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Conheci através do Colóquio / um professor passou aqui e deixou um convite / como é uma coisa que me interessa, porque, na verdade, assim, eu, meu sonho é fazer um doutorado, certo? / então intercompreensão, intercomunicação é parecido / então eu fui lá, né / mas depois não me aprofundei mais (...)

Eu acho que eu fui só um dia / eu não lembro / faz muito tempo já (...) Não, depois não participei de mais nada (...)

(2) desenvolvimento de atividade

Sim, aí, é, é, é, eu lembro que eu fiquei, assim, eu sempre gostei de, eu, sempre tive muita vontade de aprender línguas estrangeiras / só que, assim, eu, eu, a única língua que eu consegui desenvolver foi o espanhol / e um pouquinho do inglês, um pouquinho, nada de profundo (...) Então eu desenvolvi um trabalho que é assim que é / nós fizemos uma metalinguagem / que é, que foi um trabalho com os professores / a possibilidade de trabalhar várias linguagens em sala de aula / ao mesmo tempo, inclusive libras, em apenas um trabalho audiovisual / a gente incluiu a música, né, que é uma linguagem / a interpretação dessa música com imagem, né / que foi o clipe que nós fizemos com roteiro, com embasamento da linguagem da fotografia e a linguagem do vídeo / depois nós trabalhamos o quê? / a tradução dessa música, essa tradução do inglês pro português / e fizemos uma legenda em caracteres / e depois a gente fez a mesma tradução em libras (...)

Aí entrou cinco linguagens num único trabalho de três minutos e meio (...)

(3) projeções futuras

Primeiro eu queria participar de uma oficina pra entender melhor o que é a intercompreensão / que no momento eu, assim, eu confundo com a intercomunicação (...)

Na verdade, tudo que for pra somar no desenvolvimento desse trabalho em sala de aula é louvável, entendeu? (...)

Eu tô me sentindo assim super leigo / porque eu não domino o assunto / só essas técnicas / mas eu me sentiria muito grato se eu pudesse ter uma introdução do assunto / e também desenvolver outros trabalhos pra melhorar o desenvolvimento do professor em sala de aula / se eu puder contribuir, eu agradeceria

Fonte – Quadro elaborado pela autora desta pesquisa, 2017

A maioria dos fragmentos sublinhados se encontra no tema (2) e aponta para rupturas. Ao observarmos a forma como o discurso se arranja, essas rupturas ocorrem sobretudo no início da fala, o que poderia sugerir um constrangimento inicial, pelo fato de o entrevistado ainda não se ter sentido à vontade. A entrevista, contudo, durou cerca de meia-hora, sendo assim, no momento em que E1 desenvolveu o tema (2), já se haviam passado mais de dez minutos, o que não mais configuraria as interrupções motivadas por constrangimento inicial.

Ao que nos parece, quando E1 faz arranjos confusos (2) “que é, que foi” ou “que é assim que é”, isso coincide com momentos em que discorre sobre algo que lhe é desconhecido. No final do tema (2) quase não ocorrem as rupturas, ocasião em que o primeiro entrevistado relata um trabalho desenvolvido com a intercomunicação, sua área

61 A pergunta de partida foi acrescida de dois questionamentos: Como foi desenvolvida essa atividade? e

Quais são suas pretensões futuras?. Optamos por não intervir muito na fala do entrevistado para que as declarações fossem espontâneas e não parecessem direcionadas, ou seja, induzidas.

de atuação desde 2007, quando começou a desenvolver atividades na instituição em que trabalha.

A insistência em afirmar que não mais lembrava de detalhes sobre o I Colóquio ocorrido em 2013: (1) “Eu acho que eu fui só um dia / eu não lembro / faz muito tempo já” e a desenvoltura com que descreve as atividades desenvolvidas desde 2007, cronologicamente mais distantes em relação ao ano de 2013, também sugerem hesitação ou confusão. A nosso ver, essa incoerência se deveria mais à insegurança em relação à falta de intimidade com o assunto: “Eu tô me sentindo assim super leigo / porque eu não domino o assunto” do que ao nervosismo motivado pelas circunstâncias de produção do discurso.

