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PRIMEIROS PASSOS NA ONCOSEXOLOGIA Reflexão crítica –

No documento Relatório de Estágio Elda Freitas (páginas 107-112)

Análise das respostas às questões colocadas à pessoa submetida a RT pélvica

PRIMEIROS PASSOS NA ONCOSEXOLOGIA Reflexão crítica –

A reflexão crítica é fundamental para permitir orientar o conhecimento, tornando mais consciente a prática de enfermagem, contribuindo para o desenvolvimento pessoal do enfermeiro, bem como da disciplina. Segundo Benner “a prática é um todo integrado que requer que o profissional desenvolva o caráter, o conhecimento e a competência para contribuir para o desenvolvimento da própria prática” (2001, p.14), sendo fundamental a reflexão sobre a mesma.

Quando me propus a realizar estágio no serviço B tinha o grande objetivo de desenvolver competências no âmbito da oncosexologia, visto ser uma das instituições pioneiras nesta área. Deste modo, não poderia deixar de refletir acerca da minha prática de cuidados na abordagem a esta temática.

A situação que irei relatar é sobre uma mulher, chamada Ana (nome fictício), de 54 anos de idade, independente. Casada e com um filho que reside consigo. Diagnóstico de carcinoma endometrióide, submetida a histerectomia total com anexectomia bilateral e linfadenectomia pélvica. Proposta para radioterapia externa (RTE) e posterior reavaliação de braquiterapia complementar. Encaminhada pelo médico para acompanhamento em consulta de enfermagem.

A situação que descrevo decorreu no contexto da consulta de enfermagem de primeira vez, à qual a Sra. Ana compareceu acompanhada pelo marido. No decorrer da abordagem à toxicidade aguda associada ao tratamento de RTE e respetivos cuidados a adotar, abordei a sua vivência da sexualidade. A Sra. Ana referiu que depois da cirurgia tem-se sentido menos segura a este nível. Afirma que quer manter-se sexualmente ativa, contudo ela e o marido têm medo das implicações da atividade sexual para a sua própria saúde e do marido, pois não sabem se há alguma contraindicação. Referem que o médico não fez alusão a este assunto e que ela própria e o marido não se sentiram à vontade para o questionar. No entanto, foi notório quando questionados acerca da sexualidade o alívio de tensão no rosto, sendo que ao longo da conversa foram expressando diversas dúvidas.

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Nesta abordagem procuramos fornecer estratégias para minimizar a possível toxicidade associada ao tratamento, das quais fazem parte a prevenção da estenose vaginal, posições em que a mulher controla a penetração diminuindo a possibilidade de dispareunia, tal como a importância da lubrificação vaginal, cuidados pós coito e sinais de alerta para suspensão da atividade sexual. Todos estes aspetos a abordar dependem da individualidade de cada pessoa e da forma como vive a sua sexualidade.

Assim sendo, exige do enfermeiro competências comunicacionais verbais e não-verbais, para encaminhar a consulta e o que abordar para não ferir suscetibilidades e ir ao encontro do que realmente é importante para aquela pessoa em questão e seu companheiro/a, não constituindo uma invasão à sua privacidade/intimidade.

Ao longo desta situação foi facilitador o conhecimento da toxicidade aguda e tardia da RT, o que me permitiu transmitir uma postura tranquila e segura, possibilitando o estabelecimento de uma relação de empatia com o casal. Contudo, senti dificuldade na escolha do momento para introduzir o tema da sexualidade, isto porque a consulta acontece na sala de tratamentos e apesar de não estar mais nenhum doente presente, existem sempre algumas interrupções pelos profissionais da unidade. Estas interrupções não são benéficas para a continuidade da relação necessária a estabelecer podendo influenciar e até mesmo reprimir a partilha nesse momento.

Apesar do referido, foi possível estabelecer relação com este casal, e dar resposta às suas necessidades e preocupações. Tendo sido a minha primeira abordagem considero positiva, uma vez que tive um discurso fluente, seguro e de preocupação para com o que se manifestou importante para eles, conseguindo dar resposta às suas inquietações, deixando-os esclarecidos.

