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MAPA 6 Localização das PCHs no Rio Uberabinha – MG

2.2. As Primeiras Normas do Setor Elétrico

Mesmo que, historicamente, o uso de PCHs tenha sido primário, sua conceitualização legal só ocorreu, de fato, a partir de 1980, e o que se teve antes deste período foram referências a este tipo de empreendimento, sem defini-lo diretamente.

A primeira regulamentação sobre o uso dos recursos hídricos veio com o Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, conhecido como Código de Águas. Esta norma não faz referência à definição das PCHs, mas coloca uma simplificação para os aproveitamentos com potência inferior a 50 KW, de uso exclusivo do proprietário, que não depende de autorização ou concessão, devendo somente notificar o órgão responsável (DECRETO 24.643/34). O artigo 141 deste decreto complementa que para os aproveitamentos com potência até 150 KW é necessária uma simples autorização. Portanto, para os aproveitamentos com um determinado potencial limite se terá uma forma mais simplificada de regulação do uso dos recursos hídricos. Ou seja, se o aproveitamento é de até 50 KW, este empreendimento deverá ser somente notificado ao órgão ambiental, mas se a produção for de 50 KW até 150 KW, deverá passar por uma simples autorização.

Uma série de outras características é colocada no Código de Águas, mas como se trata de uma lei antiga - e o setor elétrico já sofreu muitas alterações em relação aos órgãos competentes e às definições legais - esse assunto não será aprofundado nesse momento. Mas é preciso observar que desde aquela época a produção hidroenergética era uma fonte a ser incentivada e, principalmente, isenta de passar por normas mais rígidas.

Neste período o uso do bem hídrico era direcionado a uma produção, a uma atividade que, em sua maioria, tinha a finalidade de minimizar os custos produtivos. Além disso, se priorizava a exploração por aqueles que tinham em sua propriedade o bem hídrico, ou que detinham pelo menos a maior parte da seção do curso d’água. Atualmente, se vê que os investidores na

produção hidroenergética não se preocupam com esta prerrogativa, pois o próprio governo justifica a desapropriação em nome da utilidade pública que tem uma usina hidrelétrica, como discutido no item 4 deste Capítulo.

A administração dos serviços de energia elétrica e a regulamentação do Código de Águas foram feitos pelo Decreto-Lei nº 41.019, de 26 de fevereiro de 1957. A exploração dos serviços de energia elétrica eram dever exclusivo da União, mas com o Decreto-Lei 41.019/57 (art. 37, p. 8) “A União poderá transferir aos Estados as atribuições para conceder, autorizar ou fiscalizar os serviços de energia elétrica, na forma prevista neste Capítulo.”.

Neste momento, os estados, quando providos de estrutura e organizados dentro das exigências legais, poderão ter atribuições em relação às fontes de energia hidráulica e sua utilização, com algumas exceções, como nos casos de obras com potência superior a 10.000 KW (DECRETO-LEI 41.019/57, art. 41). Daí decorre a interpretação de que os estados exercerão atribuições de autorização e concessão de fontes de energia hidráulica em empreendimentos com potência igual ou inferior a 10.000 KW.

Esta é considerada a primeira referência sobre a definição inicial de empreendimentos de menor envergadura. Entendida como a primeira referência à definição legal para as PCHs, que demandam formas menos burocráticas de concessões e autorizações, conforme colocou Carneiro (2010, p. 8) “Essa, portanto, é a primeira referência concreta, na qual o limite de potência caracterizando os aproveitamentos com um determinado porte merecia um tratamento diferenciado e simplificado.”.

O artigo 66, do Decreto 41.019/57, complementa que a autorização federal e a execução dos serviços das usinas hidrelétricas com potência superior a 50 KW e inferior a 150 KW será concedida ao uso exclusivo do permissionário - definido como aquele que recebeu a permissão para explorar os recursos hídricos. Foi com base neste artigo que se passou a aplicar ao conceito de PCH a produção superior a 50 KW e inferior a 150 KW.

