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Primeiro princípio: diferenciação entre aquisição e aprendizagem

2.3 O MODELO DA CRIAÇÃO CONSTRUTIVA DE KRASHEN

2.3.1 Primeiro princípio: diferenciação entre aquisição e aprendizagem

A primeira hipótese proposta por Krashen (2009) refere-se à distinção dos termos aquisição (acquisition) e aprendizagen (learning). Para o autor, adquirir um idioma significa saber utilizar a língua para se comunicar e envolve um conhecimento prático que permite ao sujeito estabelecer diálogos.

Nessa visão, a aquisição é um processo no qual não há foco consciente em formas linguísticas. Ela representa uma forma de “captar” (pick up) a língua e utilizá-la para a comunicação (JOHNSON, 2001).

Ao falar sobre aquisição de um segundo idioma, Krashen (2009) a compara às características da aquisição da língua materna, e nela (aquisição) o sujeito nem sempre está ciente de que está adquirindo uma nova língua, mas está utilizando o novo idioma para se comunicar.

O resultado da aquisição da linguagem, a competência adquirida, é também subconsciente. Nós geralmente não estamos conscientes das regras da língua que adquirimos. Ao contrário, desenvolvemos um “sentimento”, uma “intuição” de que pode estar correto. Sentenças gramaticais “soam” corretas, ou “sentimos” que está correta, e os erros são “sentidos”, e mesmo quando erramos não temos muita consciência de qual regra foi violada (KRASHEN, 2009, p. 10, tradução nossa).

Adquirir um segundo idioma, portanto, refere-se às ações práticas do sujeito, que se torna capaz de colocar em uso essa nova língua, envolvendo vocábulos, regras e conteúdo social. Algumas regras de funcionamento desse novo idioma são seguidas, mesmo que sem a compreensão gramatical, lexical envolvida. O sujeito é capaz de produzir, de fazer, de comunicar, pautado nas normas de

funcionamento dessa língua, mesmo sem ter clareza ou compreensão a respeito das leis que regem o idioma. Alguns erros são percebidos pelo sujeito, mas ele não possui domínio das regras a ponto de compreender a violação e justificar correções (KRASHEN, 2009).

De acordo com Lightbown e Spada (1998), a aquisição para Krashen envolve uma interação significativa com a língua, na qual o sujeito possa estabelecer relações de significado das mensagens em detrimento à forma gramatical em que devem ser estruturadas. De acordo com Krashen (2002), a aquisição é possibilitada quando o sujeito se envolve em interações significativas na segunda língua, comparando ao que ocorre quando uma criança aprende a falar sua língua materna no decorrer de suas relações permeadas pela língua. Ambas as experiências não têm como foco a forma das frases ou as correções gramaticais.

A evidência, para o autor, da distinção entre aquisição e aprendizagem pode ser observada nas situações em que pessoas podem ter competência comunicativa sem receber instrução formal de regras, e outras podem saber as regras, mas tornam a desrespeitá-las quando seu foco não é a forma, mas o conteúdo, o sentido e a comunicação (LIGHTBOWN; SPADA, 1998).

Exemplos dessas situações são os imigrantes que vivem em um país de língua diferente e, com o decorrer do tempo e das interações em uma segunda língua, podem se tornar fluentes sem receber instrução formal sobre as regras gramaticais. Outro caso se constitui em um aluno de segunda língua que é capaz de produzir em língua estrangeira nas atividades propostas em sala de aula, porém, quando seu foco não é a forma gramatical, pode incorrer em erros, pois sua atenção central está no significado da mensagem.

Então, pode-se considerar que, nessa perspectiva, adquirir um idioma envolve a compreensão nas interações comunicativas, com foco voltado ao conteúdo do que se diz, lê, ouve ou escreve, ao passo que a aprendizagem refere- se ao conhecimento das regras gramaticais e instrução formal. O que parece ser mais indicado para um programa voltado à aprendizagem da segunda língua é um trabalho no qual ambas as características possam fazer parte do processo de aprendizagem do aluno.

Johnson (2001) correlaciona aquisição com o termo “pick up”, que, segundo ele, é o que ocorre quando o sujeito passa um longo período de tempo no ambiente da segunda língua. Explica que não há um foco em formas linguísticas.

Enfatiza que Krashen destaca como uma das condições para a aquisição a participação em situações naturais de comunicação.

Para Krashen (2009), quando o sujeito conhece as regras e torna-se capaz de falar sobre elas, atingiu a aprendizagem, comportando nela a compreensão de regras gramaticais e a possibilidade de sua conceituação. O processo de aprendizagem pode ocorrer concomitantemente ao processo de aquisição e, juntos, possibilitam que um sujeito utilize a língua estrangeira para se comunicar, ler, escrever, etc.

O processo de aprendizagem geralmente ocorre num contexto de aula de línguas, envolvendo duas características básicas: a correção de erros e o isolamento de regras, que se refere à sequência de regras abordadas pelos professores, uma a uma. Quando erros são cometidos em aulas de língua estrangeira, o professor, em geral, corrige as produções dos alunos. As regras gramaticais ou ortográficas, geralmente, são o foco das aulas (JOHNSON, 2001, p. 77).

A segunda forma de desenvolver competência em segunda língua é pela Aprendizagem. Nós usaremos o termo “aprendizagem” daqui em diante para referir ao conhecimento consciente da segunda língua, sabendo as regras, estando ciente delas, e sendo capaz de falar sobre as mesmas. Em termos não técnicos, aprender é “saber sobre” a língua, conhecida por muitas pessoas como “gramática” ou “regras”. Alguns sinônimos incluem conhecimento formal da língua, ou aprendizagem explícita (KRASHEN, 2009, p. 10, tradução nossa). Johnson (2001) comenta as características da aprendizagem de segunda língua para Krashen, destacando que, em uma sala de aula de línguas, o professor, ao detectar um erro na produção, busca corrigi-lo, reafirmando a regra infringida. Usualmente, as aulas são subdivididas em tópicos, que contêm estruturas gramaticais como centro das atividades. Ambas as características não são comuns às situações de comunicação naturais, nas quais os erros são destacados quando impedem a compreensão da mensagem, e as regras, na maioria dos casos, não são discutidas amplamente.

O processo de aquisição, para o autor, confere movimento e promove no sujeito uma maior atividade em termos de comunicação em uma segunda língua. Na medida em que o sujeito entra em contato com as regras de funcionamento da língua e se torna capaz de falar sobre elas, ampliam-se as

possibilidades de comunicação. O interjogo entre as características da aquisição e da aprendizagem sugeridas por Krashen encadeia um continuum integrando aquisição e aprendizagem no mesmo processo.

Johnson (2001) faz uma tentativa de classificar aquisição como sendo o que ocorre no ambiente interacional da segunda língua, e a aprendizagem como o que ocorre em ambiente formal de ensino. Porém, reconhece que essa subdivisão não pode ser tecida rigidamente, pois podem ocorrer sobreposições entre situações dos dois ambientes. Pode haver aquisição em sala de aula e pode haver aprendizagem em um ambiente interacional de segunda língua.

Uma comparação de termos pode ilustrar as diferenciações: Johnson (2001), ao falar dos termos learning e acquisition, relaciona-os ao “saber sobre” (know about) e ao “saber como” (know how to), afirmando que muitas pessoas sabem sobre inglês, por exemplo, mas têm dificuldade de criar sentenças e se envolver em situações comunicativas. O termo acquisition refere-se ao “saber como” (know how to), que implica em um conhecimento prático.