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CAPÍTULO I História da institucionalização de crianças e

6. O início das atividades / encontros

6.2. O Primeiro encontro: “Quem sou eu?”

Neste primeiro encontro, marcado para as nove e meia, cheguei quinze minutos mais cedo para organizar a sala e o material. A biblioteca já estava aberta e organizada. Entrei e distribuí o material sobre a mesa, deixando tudo à vista. Aos poucos foram chegando os adolescentes.

A primeira a entrar na sala foi a Bella, que me cumprimentou demonstrando certa timidez e curiosidade. Em seguida foram entrando os demais e se sentando ao redor da mesa. Eu estava sentada no tapete de EVA em um dos lados da mesa, já sem os meus sapatos. O último a entrar foi Scot, que parecia um pouco distraído, tentando focar a atenção na atividade. Todos estavam arrumados, alguns com os cabelos molhados, e foi possível perceber sua preocupação com a boa apresentação naquele momento.

Propus uma roda de apresentação na qual cada um diria seu nome e idade.

Bella, dezesseis anos, pediu para começar, disse sorrindo seu nome e idade; na sequência, apresentaram-se: Pity, treze anos; Felipe, quinze anos; Gabriel, doze anos; Ana Clara, treze anos; Thaís, quatorze anos; Bianca, doze anos; e Scot, quinze anos. Percebi que Thaís balançava o corpo para frente e para trás, continuamente.

Expliquei o objetivo e a proposta do trabalho a ser realizado nos encontros. Informei que se tratava de um trabalho de pesquisa, que seria apresentado na universidade no formato de uma dissertação de mestrado. Felipe me perguntou o que seria isso e expliquei a diferença entre a graduação e a pós graduação. Esclareci, ainda, que a participação deles

deveria ser voluntária, podendo participar dos encontros apenas aqueles que desejassem. Perguntei, então, se alguém não se sentia à vontade para participar. Olharam-se entre si, parecendo esperar uma resposta do grupo. Todos decidiram permanecer. Felipe me perguntou se ao final eu escreveria um livro, respondi que o trabalho final da dissertação é parecido com um livro.

Falei para o grupo que o material disposto na mesa era para ser usado da forma que eles quisessem e que nesse dia, como era um encontro de apresentações, a proposta era de que colocassem no papel quem eles são e que contassem sobre si, por meio da escrita, do desenho, da pintura, da colagem ou da maneira de sentissem vontade.

Houve silêncio, olharam-se entre si parecendo esperar que o outro começasse primeiro. De repente, Pity pegou uma folha e perguntou:

- Posso usar o que quiser? Respondi:

- O que quiser.

Em seguida, iniciou um desenho. Aos poucos, todos foram procurando no material disponibilizado aqueles que os interessavam.

Felipe:

- Posso usar só o lápis preto? Respondi:

- O que quiser.

Ana Clara escolheu alguns lápis de colorir e começou a escrever pintando por cima das frases. Thaís permanecia balançando o corpo, mas, agora, com uma folha de sulfite e um lápis preto na mão.

Gabriel perguntou-me:

- Tem que ser tipo assim uma biografia da vida? Esclareci:

- Pode ser uma biografia bem resumida.

Percebi que Gabriel estava procurando uma maneira de colocar no papel o que ele queria dizer. Procurou folhas de diferentes cores. A primeira página foi jogada fora e em seguida iniciou a escrita com lápis preto em uma folha de cartolina verde.

Bianca apagou várias vezes seu desenho, parecia não ficar satisfeita com o resultado.

Felipe terminou e perguntou a Thaís se ela queria ajuda, ela aceitou.

Thaís levantou-se e sentou ao lado de Felipe. Este foi anotando a fala dela em uma folha da qual Thaís copiou seu texto, em outra folha. Ficou evidente a dificuldade de escrita de Thaís, no entanto, mesmo todos já tendo terminado seus trabalhos, aguardavam pacientemente que ela concluísse sua cópia. Durante este período de espera, Scot escolheu na biblioteca uma revista em quadrinhos e ficou lendo em um dos cantos da sala.

Quando Thaís finalizou seu trabalho, perguntei quem gostaria de falar sobre o que desenhou e escreveu. Bella se prontificou:

- Quem sou eu? Sou Bella, dezesseis anos, moro numa instituição há muito tempo e sou um pouco tímida, às vezes sorridente, às vezes muito brincalhona. Gosto muito de ir ao shopping assistir um cinema ou tomar casquinha, gosto de ir ao Playcenter, ao Hopi Hari, ir para o clube, de sair com os amigos, etc. Também, sou educada com quem é comigo, honesta, não gosto de falsidade. Gosto muito dos meus irmãos e de quem mora comigo. Não gosto de quando estou lendo e me atrapalham, ou quando

ouço rádio ou quando estou fazendo outra coisa. Gosto, às vezes, de ficar sozinha. Gosto muito de mexer na internet e tirar muitas fotos. Gosto também de ir à praia.