Esta foi a primeira intervenção, posteriormente serão realizadas consultas subsequentes, nas quais para além de reforçar indicações já realizadas, irá ser avaliada a toxicidade aguda, onde entre outras aspetos será observada a região vulvar (devido à possibilidade de desenvolver radiodermite). Depois destas é realizada a consulta de alta na qual, dependendo da necessidade de realizar braquiterapia, será sensibilizado o casal para a importância da prevenção da estenose vaginal e explicados procedimentos inerentes.

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Os tratamentos inerentes à doença oncológica, neste caso a RTE, conduzem a alterações no quotidiano das pessoas a ele submetidos, assim como a mudanças da imagem corporal, podendo conduzir por diversos fatores a disfunção sexual, não obstantes também estarão envolvidos neste processo os companheiros/as e família. A sexualidade é afetada quer a nível físico, quer a nível emocional, dado que poderá ocorrer diminuição da libido, da lubrificação vaginal, sensibilidade genital, dispareunia, ansiedade, depressão, angústia e perceções negativas da identidade sexual e imagem corporal e até perda da sua segurança quanto à sua feminilidade pela remoção de determinados órgãos reprodutores (Gilbert, Ussher & Perz, 2011), situação também vivenciada e verbalizada pela Sra. Ana.

Neste sentido, torna-se fulcral que os profissionais de saúde, nos quais os enfermeiros se destacam pela proximidade à pessoa, estejam despertos e sensibilizados para esta abordagem e prestem informações adequadas e direcionadas acerca da sexualidade e manutenção do seu bem-estar, visto ser parte integrante da qualidade de vida do indivíduo (Cleary & Hegarty, 2011; Gilbert, Ussher & Perz, 2011; Serrano, 2005). Segundo Serrano (2005), os profissionais de saúde têm dificuldade em abordar o tema da sexualidade referindo como principais fatores o receio da reação dos doentes, falta de iniciativa do profissional e do doente, e fatores pessoais, como o facto de se considerar a sexualidade um assunto individual e, portanto, difícil de abordar.

É fundamental que os enfermeiros no seu acompanhamento consigam contribuir para redimensionar a noção da sexualidade para além do coito, aumentando a perceção da funcionalidade sexual (Sacerdoti, Lagana & Koopman, 2010). Sendo que as relações afetivas permitem desenvolver uma sexualidade mais satisfatória (Vilarinho, 2010).

Deste modo, a consulta realizada à Sra. Ana constituiu um suporte de extrema relevância, uma vez que permitiu clarificar dúvidas que o casal ainda não tinha esclarecido, ampliar o seu conceito de sexualidade (devido às possíveis alterações que podem surgir com o decorrer da RTE) e ajudar no construto de como ela pode ser vivenciada nesta fase dos tratamentos. Assim sendo, considero importante continuar a desenvolver competências no âmbito da oncosexologia, para conseguir dar resposta às necessidades da pessoa submetida a RT e seu companheiro/a de forma holística.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Benner, P. (2001). De Iniciado a Perito (2ª ed.). Coimbra: Quarteto Editora. Cleary, V. & Hegarty, J. (2011). Understanding sexuality in women with gynaecological cancer. European Journal of Oncology Nursing, 15, 38-45. Gilbert, E., Ussher, J. & Perz, J. (2011). Sexuality after gynaecological cancer: A review of the material, intrapsychic, and discursive aspects of treatment on women’s sexual-wellbeing. Maturitas, 70, 42-57.

Sacerdoti, R., Lagana, L., & Koopman, C. (2010). Altered Sexuality and Body Image after Gynecological Cancer Treatment: How Can Psychologists Help?

Professional Psychology: Research and Practice, 41(6), 533–540.

Serrano, S. (2005). Os técnicos de saúde e a sexualidade dos doentes oncológicos: Atitudes, crenças e intenções comportamentais. Análise

Psicológica, 2 (23), 137-150.

Vilarinho, S. (2010). Funcionamento e Satisfação Sexual Feminina-Integração

do afecto, variáveis cognitivas e relacionais, aspectos biológicos e contextuais.

Dissertação de Doutoramento em psicologia. Coimbra: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.

Apêndice 11.

ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM DE LISBOA

No documento Relatório de Estágio Elda Freitas (páginas 107-112)