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2.3 BASES PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL INFANTIL

2.3.1 DESENVOLVIMENTO MUSICAL INFANTIL: a infância musical de bebês e

2.3.1.1 Os primeiros dois anos de vida

A música está presente no ser humano desde as primeiras experiências auditivas no útero materno quando se inicia o desenvolvimento auditivo, fato que ocorre por volta dos seis meses e meio de gestação (BRAZELTON & CRAMER, 1992, p. 115; PAPALIA & OLDS, 2000, p. 115). Ainda na barriga da mãe, são os sons que o aproximam do seu mundo social, além de influenciar diretamente na sua mobilidade e frequência cardíaca.

Tal como denominado por Piaget, a fase que se segue ao nascimento é caracterizada musicalmente pela exploração livre (sensório-motora) de sons vocais, corporais e de objetos. É, principalmente, um período de autoconhecimento e estabelecimento de modelos vocais, no qual o bebê experimenta diversas formas de emissão sonora. Ao nascer, esse mundo sonoro se expande o que lhe permite ouvir mais sons, que passam a ter significados afetivos ou sociais.

Ressalto que estudos sugerem que a nossa percepção auditivo-musical é moldada através da exposição à música de nossa cultura, ou seja, “assim como acontece com a exposição à linguagem, que afeta a percepção de fonemas dos bebês, a exposição continuada à música aparenta ter efeitos na sua percepção musical” (ILARI, 2006, p. 283-284). É

interessante esse processo, pois as músicas de outros estilos ou culturas apresentam uma organização diferente da que nossos ouvidos estão acostumados, tanto com relação aos fonemas da língua estrangeira, quanto à própria organização instrumental de timbres, ritmos e texturas. Daí a importância da apresentação de diferentes músicas, sons e instrumentos ao longo desses primeiros anos de experiências sonoro-musicais. Tal aspecto pode ser, para o educador musical, uma alternativa às canções infantis que correspondem à maior parte das músicas apresentadas na educação infantil.

Em suas primeiras experiências auditivas no útero, o bebê tem contato com sons que identificam objetos externos. Contudo, ao nascer ele não conhece nenhum som particular seu, além dos batimentos cardíacos, podendo identificar a voz da mãe, de outros objetos que estiveram presentes durante a gravidez, mas não conhece sua própria voz. Nesse sentido, Beyer (2005, p. 97) ressalta que a literatura mostra feitos incríveis do bebê, entretanto, vocalmente, o bebê não distingue sua voz da de outros bebês, não toca com precisão um ritmo – apesar de estudos relatarem que ele percebe as diferenças de execução rítmica (ILARI, 2006, p. 285-286) – não produz diferenças de altura claras, ainda que também comprovadamente diferenciadas auditivamente pelo bebê.

Em suma, durante o período entre o nascimento e dois anos, a criança recebe estímulos auditivos imensos, sua iniciação musical é intuitiva, aliada à música utiliza movimento, jogo, e, em especial, a dimensão afetiva, que está presente em todas as vivências nessa fase. Encontra-se nesse último aspecto a importância do fazer sonoro, do vocalizar e do cantar por parte da figura materna (SCHUBERT e MCPHERSON, 2006, p. 198). Ressalte-se ainda que os balbucios e vocalizes que a criança realiza ao responder à mãe, são uma resposta emotiva, cognitiva, estética e musical.

Nessa direção, pode-se verificar que as possibilidades do bebê até os dois anos sugerem atividades musicais para ampliação da experiência musical do bebê, apresentando e explorando músicas diversas, propiciando momentos de exploração em instrumentos e brinquedos sonoros, e estimulando a produção vocal através do canto com e para o bebê. Tais aspectos podem se constituir atividades pedagógico-musicais, possíveis de serem realizadas na escola regular de ensino, desde que observadas as limitações dos recursos, espaços e tempo.

2.3.1.1.1 Percepção auditivo-musical

O bebê, em geral, concentra-se na voz humana, ou seja, esta corresponde à faixa de frequência sonora que mais lhe agrada (BRAZELTON & CRAMER, 1992, p. 116). O estímulo à escuta de diferentes sons permite à criança apurar sua percepção auditiva, de modo que seja capaz de reconhecer vozes familiares (BRAZELTON & CRAMER, 1992), parlendas, rimas e músicas (ILARI, 2002, p. 84), textura e timbres de instrumentos (ILARI & POLKA, 2005 apud ILARI, 2006, p. 287), sons musicais e não musicais (SLOBODA, 2008, p. 267). Importante destacar que, de acordo com Gainza (1988, p. 23) não é aconselhável apresentar situações sonoras de caráter extremo seja altura, duração, intensidade, ou andamento e textura da música, pois tende a dessensibilizar a capacidade de habituação31 da criança.