Em seguida, Bianca disse que não falaria sobre o seu desenho. Respondi que ela poderia ficar à vontade e que só falasse quando quisesse.

Gabriel pediu para ler:

- Bom dia! Meu nome Gabriel H. dos S., tenho doze anos, data de nascimento 31/03/1997. Sou filho de A. P. dos S.; nome do pai, não sei. Primeiro vou falar as minhas qualidades boas e ruins. Sou uma pessoa inteligente. Sou uma pessoa que sabe ouvir. Sou uma pessoa sorridente, alegre. Sou uma pessoa simpática. Segundo, vou falar as minhas qualidades ruins. Sou uma pessoa que pede as coisas, tipo objetos. Sou uma pessoa que não sabe ouvir!!! PS: Tenho quatro irmãos: Edward R. dos S., quatorze anos, P. V. dos S., onze anos, J. P., cinco anos, Maria não sei o que, zero anos. PS: somos filhos de pai diferentes, só de mãe igual... Fim!

Pity interrompeu, como se quisesse muito a vez para falar:

- Sou eu, sou eu, sou eu... Oi, meu nome é Pity da S. R., eu sou uma pessoa sorridente e triste. Eu gosto de jogar bola, eu gosto de mexer no computador e gosto de ir à praia e gosto de ir ao clube escola.

Sorriu. Perguntei quem mais gostaria de falar e Felipe se prontificou.

- Meu nome é Felipe, tenho quinze anos, gosto de jogar bola, andar de bicicleta e me divertir muito. Sou feliz, estudo, estou na 8ª. série. Moro na instituição faz treze anos, gosto de onde eu moro e de mim mesmo.

Em seguida, perguntou à Thaís se ela queria ajuda para ler e ela aceitou.

minha escola e das tias, gosto de que vou começar a trabalhar. Eu vou de perua para a escola, gosto de todos, gosto de minha professora, de nadar, do pessoal do Bola de Neve, de ouvir música, jogar vôlei.

Ana Clara:

- Agora sou eu. Eu tenho 12 anos, aqui é muito bom, “mara”, gosto muito da minha cama, é muito fofa. Gosto muito da minha irmã. Tem Bianca, que tem doze, e a Thaís, que tem treze anos.

Scot continuava no canto, mas, agora, olhando para o grupo. Mas, seu olhar parecia estar longe, como se estivesse em outro lugar. Perguntei:

- Scot, que mostrar o seu? Scot:

- Ah! Sim. Meu nome é Scot e gosto muito de desenhar.

Solicitei que eles deixassem comigo seus trabalhos. Gabriel me perguntou quando eu voltaria. Informei a data do próximo encontro que seria dali a dois dias e perguntei se o horário de nove e meia estava bom para eles ou se seria muito cedo. Gabriel falou que é um horário bom, pois, depois da “atividade”, almoçam e à tarde, como estão em férias, vão ao clube escola.

Felipe perguntou se havia acabado e informei que sim; despedimo-nos e eles saíram da sala. Quando ele se levantou, com certa dificuldade, observei sua deficiência nas duas pernas. Elas são bem menores, desproporcionais em relação ao tronco e aos braços, fazendo com que ele ande devagar e balançando o corpo a cada passo.

Permaneci sozinha guardando os materiais na bolsa e fiquei impressionada com a participação de todos e a educação deles. Na verdade, acho que esperava um grupo mais

rebelde, com mais resistências aos encontros e às atividades propostas. Mas, ao contrário disso, encontrei pessoas receptivas e bem adaptadas às atividades.

Constatei estar com um grupo de oito adolescentes, sendo um com dificuldade para andar, outra com dificuldade para ler e escrever e um bastante organizado e organizador, Gabriel.

Nesse momento, a pergunta que me ocorreu foi: “Como pensar atividades nas quais todos possam participar, sem deixar ninguém de fora? Será que Thaís acompanhará textos mais elaborados? Será que Felipe realizará dinâmicas de grupo que envolvam atividades físicas?”.

Saí da biblioteca e a psicóloga do abrigo veio até mim para perguntar se havia corrido tudo bem. Eu disse que sim, mas que estava pensando em adaptar algumas das atividades programadas. Ela me perguntou se eu gostaria que Thaís saísse do grupo para facilitar as atividades de escrita. Respondi que considerava importante que ela permanecesse, pois mesmo não estando no meu planejamento nem na escolha da população para a pesquisa trabalhar com adolescentes com deficiência intelectual ou física, Thaís faz parte do grupo, e, independentemente de sua condição, é uma adolescente que tem sua história para construir e contar.

Carol, a psicóloga, ainda me informou que havia mais um adolescente, o Edward, que naquele dia estava ausente, pois tinha ido fazer um teste em uma escola de futebol. Contou que, geralmente, Edward não aceita participar das atividades propostas pelo abrigo e que provavelmente ele não participaria dos encontros. Respondi que tudo bem, que ele poderia escolher, já que a participação seria voluntária.

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