, 2007, p. 452).

Ou neste outro texto, de 08 de junho de 1952: O caso Nelson Rodrigues demonstra simplesmente os abismos de nossa

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incultura. Num país medianamente civilizado, a polícia literária impediria que a sua melhor obra passasse de um folhetim de jornalão de quinta classe. Mas não temos nem crítica nem críticos. E o caos trazido pela revolução mundial que se processa sob todas as formas, permitiu que qualquer fístula aparecesse em cena vestida de noiva (ANDRADE, 2007, p. 539).

Ambos os textos de Oswald de Andrade situam-se numa posição nitidamente contrária à literatura de Nelson Rodrigues, tanto em termos teatrais como de sua produção literária em geral. Destacamos, nesses textos, os termos com que Andrade caracteriza Nelson e os folhetins escritos por ele, como “folhetinista medíocre que

usa o pseudônimo de Suzana Flag” e “folhetim de jornalão de quinta classe”.

Exemplos como os supracitados afirmam a insistência em se considerar o folhetim como um gênero menor. Um dos motivos da desvalorização dos romances rodrigueanos é justamente a questão da forma, isto é, o estilo folhetinesco. E tecidas as devidas considerações acerca da figura de Nelson Rodrigues e da importância de seus escritos para o conjunto da Literatura Brasileira (tarefa levada a cabo na primeira parte deste livro), está dado o primeiro passo para a compreensão do que pode ser definido o escopo deste trabalho: a investigação da literatura folhetinesca rodrigueana. Agora, porém, há um segundo ponto que deve ser estudado. É preciso que se compreenda esse gênero no qual Nelson obteve tão espetacular sucesso e pelo qual foi tão atacado: o romance-folhetim. Do que se trata? Como caracterizá-lo? De que forma surgiu, como se instalou no Brasil e quais foram os seus desdobramentos no decorrer do

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amadurecimento literário do país? Cabe também investigar, aqui, os motivos da desvalorização do folhetim, bem como as críticas que são feitas ao gênero, para depois relacioná-lo à figura de Nelson Rodrigues.

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No documento NELSON RODRIGUES E A LITERATURA DE MASSA (páginas 64-69)