Nessa fase, a capacidade de percepção de alturas parece estar relacionada ao interesse em contornos melódicos. Tal fato pode ser observado na forma como nos dirigimos aos bebês, em que geralmente falamos em um tom mais agudo e com bastante inflexões, variando muito o contorno melódico para despertar a atenção e possibilitar a comunicação entre bebê e cuidador.

Sobre a identificação de ritmos, envolve-se diretamente a compreensão de elementos temporais, uma vez que “a percepção do ritmo é caracterizada por agrupamentos subjetivos de eventos separados, que facilitam a cognição” (ILARI, 2006, p. 285). De maneira geral, “a literatura sugere que, assim como os adultos não músicos, os bebês agrupam figuras rítmicas baseando-se em semelhança ou proximidade temporal dos elementos” (ILARI, 2006, p. 285).

Para a educação musical infantil, conhecendo a organização de tais habilidades, pode- se dizer que, ao apresentar uma música para essas crianças, facilita-se a memorização se forem destacados os agrupamentos rítmicos semelhantes. Além disso, em virtude da preferência pela voz humana novamente o canto com o bebê é um elemento importante ao se pensar em práticas pedagógico-musicais para o bebê.

31 A habituação é um “sistema defensivo natural que todo indivíduo tem em seus sentidos, e que lhe adverte

2.3.1.1.2 Produção e Expressão Musical

Até os dois anos a produção musical do bebê caracteriza-se, principalmente pela exploração do som e suas qualidades, ao invés da criação de temas ou melodias definidas, ocorrendo sempre em atividades lúdicas, como jogos rítmicos, produzindo som e silêncio, explorando sua voz e possibilidades do corpo. Por exemplo, à frente de um instrumento musical importa ao bebê explorar o que acontece se, por exemplo, tocar a tecla de um piano mais forte ou mais fraco, mais para a direita (agudo) ou esquerda (grave).

O canto é o caráter mais importante, pois, além de bastante acessível, permite descobrir os sons possíveis de serem emitidos. Ainda assim, o bebê vivencia o que identificamos como tempo livre, ou seja, a canção executada não possui um pulso regular.

Sobre as canções, ressalta-se que as palavras pronunciadas inicialmente pelo bebê não terão significado, sendo que para ele interessa a forma como elas são emitidas, sua sonoridade. Assemelhando-se à música, e comparando às frases de pergunta e resposta, o bebê responde à mãe, cuidador ou professor de acordo com a forma de vocalização percebida. Segundo Beyer (2005, p. 101) “a exploração sonora do bebê contempla todos os parâmetros sonoros, mas [...] vai variar conforme o contexto sonoro-musical que o bebê está inserido”. Ou seja, além de variar de acordo com o tipo de frase, o bebê responde conforme o ambiente sonoro onde vive. Assim, é importante que a sala de música seja um ambiente musicalmente rico e passível de exploração por parte do bebê.

Tal interação – a troca sonora entre a mãe e seu filho – constitui um importante fator de estímulo para a produção musical do bebê que é predominantemente vocal. Sejam vocalizações verbais ou não verbais, fortalecem o vínculo mãe-bebê, e são o princípio do desenvolvimento da linguagem oral e musical. Nesse sentido, no caso da educação musical na educação básica, é o professor especialista e unidocente que em geral assume esse papel, já que não há a presença da mãe ou cuidador além desses profissionais nesse espaço. Considera- se ainda que, apontada a relevância da afetividade para as práticas com crianças pequenas, a “conversa sonora” que ocorre na sala de música da educação infantil, além do caráter pedagógico, estabelece um vínculo afetivo entre a criança e o docente.

A partir dos dezoito meses, aproximadamente, a produção do bebê caracteriza-se pela utilização de alturas estáveis em substituição aos glissandos do balbucio cantado com repetições ou movimentos de altura e repetições simples de durações utilizados anteriormente (SLOBODA, 2008). No momento que o bebê já produz sons, ele os repete sistematicamente, e, quando os faz em um contexto fixo, inicia a significação do que se chama protopalavras, ou

seja, palavras que fazem parte do mundo do bebê e seu cuidador. É somente a partir daí que inicia a diferenciação entre o canto e a fala.

Em resumo, até os dois anos a produção musical do bebê caracteriza-se principalmente pela exploração do som e suas qualidades e não a criação de temas ou melodias definidas. Assim, de acordo com o exposto, atividades lúdicas como jogos rítmicos, canções em que possa explorar sua voz e sons do corpo, produzir som e silêncio, são propostas interessantes para se realizar nessa fase. Portanto, a palavra é explorar e descobrir novas possibilidades.