• Nenhum resultado encontrado

1 - O convencionalismo historicista

A discussão de Leo Strauss acerca do historicismo é verdadeiramente labiríntica. Poderá dizer-se, pelo menos em jeito introdutório, que o seu fio condutor é o seguinte: a crítica historicista do direito natural é também uma crítica da concepção clássica de filosofia. Neste sentido, o historicismo é anti-filosófico. Mas porque também é uma crítica do direito natural confunde-se, nesse aspecto, com o convencionalismo clássico, ou seja, com a filosofia clássica que afirma o carácter convencional de todo o direito. O historicismo é então um convencionalismo anti- filosófico. Ora, a filosofia socrática, uma versão da filosofia clássica que, por sinal, não rejeita a possibilidade de direito natural, inicia a demonstração dessa possibilidade a partir da tese filosófica do convencionalismo do direito. Por conseguinte, para demonstrar a possibilidade de direito natural Leo Strauss tem de começar por defender ideia de filosofia da crítica historicista.35

35

Disse-se que a discussão do historicismo de Strauss é labiríntica. A bem dizer, é labiríntica porque não são explicitamente enunciados os autores historicistas visados, ou apenas muito ocasionalmente, nem explicado o argumento geral de Strauss. É possível, porém, identificar pelo menos quatro grande versões de historicismo a partir da análise de Strauss. São eles o historicismo pré-teórico, o historicismo positivista (não há propriamente um historicismo positivista, mas o pensamento de Max Weber, por exemplo, combina elementos positivistas e elementos historicistas), o historicismo teórico e, por último, o historicismo existencialista ou radical (discordamos por isso da descrição feita por Luc Ferry em

O convencionalismo (filosófico), essencialmente não-socrático, por um lado, e a filosofia socrática, por outro, adoptam basicamente a mesma concepção de filosofia (philosophia), a saber, a concepção de filosofia enquanto descoberta da natureza (physis).36 Como a filosofia é a ascensão das opiniões ao conhecimento (episteme) ou verdade (aletheia) e, por outro lado, como a verdade corresponde ao conhecimento da ordem eterna, a filosofia clássica considerada por Leo Strauss (convencionalismo e filosofia socrática) identifica a descoberta da natureza com o conhecimento da ordem eterna ou, para aludir mais uma vez à alegoria de Platão, com a ascensão da “Caverna”.37

Como a verdade corresponde ao conhecimento da ordem eterna, ou seja, ao conhecimento de algo invariável, os clássicos identificam a norma com a natureza.38 Contudo, esta ideia precisa de ser adjectivada. O convencionalismo filosófico, por contraposição à filosofia socrática – que por sinal se recusa a encarar as coisas humanas ou políticas “à luz da distinção subversiva entre natureza e lei (convenção)”39

–, entende que a convenção (nomos) não participa na ordem eterna ou que é simplesmente diferente da natureza.40 Asseverar que a convenção não participa na ordem eterna equivale a afirmar que as coisas humanas ou políticas, como as leis ou as noções de

Rights: the New Quarrel Between the Ancients and the Moderns, trad. Franklin Philip, University of

Chicago Press, Chicago, 1990, p. 30).

36Os filósofos convencionalistas são os filósofos pré-socráticos ou, em bom rigor, todos os filósofos que

rejeitam a existência do conhecimento do direito natural. Neste sentido, “filósofos convencionalistas” equivale a “sofistas”. Sobre alguns dos primeiros filósofos convencionalistas considere-se Susan Jarratt, “The First Sophists and the Uses of History”, Rhetoric Review, Vol. 6, No. 1, 1987, pp. 67-78 e a extremamente útil lista de G. Kerferd, em “The First Greek Sophists”, The Classical Review, Vol. 64, No. 1, 1950, pp. 8-10. Os pré-socráticos pareciam identificar o estudo da natureza com o estudo das coisas primeiras – compare-se DNH, pp. 72 e ss. com William Heidel, “A Study of the Conception of Nature among the Pre-Socratics”, Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences, Vol. 45, No. 4, 1910, pp. 80 e ss. Sócrates não, como veremos a partir do sexto capítulo. Heidel e William Chase Green, tendem a discordar de John Burnet (Early Greek Philosophy, A. & C. Clark, London, 1930, p. 14), que faz equivaler a physis “às coisas das quais tudo é feito”, porque entendem que physis também contém o significado do “nexo causal de todas as coisas num todo” - Green, “Fate, Good, and Evil in Pre- Socratic Philosophy”, Harvard Studies in Classical Philology, Vol. 47, 1936, p. 88.

