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CAPÍTULO 3 O CAPITAL FAZ A ORDEM NA PRIMEIRA

3.1. O PRIMEIRO ANO DA GESTÃO: O DESAFIO DE CONSTRUIR UM ESTADO NO

Na mensagem de início de governo, em 1892, Muniz Freire ressalta o “compromisso que o seu partido assumiu de esforçar-se para criar uma pátria grande para os espírito- santenses”15. No entanto, tem uma visão pouco positiva do ambiente social, político e econômico, no que diz respeito aos primeiros tempos da República no país.

Desta forma, troquei perante vós em obediência aos vossos votos, as duas delegações mais honrosas que em toda a minha vida pública poderei receber do Estado que me foi berço – a de representa-lo na grande e patriótica assembleia que organizou o código fundamental da nossa existência política, e a de vir depois presidir os seus destinos neste período agitado de reconstituição, sucedâneo de uma revolução que destruiu os velhos moldes, e de outra que inutilizou infeliz e tresloucada política do primeiro governo da República16.

Muniz Freire destaca sua tarefa de reconstituir o Estado após a proclamação da República e a queda de Deodoro. Vindo da constituinte, a primeira republicana, a visão que orienta seu discurso de posse de governo é a de que o Espírito Santo é um Estado fraco e que até então foi governado de fora, “reduzidos à posição imbecil de quem não tem autoridade própria”17

. Logo a seguir, apresenta dados mais positivos. Com uma população de cerca de duzentas mil pessoas, afirma que talvez não haja em todo o país um

15 Mensagem Estado do Espírito Santo, Vitória, edição de 1892, p.2. 16

Ibidem, p.1.

109 Estado que apresente proporção igual de riqueza calculada sobre as estatísticas de produção. Habitado por um povo tão laborioso, possuindo elementos inesgotáveis de riqueza e uma cultura sem par nos lucros que deixa, sendo o 8º ou 9º estado da União em rendas públicas; para vergonha nossa o Espírito Santo ocupa ainda aos olhos do Brasil inteiro o lugar de Estado de 4º classe18.

A percepção de Muniz Freire sobre a capacidade econômica do Estado é positiva em termos do potencial do Estado e negativa em termos da realidade. Sua lista de intenções é rica: “o que nós precisamos fundar é um Estado em plena posse de si mesmo, em que o patriotismo assente no verdadeiro amor social, e não exclusivamente na condição material de nascimento”19

, apontando para a inclusão social e para o não privilégio dos bem nascidos. Diz mais: “que viva dentro de si com próprios elementos de sua política, de seu comércio, das suas inteligências, de suas riquezas quaisquer”20

, apontando para o protagonismo de seus habitantes e recursos.

É no discurso de abertura do primeiro governo republicano que a importância da criação e concentração do capital se mostra uma necessidade já percebida. De maneira evidente, o positivista Muniz assume a importância de se criar uma base de capital para alcançar o progresso.Vejamos um trecho do discurso:

Os motivos dessa situação contraditória de há muito que eu os tenho assinalado e discutido na imprensa. Nós temos a riqueza agrícola esparsa na pequena propriedade, força poderosa quando concentrados os seus elementos, mas insignificante quando dispersos como nós a temos.

É preciso que produzamos a riqueza geradora, a riqueza concentradora, a riqueza que colige todos os elementos da riqueza e os distribua por todo o organismo. Sabeis que refiro-me à riqueza comercial e à outra que dela emerge -o capital.21

Ao contrário de São Paulo, onde predominavam as grandes propriedades, no Espírito Santo prevaleciam as pequenas propriedades familiares. Isso resultava em pouca concentração de capital, pois a produção por propriedade era pequena. Interessante a percepção de Muniz Freire, ligando o fato de o Estado ser governado de fora, ser considerado de 4ª classe e ter a necessidade de produção e concentração de capital. Seu 18 Ibidem, p.4. 19 Ibidem, p.2. 20 Idem. 21 Ibidem, p.4.