No artigo 108 (DECRETO 41.019/57, p. 24, grifo nosso) são colocados alguns dos direitos dos concessionários:

Art 108. Para executar as obras necessárias ao serviço concedido, bem como para explorar a concessão, o concessionário terá, além das regalias e favores constantes

das leis fiscais, e especiais, os seguintes direitos:

a) utilizar os terrenos de domínio público e estabelecer servidões nos mesmos e através das estradas, caminhos e vias públicas, com sujeição aos regulamentos administrativos;

b) desapropriar, nos prédios particulares e nas autorizações preexistentes, os bens, inclusive as águas particulares sôbre que verse a concessão, e os direitos que forem necessários, de acôrdo com a lei que regula a desapropriação por utilidade pública, ficando a seu cargo a liquidação e pagamento das indenizações;

c) estabelecer as servidões permanentes ou temporárias exigidas para as obras hidráulicas e para o transporte em distribuição de energia elétrica;

d) construir estradas de ferro, rodovias, linhas telefônicas, ou telegráficas, sem prejuízo de terceiros, para uso exclusivo da exploração;

e) estabelecer linhas de transmissão e de distribuição.

Observa-se que as vantagens para o empreendedor não se restringem somente aos incentivos fiscais e especiais, mas também, à estruturação do local, de forma a fomentar o investimento. Este processo, de estruturação de um local para receber um investimento, só ocorre pelo fato de ser uma empresa, porém quando se trata de atender às necessidades de uma população este mesmo processo é muito mais moroso ou nem mesmo ocorre. Esta dependência de melhorias na infraestrutura regional acontece somente a partir da vinda de uma empresa, aguça as desigualdades e não atende a população perante as suas necessidades.

É preciso reconhecer as necessidades das populações e regularizar as atividades econômicas, para que estas não se sobreponham às condições e modos de vida dessa população. Na contramão deste pensamento, o governo, na verdade, atua no sentido de justificar e fomentar o avanço dos empreendedores nas regiões brasileiras. As normas vigentes dão cada vez mais vantagens e subsídios a eles e do outro lado não garante a continuidade das condições socioambientais. Godinho e Filho (2003, p. 55) discutem esta falta de condições que deveriam ser resguardadas ao cidadão, mas que são colocadas a margem do processo de desenvolvimento nacional.

No Brasil, os resultados do processo de desenvolvimento não têm sido muito animadores em termos de garantia de um padrão básico de qualidade de vida para todos os cidadãos. O fio condutor deste processo, o econômico, tem-se desenvolvido de forma desvinculada, descompromissada com resultados sociais.

É exatamente neste caminho que o governo tem mostrado seus números e seus avanços, com o aumento do quantitativo de empresas, indústrias e da riqueza nacional, que não são distribuídas e não inserem as populações no seu contexto de avanço. As hidrelétricas têm este mesmo perfil. O uso e a modificação de um bem natural em favor do avanço de PCHs não resguardam a sua população da manutenção de um bem natural com qualidade e em equilíbrio com outros elementos, importantes não só para o homem, mas também, para todo o ecossistema.

Godinho e Filho (2003, p. 55) complementam: “[...] é como se o desenvolvimento econômico seguisse uma linha separada, sem uma relação com o social.”. E é assim que o dito progresso chega às regiões, pois as construções de hidrelétricas são justificativas para que o grande capital avance nestas regiões, com a exploração não só deste novo território, mas também, das pessoas que ali vivem.

As PCHs, colocadas como fontes alternativas de energia, têm se espalhado pelas regiões brasileiras pela facilitação econômica, fiscal, social e ambiental concedida a elas. O avanço das normas e o não cumprimento das questões socioambientais, seguindo o modelo do capitalismo global, é consequência da opção em minimizar os custos da produção hidroelétrica, excluindo os custos socioambientais das atividades econômicas. Este cenário amplo, que interfere nas políticas nacionais, pode ser entendido a partir de Capra (2005, p. 157): “[...] a competitividade da economia global é tão grande que a legislação ambiental, em vez de ser fortalecida, é cada vez mais enfraquecida a fim de fazer baixar os custos da produção industrial.”. Produção industrial tanto da energia hidráulica como daqueles que usufruem dos baixos preços concedidos às grandes empresas.