37Compare-se DNH, p. 78 com p. 13. Cf. Platão, República, 514a. Corrigiremos esta ideia no sexto

capítulo.

38DNH, pp. 77-78. Será prudente fazer aqui uma ressalva no que diz respeito a Demócrito. Cf.

Aristóteles, Metafísica, 1009b7.

39

DNH, p. 105.

40Sobre esta distinção veja-se Popper, The Open Society and It's Enemies, vol. 1, Routledge & Kegan

justiça ou de direito do homem, nunca podem ser conformes à ordem eterna. Nesse caso, aquilo que é convencional ou variável (coisas humanas ou políticas) é necessariamente menos digno que aquilo que é invariável ou eterno (coisas naturais ou seres). Se o conhecimento da ordem eterna é invariável, poderá aferir-se que, para o convencionalismo filosófico, a opinião se assemelha à convenção no seu carácter variável e menos digno.41

Para Leo Strauss, a filosofia socrática distingue-se do convencionalismo filosófico na delimitação do universo da physis. Como filósofo convencionalista entende, ao observar, entre outras coisas, a evidente existência de uma “infinita variedade” de noções de direito e justiça, que as coisas políticas são simplesmente variáveis ou convencionais, a concepção da physis da filosofia convencionalista exclui as coisas políticas da ordem eterna.42 Não há filosofia política propriamente dita para o convencionalista, isto é, filosofia enquanto procura do conhecimento das coisas políticas. Na sua perspectiva, toda a filosofia é uma filosofia sobre as coisas naturais não-políticas. O próprio conhecimento de que não há conhecimento das coisas políticas corresponde a uma intelecção sobre as coisas naturais não-políticas.43 No entanto, dizer que não há verdade no direito equivale a reconhecer que o homem enquanto homem não pode senão ter opiniões acerca das soluções e problemas políticos ou humanos.44 Isso não quer dizer que o filósofo convencionalista não reconhece a existência de

41Cf. DNH, p. 13. A ideia decisiva do raciocínio de Strauss é a de que, segundo a filosofia clássica, a

opinião é variável e o conhecimento é invariável.

42

Ibid., p. 81. Compare-se com p. 13. Veja-se ainda Luís Cabral de Moncada, Estudos de Filosofia do Direito e Do Estado, Vol. II, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004, pp. 150 e ss.

43Richard Velkley estará errado ao dizer que a primeira versão da filosofia política era convencionalista

porque para um convencionalista não se pode substituir opiniões sobre as coisas políticas pelo conhecimento das coisas políticas. Ou seja, os convencionalistas ainda não apreenderam o carácter

peculiar das coisas políticas. Cf. “On the Roots of Rationalism: Strauss’s Natural Right and History as

Response to Heidegger”, The Review of Politics, Vol. 70, 2008, p. 246. 44

Para compreender a afirmação de Strauss de que Sócrates fundou a filosofia ou ciência política, é necessário entender que já havia pensamento político, i.e., pensamento sobre as coisas humanas ou políticas, antes de Sócrates. Apenas com Sócrates, porém, o pensamento político passou a reivindicar ser filosófico ou científico. Considere-se DNH, p. 71. Sobre algumas formas de convencionalismo filosófico que se debruçam sobre as coisas humanas veja-se, por exemplo, ibid., p. 81 e Heraclito, Fragmentos

Contextualizados, trad. Alexandre Costa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2005, p. 153,

fragmento XCIII. Como se perceberá no sexto capítulo deste trabalho, a filosofia socrática não considera as coisas humanas simplesmente variáveis, o que será outra forma de dizer que as coisas humanas não são simplesmente convencionais.

problemas e soluções fundamentais, mas apenas que esses problemas e soluções fundamentais não são políticos ou humanos. O convencionalismo filosófico subtrai a carga política ou humana das soluções e dos problemas filosóficos. O mesmo vale por dizer, para a filosofia convencionalista as soluções e os problemas filosóficos correspondem a questões humanas acerca de coisas não-humanas. Se a filosofia clássica for a ascensão da opinião ao conhecimento, para a filosofia convencionalista a filosofia é a ascensão das opiniões sobre os problemas e soluções ao conhecimento dos problemas e soluções não-humanos. Ou seja, a filosofia é a condição necessária, mas insuficiente, do aparecimento da filosofia política e, por isso, da compreensão do problema do direito natural.45

Se não é uma filosofia da política, como é que a filosofia convencionalista encara a ausência do conhecimento do direito natural?

