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Relato 4: Os sujeitos não atuam em sala de aula e aplicaram um jogo confeccionado pela própria dupla com colegas do setor onde trabalham, na SME.

O jogo consistia em distribuir cartões com palavras em espanhol e italiano. Além desses cartões com palavras, havia outros com gravuras correspondentes ao primeiro grupo de cartões. Dessa forma, o colega de repartição deveria encontrar o par de cartões correspondente: palavra e gravura. Também deveriam identificar a língua (espanhol ou italiano). Foi gravado um vídeo curto por meio do qual os sujeitos exibiram parte da atividade. Nas imagens os colegas demonstravam entusiasmo e curiosidade ao participarem da proposta lúdica.

Fonte – Quadro elaborado pela autora desta pesquisa, 2017

A primeira dupla partiu de três línguas românicas: espanhol, italiano e francês. Essa escolha demonstra predisposição a maiores riscos, uma vez que os sujeitos desconhecem as línguas selecionadas, por conseguinte, colocam-se em pé de igualdade com os alunos. Ao utilizarem como estratégia de leitura a busca por similaridades lexicais, proporcionam aos aprendizes o reconhecimento da família linguística oriunda do latim, o que favorece a discussão dos textos pelo viés cultural. O público alvo, inserido em contexto de constatáveis limitações socioeconômicas, sente-se valorizado ao perceber que é capaz de compreender textos escritos em línguas diferentes da LM.

As falas proferidas tanto pelo aprendiz (“Eu não vou conseguir”) quanto pelo professor (“Eu vou aprender junto com vocês”), reforçam a autonomia e destaque dados à relação professor-aluno como equivalente, no sentido de estarem juntos em face do desconhecido. Essa equidade proporciona a ambos o protagonismo no processo de aprendizagem (DE CARLO et al, 2016), motivando-os a construir saberes a partir do estímulo à curiosidade, assim como da evocação de conhecimentos prévios até então ignorados, como o fato de associarem expressões aprendidas na praia aos idiomas presentes nos textos trabalhados.

A presença de uma novata fluente em inglês na sala poderia tê-los intimidado, mas os sujeitos sabem enriquecer a atividade proposta aos alunos com a inclusão dessa aluna, falante de outra LE, diferente daquelas que estão sendo abordadas. A reflexão sobre a prática docente se deve, entre outros fatores, à atitude dos sujeitos em se posicionar no

lugar dos aprendizes. Tal comportamento, inusitado para os alunos, contribui para a quebra de paradigmas consagrados há séculos na esfera educacional.

A segunda dupla propõe um texto em espanhol, língua frequentemente considerada como muito próxima da língua portuguesa. Embora essa associação seja verdadeira e, aparentemente, os riscos a serem experimentados pelos sujeitos sejam menores, a aula estruturada em torno de um foco diferente já proporciona uma prática intercompreensiva. A resistência inicial dos aprendizes é natural, dada a proposta de uma situação fora de padrões aos quais estão habituados. Após a fase de estranhamento, percebem que a língua utilizada na atividade não é o português e a maioria identifica inclusive a LE em questão: o espanhol

Por ser considerada a turma mais difícil da escola no critério disciplinar, a experiência com a IC mostra ter sido essa aula uma das poucas em que todos se envolvem com uma atividade. O mais surpreendente é que até solicitam outra experiência, a partir de línguas diversas. O fato de a turma ser rotulada como “indisciplinada” talvez tenha facilitado a “ousadia” que um dos alunos teve de tentar ler em espanhol, em voz alta, mesmo sem conhecer esse idioma formalmente. É comum, nesses contextos de indisciplinaridade comportamental entre adolescentes, alguns desafiarem o professor, chamando a atenção para si.

Se, para os sujeitos, existe a crença de que é preciso saber línguas estrangeiras antes de propor uma prática com a IC: “Não tenho o domínio”, essa vivência em sala de aula, parece ter expandido os horizontes pedagógicos, pois os professores não apenas gostam da experiência como pretendem repeti-la. As percepções, portanto, sinalizam para a compreensão basilar, em se tratando de IC, de que, para poder se comunicar, cada um pode falar a sua própria língua e tentar compreender a dos outros (MUÑOZ; BURGOS, 2013).

Aqueles que propõem a canção do “parabéns” em italiano, a terceira dupla, experimentam uma vivência musical, visto que todos tentam cantar a partir do conhecimento prévio da melodia. Os sujeitos mencionam que um dos alunos pensou tratar-se de um texto escrito em tupi-guarani. De acordo com estudo do IBGE83, há cerca de 900 mil índios no Brasil, divididos entre 305 etnias, falantes de pelo menos 274 línguas. A diversidade é inerente à história dos brasileiros; um comentário dessa categoria, ainda que se possa classificar como uma “brincadeira”, pode funcionar como

83 Censo de 2010. Para maiores informações, ver: http://www.bbc/portuguese/brasil-36682290 ou o próprio

ponto de partida para uma discussão pertinente e enriquecedora a partir da IC. Mesmo porque o monolinguismo e o monoculturalismo cerceiam a diversidade étnica.

Atitudes plurais contribuem para diversificar o ensino-aprendizagem nas mais diversas áreas do conhecimento. Apesar da insegurança vivenciada pelas duplas antes da aplicação da atividade, a tentativa bem-sucedida de interação com as turmas constituiu uma mediação cujo objetivo é reduzir a distância entre os dois pólos que se encontravam em estado de tensão um em relação ao outro (BEACCO et al, 2015).

O único grupo a trabalhar em trio, apesar de não atuar em sala de aula, promoveu o que Nóvoa (2009) considera uma ligação entre as dimensões pessoais e profissionais, valorizando o trabalho em equipe e o compromisso social com o outro. O jogo elaborado pelos sujeitos favoreceu a aprendizagem autônoma, o potencial e a formação pessoal (BEACCO et al, 2015). Os relatos, pois, oferecem um panorama promissor para a IC na perspectiva de expansão dentro do contexto educacional potiguar. Para tanto, são necessárias, entre outras ações já destacadas, políticas de fixação do professor nas escolas, juntamente com o desenvolvimento desse profissional através de formações adaptadas a um conhecimento mais aprofundado da IC, além do acompanhamento das práticas docentes.

Como a abordagem intercompreensiva implica uma grande responsabilidade do aprendiz (MEISSNER, 2008), no contexto brasileiro, onde a profissão docente, assim como a esfera pública, já não recebe a valorização devida, essa responsabilidade caminha ao lado dos desprazeres profissionais. A IC é uma forma de exercitar a alteridade, de estimular o professor a abandonar o papel tradicional de transmissor do saber para, centrado no aprendiz, poder atuar na construção de um saber compartilhado, mantendo, pois, uma dinâmica de trocas.

Quadro 26 – Relato das experiências – apresentações individuais (Grupo III)

Sujeito 1 Relato 1: O sujeito optou por trabalhar individualmente devido a questões