Nos temas (1) e (2), encontramos sequências de arranque, ou seja, sequências marcadas por recorrências ou repetições (BARDIN, 1979). São recorrentes os elementos: “é”, “assim”, “eu”, “aí”, que, no contexto, ocorrem sobretudo em momentos de tentativas de explicação. Algumas repetições também são significativas, tais como: (1) “então”, (2) “um pouquinho”, (2) e (3) variações do termo “desenvolver”, que apontam para justificativas que dão ênfase, por exemplo, a posição do entrevistado diante do segundo tema: desenvolvimento de atividades. Tudo leva a crer que o conhecimento “nada de profundo” em línguas teria desmotivado E1 a desenvolver atividades a partir da IC.

Não é à toa que exatamente o termo “desenvolvimento” se repita ao longo da entrevista: (2) “desenvolver”, desenvolvi” (3) “desenvolver”, “desenvolvimento”. Essa reiteração funcionaria quase como uma denegação, quando o entrevistado, ao duvidar de suas próprias afirmações tenta se autoconvencer e a repete a fim de convencer o outro (BARDIN, 1979). Ressaltamos que essas denegações são frequentes nos nossos discursos, não temos a intenção, com essas suposições, de desmerecer o discurso alheio, mas tão somente apontar nele um arranjo, muitas vezes, inconsciente, que pode revelar insegurança, constrangimento, nervosismo, ou seja, reações passíveis de estar presentes em quaisquer de nossas falas, nas mais diversas situações de uso.

Em suma, as marcas de ruptura, de denegação ou de arranjos confusos apontam- nos uma fala estruturada na insegurança. Tal como ocorreu com as respostas dadas ao questionário, confirmamos e reforçamos por meio da entrevista que o sujeito solicita aprofundamento sobre o tema. No caso deste primeiro entrevistado, observamos a utilização da palavra “leigo” como ênfase do desconhecimento acerca do tema IC. Levando em conta o fato de a didática do plurilinguismo ser uma didática baseada em transferências e de essas transferências implicarem a construção de inferências

(MEISSNER, 2008), é possível afirmar que a insegurança pode constituir um obstáculo inicial à prática intercompreensiva.

Para que esses obstáculos sejam ultrapassados, as formações docentes precisam considerar o vai-e-vem permanente entre as realidades locais e os aportes teóricos. Tão importante quanto refletir sobre as teorias é observar a realidade local para que as estratégias propostas possam favorecer a aproximação do aprendiz com um repertório de línguas-culturas (DEGACHE, 2006). Sob esse olhar, refletir sobre as causas da insegurança do professor pode contribuir para que o medo seja educado e gere coragem, conforme ressalta o teórico Freire (2011) ao defender a pedagogia da autonomia.

Passemos, então, às falas do segundo sujeito, também caracterizado pela inicial maiúscula E, seguida de um número. Lembramos que este segundo entrevistado, ao saber que desenvolvíamos uma pesquisa sobre a IC, procurou-nos e ofereceu-se para relatar sua experiência. Assim como fizemos com a primeira transcrição, na fase de pré-análise (BARDIN, 1979), dividimos o texto a partir dos três temas gerados da mesma pergunta de partida, com o mesmo propósito de selecionar informações relevantes para a discussão.

As barras continuam a indicar o limite das declarações e, dentro dos parênteses, permanecem as reticências a marcar cortes nessas proposições. Para os momentos de exploração do material e tratamento dos resultados obtidos, respectivamente, a segunda e a terceira fase da análise, levamos em conta a organização do discurso. As falas do segundo entrevistado se organizaram por meio do que Bardin (1979) denomina raciocínio sucessivo, ou seja, aquele cujo arranjo se dá por afirmação, problematização, reafirmação.

Quadro 15 – Excertos da entrevista realizada com o segundo entrevistado

Pergunta de partida: Como se deu seu primeiro contato com a intercompreensão?62

E2