O homem é “demasiado fraco” para “viver” ou “viver bem” se não viver em sociedade.46 Mas em sociedade é necessário “estabilizar” de algum modo as opiniões dos homens para que possa haver “paz”. O direito é “útil”. Ao rejeitar-se a possibilidade da “verdade” no direito, isto é, de um direito por natureza invariável, também se rejeita a possibilidade de alcançar a paz através do conhecimento filosófico. A opinião sobre as coisas políticas é então obrigada a transformar-se, não em conhecimento, pois não pode, mas num “dogma público”. Este é, no fundo, uma mera opinião que se reveste de “autoridade”. É uma opinião levada a apresentar-se como uma coisa puramente verdadeira.47 Por outras palavras, o dogma público é a tentativa de a sociedade apresentar o (seu) direito como uma coisa simplesmente verdadeira, de encobrir o seu carácter simplesmente arbitrário e, assim, de estabilizar as opiniões dos homens.48

45

O convencionalismo filosófico reconhece a existência de uma arte política, mas essa arte política não se pode transformar em filosofia política porque está desligada da ordem eterna. Daí a que os famosos convencionalistas clássicos, como Trasímaco e Górgias, por exemplo, valorizem tanto a retórica ou a arte da persuasão. A retórica não está ao serviço da justiça porque a justiça não participa na ordem eterna – a retórica é uma arte independente.

46

Compare-se DNH, p. 13 com p. 93.

47

Disfarçar o direito com um carácter simplesmente invariável, constituindo-se assim numa fonte de autoridade política, parece ser parte do significado de dogma público, para Strauss.

Se, para os filósofos clássicos em geral, a filosofia for a ascensão das opiniões ao conhecimento, ao dizer que “filosofar” pressupõe a ascensão do “dogma público” ao “conhecimento privado”, em bom rigor Strauss está a insinuar que para um filósofo convencionalista a filosofia pressupõe a ascensão da opinião – utilmente cultivada em sociedade, de que o seu direito participa na ordem eterna (metafísica), ou de que a justiça tem um suporte divino (teologia) –, ao conhecimento de que todo o direito é convencional. Se todo o direito for convencional, a vida consagrada à justiça não é a vida conforme à natureza.49 Para um convencionalista, o conhecimento privado é o de que a cidade e, em especial, as convenções humanas, não podem ser simplesmente conformes à natureza ou verdade. Por outras palavras, o regime político, bem como as demais coisas políticas, não podem ser de acordo com a natureza.50

Para um convencionalista, o problema acima descrito não é um problema da filosofia per se, e sim político, porque não encara a pretensão de verdade do direito da sociedade qua sociedade como uma pretensão natural. Por outras palavras, para o filósofo convencionalista é “útil” à sociedade consagrar a verdade do seu direito, mas não é natural, ou seja, não há uma necessidade, apenas utilidade, de toda a sociedade qua sociedade apresentar o seu direito como verdadeiro.51

À primeira vista o historicismo parece ser simplesmente idêntico ao convencionalismo filosófico. Ambos afirmam o carácter convencional de todo o direito. Ou seja, rejeitam o direito natural, a sua necessidade, e a possibilidade de filosofia da política.52 Contudo, por ser anti-filosófico, o historicismo dá o passo adicional de rejeitar a premissa clássica da possibilidade de ascender da opinião ao conhecimento. E para o convencionalismo filosófico, a ascensão filosófica consiste na ascensão da convenção ou do dogma público ao conhecimento privado: o conhecimento privado consiste na ideia de que o bem do homem corresponde, não à vida consagrada aos

49Ibid., pp. 92 e ss.

50Cf. Ibid., pp. 13-14. Strauss limita-se a insinuar a ideia de que o convencionalismo reconhece a

necessidade de direito natural, i.e., da necessidade de o direito assumir um carácter invariável. Veja-se também, Ibid., p. 93 e a nota respectiva.

51

O convencionalismo filosófico é suficiente para detectar a utilidade de a cidade afirmar o seu direito como um direito superior ou verdadeiro – veja-se Ibid., p. 93. Cf. Platão, Protágoras, 322b6 e 327c4-e1.

