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2.3 O MODELO DA CRIAÇÃO CONSTRUTIVA DE KRASHEN

2.3.3 Terceiro princípio: monitor

A hipótese de monitoramento discutida por Krashen (2009) sugere um regulador interno importante que oportuniza escolhas conscientes na utilização da língua estrangeira. O monitoramento é realizado pelo sujeito e tem como função corrigir erros na própria produção em língua estrangeira.

Normalmente, aquisição “inicia” declarações em uma segunda língua e é responsável pela nossa fluência. Aprendizagem tem apenas uma função, que é a de MONITOR, ou EDITOR. Aprendizagem adentra o cenário para fazer mudanças na forma das declarações, após terem sido produzidas pelo sistema de aquisição. Isso pode ocorrer antes de falar ou escrever, ou depois (autocorreção) (KRASHEN, 2009, p. 15, tradução nossa)

Os dois processos concomitantes, aquisição e aprendizagem, permeados pelo monitoramento, conferem ao sujeito não apenas fluência, mas estruturação de sentenças gramaticalmente corretas. A função de monitoramento depende da presença de fatores como: tempo, atenção à forma e conhecimento das regras gramaticais. Para o autor, o fator tempo é uma dimensão importante na aprendizagem, pois interfere na formulação do que se deseja comunicar. A atenção à forma implica em um critério que o sujeito adota ao produzir em língua estrangeira, permitindo autocorreções, possíveis mediante o conhecimento das regras gramaticais que regem o idioma em questão (KRASHEN; TERRELL, 1983; DULAY; BURT; KRASHEN, 1982; KRASHEN, 2009; JOHNSON, 2001; LIGHTBOWN; SPADA, 1998).

O monitoramento é responsável pela modificação de padrões de discurso, particularmente em situações onde existe foco na forma. Essa noção explica as variações que ocorrem no discurso de um aluno de língua estrangeira em diferentes contextos, como, por exemplo, no momento de uma produção mais formal como um texto, onde o foco na forma está presente, ou em uma situação mais informal, onde o foco é a mensagem. Na primeira situação, existe uma preocupação

em COMO falar ou produzir; na segunda situação, predomina a preocupação com O QUE produzir. O papel do monitoramento é sondar e fazer alterações ou correções nos outputs (produções) (JOHNSON, 2001).

Dulay, Burt e Krashen (1982, p. 58) citam o monitoramento como uma parte interna do aprendiz, responsável “consciente” de processamento da linguagem. Os autores destacam que, em trabalhos anteriores de Krashen, “processamento linguístico consciente” foi denominado aprendizagem. Essa noção supõe que, quando um aprendiz busca informações sobre regras gramaticais ou tenta compreender certas características da estrutura gramatical de uma língua ou, ainda, utiliza esse cuidado em suas produções, está se estabelecendo o processo de aprendizagem da linguagem.

Dulay, Burt e Krashen (1982) explicam a função “organizador” como uma parte do processamento interno que organiza o sistema da nova língua, baseado em critérios cognitivos, como critérios analíticos e lógicos para conhecimento e comportamento. A função organizador é refletida nas produções dos aprendizes quando estes modificam seu discurso ou texto em uma forma gramatical gradativamente mais aprimorada em relação ao sistema de regras da língua, denominadas construções transicionais. Esta mesma função também pode ser percebida nos erros sistemáticos em suas produções e posteriores mudanças, bem como na evolução propiciada pela aprendizagem de regras gramaticais ou ampliação de novas formas de produção (textual ou oral).

Sobre as construções transicionais, os autores explicam que se referem à organização interna que o aluno utiliza ao aprender a estrutura de uma nova língua. O exemplo da aprendizagem da negação ilustra tal conceito. O aprendiz de língua inglesa (SL), de modo geral, inicia suas produções de negações acrescentando o no antes do resto da sentença (no dance). Em um outro momento, passa a utilizar outros componentes (I no dance) e amplia suas produções gradativamente, até alcançar formações mais complexas (I don’t want to dance).

Dulay, Burt e Krashen (1982, p. 55) ressaltam: “o desenvolvimento da linguagem não é uma série de platôs, mas um continuum feito da mesclagem de inícios e términos de fases sucessivas.” Essas construções transicionais são “indicativos do progresso que os aprendizes fizeram em decifrar e produzir um novo sistema linguístico” (p. 121).

As construções transicionais podem se constituir em sentenças imperfeitas do ponto de vista gramatical, mas que demonstram que o aluno já possui um repertório de palavras e as organiza em sequência de modo a produzir uma mensagem com intuito comunicativo. São indicadores do progresso que o aluno realiza na produção em uma língua estrangeira (DULAY; BURT; KRASHEN, 1982).

No estudo sobre língua inglesa como segundo idioma, os autores destacam que há uma série de construções transicionais possíveis que os alunos desenvolvem até compreenderem uma determinada estrutura linguística. Dulay, Burt e Krashen (1982) relacionam pesquisas desenvolvidas entre 1966 e 19802 sobre o progresso na construção de frases com negação. As construções transicionais iniciam-se de forma simples, adicionando o “no” ou “not” ao conteúdo da mensagem, em direção ao uso de verbos auxiliares que permitem uma sentença mais complexa. É enfatizado que não há uma demarcação rígida entre essas transições, e que o desenvolvimento da linguagem constitui-se num continuum, não sendo séries de platôs. “Alunos tipicamente usam construções transicionais representando um momento, enquanto tentam formas representativas do próximo momento” (DULAY; BURT; KRASHEN, 1982, p. 125, tradução nossa).

À medida em que conhece mais regras gramaticais ou obtém mais instruções sobre o funcionamento da língua aprendida, o sujeito torna-se gradativamente capaz de produzir sentenças mais corretas do ponto de vista gramatical. É preciso pensar nas construções transicionais como parte do processo de aprendizagem da segunda língua.

Dulay, Burt e Krashen (1982, p. 60) fazem referência ao conceito piagetiano de operações formais, ao explicarem o uso do monitoramento. Os autores afirmam que “a capacidade de compreender a representação consciente de regras linguísticas abstratas parece emergir por volta da puberdade e pode ser resultado da nova habilidade do adolescente em pensar abstratamente no geral”.

Os autores explicam que as crianças de pensamento concreto podem alcançar conceitos abstratos, mas com experiências de objetos concretos. O pensamento formal implica na capacidade de manipular verbalmente relações entre ideias, mesmo na ausência de apoios concretos. Afirmam que a capacidade de

2Klima e Bellugi (1966); Ravem (1974); Milon (1974); Gillis e Weber (1976); Hernández-Chávez

monitoramento acompanha a mudança desenvolvimental que possibilita a formalização de regras e conceitos (questões mais abstratas).