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plano era tomar providências para o Estado se tornasse referência no cenário nacional, no qual São Paulo se destacava. Tendo isso em vista, ele passa a listar as providências que deveria tomar para alcançar essa concentração de capitais: introduzir novos agentes de trabalho, referindo-se à imigração; valorizar a propriedade territorial para o desenvolvimento dos transportes, base de todo o progresso econômico e do futuro; regularizar a questão do transporte ferroviário, o grande plano do governo de Muniz Freire. Até aqui, o resumo da mensagem para o primeiro ano de governo era sobre a necessidade de dar condições de produção do capital, especificamente, estruturando a infraestrutura para a produção de café. Essa era a nova ordem sonhada no campo econômico, que teria reflexos em outras frentes.

Em tempo, essa ideia do poder econômico de fora governar e sujeitar as instâncias de poder está no belo trabalho de Antônio Carlos de Medeiros, analisando o momento em que várias grandes indústrias foram implantadas no Espírito Santo, especialmente após os anos 1970, trazendo uma perspectiva de desenvolvimento, progresso, geração de emprego e renda, tornando-se uma alternativa à secular dependência que os setores público e privado tinham da economia do café. Mas esses empreendimentos foram erguidos, segundo Medeiros (1977)22, à margem da participação da população, e até de grande parte das elites políticas e econômicas locais (ainda baseadas na cultura do café, e sem disposições industriais). Elites que foram substituídas por lideranças outras, mais alinhadas com o novo tempo e discurso, gerando o que Muniz Freire chamou de “desautonomia relativa do Estado” frente às empresas de grande impacto econômico, social e ambiental. Essas empresas trouxeram uma nova dinâmica econômica e, com ela, a submissão das ações do governo às suas necessidades. O autor diz que:

(...) a implantação destes Grandes Projetos poderia reforçar o potencial de ingerência do Governo Federal na esfera estadual, além de trazer para o palco um novo foco de poder, o das corporações estrangeiras envolvidas, contribuir-se-ia para a marginalização dos poderes público e privado capixabas e o Espírito Santo correria o risco de perder sua já reduzida autonomia. (MEDEIROS, 1977, p.3).

22 Para uma melhor análise desse tema confira MEDEIROS, A. C. Espírito Santo: a industrialização como

fator de desautonomia relativa. Dissertação de mestrado em Administração Pública. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1977. 83f.

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De certa forma, no período aqui estudado aconteceu uma desautonomia relativa do Estado, que, como se verá, teve seu orçamento pautado pelo capital internacional apartir de certo momento. Na busca por indícios de como Muniz Freire professou construir a ordem, colhemos algumas pistas em seus pronunciamentos, pródigos em afirmações. Neles, ele afirma que a questão econômica é à base de todo o futuro do Estado e que “a grande questão é saber o que convém ao Estado; o interesse justo e alevantado dos empresários deve subordinar-se a essa lei”23. Provavelmente, os interesses dos empresários já tinham chegado aos seus ouvidos, pois, imediatamente antes dessa afirmação, ele diz que era necessário “administrar a reboque dos pretendentes e fiar a nossa sorte da ganância dos especuladores”24. No decorrer da análise, veremos indícios de como Muniz Freire lidou com essa realidade.

Muniz Freire reafirmou a importância da crítica ao seu governo, mas que preferia a crítica de boa fé e o ânimo elevado, para que o resultado da crítica fosse a felicidade comum. Seria um ótimo caminho para a construção de uma ordem democrática ou, ao menos, de características democráticas na ordem social, porém, veremos que a oposição sempre foi tratada com agressividade, mergulhados que estavam, Muniz e a oposição, em uma guerra política, longe do desenvolvimento moral proposto por Comte. A proposta de ordem estava pronta. Na mensagem ao Congresso de 1893 ela começará a ser colocada em prática.