52Razão pela qual Strauss diz em LAM, p. 29 que “há uma semelhança entre o historicismo moderno e o

outros, àquilo que é comum, ou à vida justa e nobre, mas à vida dedicada ao bem individual ou ao prazer.53 A filosofia do prazer ou o hedonismo é a solução humana par excellence, apenas porque não existem soluções humanas ou políticas fundamentais. O prazer é tudo o que resta.

O historicismo elimina, não só a filosofia das soluções políticas ou humanas (filosofia socrática), mas também a filosofia das soluções não-humanas (filosofia convencionalista), por um lado, e, por outro, a filosofia dos problemas, seja entendida como uma filosofia dos problemas políticos ou humanos (filosofia socrática), seja entendida apenas como uma filosofia dos problemas não-humanos (filosofia convencionalista). Para simplificar, o historicismo elimina a filosofia no sentido clássico.

Ao impedir a ascensão das opiniões ao conhecimento, o historicismo torna o homem necessariamente refém da opinião. Torná-lo refém da opinião quer dizer impedi-lo de ascender da “Caverna” e, correndo o risco de saturar o uso da metáfora platónica, incapacitá-lo até de encarar a “Caverna” enquanto tal. Para um filósofo convencionalista, a impossibilidade de ascender da “Caverna” equivale à impossibilidade de descobrir a vida boa enquanto vida dedicada ao prazer ou ao bem pessoal; para um socrático, por seu turno, equivale à impossibilidade de descobrir a vida boa, ou seja, de perguntar “qual é o melhor modo de vida?”.54

O historicismo é verdadeiramente original porque conjuga a rejeição da filosofia dos problemas com a rejeição da filosofia das soluções; imitando assim, de algum modo, o pensamento político pré-filosófico que ignorava por completo essas possibilidades. Na verdade, vai mais longe do que o próprio pensamento pré-filosófico

53Na sua carta a Meneceu, Epicuro diz “pois temos necessidade de prazer quando nos afligimos, porque o

prazer não está presente; mas quando não nos afligimos, então não temos necessidade de prazer; e a este respeito, afirmamos, que o prazer é o princípio e o fim de viver em felicidade” - Diógenes Laércio, The

Lifes and Opinions of Eminent Philosophers, trad. C. G. Yonge, Bohn's Cassical Library, London, 1915,

pp. 470 e ss. Compare-se com Cícero, República, III, 26, para a enunciação da crítica hedonista ou epicurista do homem que identifica o prazer com o bem e louva a justiça em si mesma. Em De finibus Cícero desenvolve os argumentos da tese hedonista. Cf. I, 30; 32; 33; 35; 37; 38; 42; 45, etc.

54Isto quer dizer que toda a filosofia clássica admite a existência de uma vida conforme à natureza ou,

noutros termos, admitem a “primazia do bem sobre o justo – cf. DNH, p. 82. A partir do sexto capítulo perceberemos que esta é a questão política fundamental para Sócrates e Aristóteles. Tendo em consideração esta ideia, Strauss diz que o historicismo “certamente cria dúvidas quanto à própria questão da natureza das coisas políticas e da justa ou melhor ordem política” – cf. WIPP, p. 57.

original, pois, como se verá, impede o reconhecimento de qualquer tipo de normas objectivas (teológicas, filosóficas, mitológicas, etc.). Para rejeitar a filosofia, o historicismo começa por assinalar a incapacidade de o homem intuir a ordem eterna. Mas ao fazê-lo contesta a própria premissa filosófica clássica de que o conhecimento da ordem eterna, ou da natureza, é a norma – o papel da filosofia já não é conhecer a norma.55 Segundo o historicismo, o papel da filosofia passa a ser investigar as ordens temporais ou histórias, os produtos da criatividade humana.56 A verdadeira fonte de normas não é a ordem eterna, mas a liberdade ou criatividade humana que se manifesta na história.57 Se, para a filosofia clássica, a natureza goza de uma dignidade superior às “obras humanas” e, sem se querer ser anacrónico, à “história”, para o historicismo, a natureza passa a ter tanta dignidade como as obras humanas (que incluem as concepções de justiça), ou seja, em alternativa, passa a ser considerada inferior em dignidade à liberdade ou à história.58

2 – O historicismo pré-teórico

São inúmeros os autores que sustentam a ideia de que a crítica historicista começou por ser uma crítica do direito natural e que, apenas mais tarde, essa crítica se transformou numa crítica da ideia de filosofia per se.59 Wilhelm Dilthey, Leo Strauss e

55Segundo Strauss existem fontes clássicas que argumentam a mesma coisa, como, por exemplo,

Lucrécio – LAM, p. 85 – “o recurso aos deuses da religião e o medo deles já é um remédio para um sofrimento mais fundamental: o sofrimento que decorre do palpite de que aquilo que é digno de ser amado não é sempiterno ou de que o sempiterno não é digno de ser amado”.

56Cf. WIPP, p. 56 – “a filosofia política não é uma disciplina histórica. As questões filosóficas da

natureza das coisas políticas e da justa ou melhor ordem política são fundamentalmente diferentes das questões históricas, que estão preocupadas com individuais: grupos individuais, seres humanos individuais, conquistas individuais, “civilizações individuais”, o “processo” individual da civilização humana do seu início até ao presente, e por aí em diante.

57

Ideia retomada na primeira parte do quarto capítulo. Veja-se, por exemplo, Karl Löwith and Leo Strauss, “Correspondence”, op. cit., p. 109.

58Considere-se FPP, pp. 65-66 – o historicismo é uma forma de retaliação do racionalismo por rejeitar a

“theoria em nome da praxis, que [por sua vez] já não é inteligível enquanto praxis” (o itálico é nosso).

59Sobre esta questão veja-se, por exemplo, Herbert Schnädelbach, Philosophie in Deutschland 1831-1933

(1983), tradução inglesa: Philosophy in Germany 1831-1933, trad. Eric Matthews, Cambridge University Press, Cambridge, 1984, pp. 38-39. Veja-se ainda a tese de doutoramento de Nasser Behnegar, “Leo Strauss's Critique of Historicism: A Dissertation Submitted to the Faculty of the Division of Social Sciences in Candiday for the Degree of Doctor of Philosophy”, Committee on Social Thought, Chicago,

Herbert Schnädelbach, por exemplo, parecem concordar que a escola histórica carece de uma “fundação filosófica”.60

A crítica do primeiro historicismo depende da negação dos princípios universais (filosofia) apenas porque os princípios morais das doutrinas de direito natural (filosofia política) pressupõem a existência de princípios universais. Com efeito, a crítica historicista dos princípios universais visa atingir o carácter universal e transcendente dos princípios morais ou, noutros termos, demonstrar que todos os princípios morais são, ao cabo e ao resto, princípios individuais, particulares ou históricos. Como se verá, para demonstrar a inexistência de princípios universais, o primeiro historicismo limita-se a procurar demonstrar que as coisas políticas ou humanas locais e temporais são mais dignas que as políticas ou humanas universais. No fundo, limita-se a procurar demonstrar que os princípios, normas e direitos históricos são superiores aos princípios, normas e direitos universais. Comecemos pelo princípio.61

Dito de uma forma simples, para o historicismo pré-teórico, os princípios históricos são mais dignos que os princípios universais porque, do ponto de vista das coisas humanas ou políticas, o reconhecimento de princípios universais surte um efeito político necessariamente revolucionário. Neste sentido, o historicismo contesta categoricamente a necessidade de qualquer versão de direito natural.62

December, 1993, pp. 59 e ss e Charles Bambach, Heidegger, Dilthey and the Crisis of Historicism, Cornell University Press, Ithaca and London, 1995, p. 140.

60Sobre a necessidade de criticar o direito natural para fundar um novo sentido do “histórico”, veja-se,

por exemplo, Meinecke, op. cit., p. 22. Strauss identifica a entrada em cena, digamos assim, do historicismo, com a emergência da escola histórica do início do séc. XIX, i.e., com figuras como Leopold Von Ranke, Johann Gustav Droysen, etc. Sobre a questão da origem ou raízes do historicismo, a literatura tende a discordar. Em relação ao vasto assunto da origem do historicismo considere-se, adicionalmente, Strauss, WIPP, pp. 57-58, Karl Löwith, Meaning in History, University of Chicago Press, Chicago, 1949; Friedrich Meinecke, op. cit.; Wilhelm Dilthey, Die Typen der Weltanschauung und

ihre Ausbildung in den metaphysischen Systemen (1919), tradução espanhola Theoria de las Concepciones del Mundo, trad. Julián Marías, Revista de Occidente, Madrid, S.D., tradução portuguesa Os Tipos de Concepção do Mundo, trad. Artur Morão, Luso Sofia Press, Lisboa, 1992; Calvin Rand,

“Two Meanings of Historicism in the Writings of Dilthey, Troeltsch, and Meinecke”, Journal of the

History of Ideas, Vol. 25, No. 4, 1964, pp. 504 e ss.

Documentos relacionados