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6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.2. Concepções de Fair Play em análise

6.2.7. Princípio

Esta concepção pode ser considerada a mais profunda, já que contém todas as outras, como se verá a seguir. Da mesma forma que nas demais categorias analisadas, há também nessa concepção uma variação na maneira como se pensa sobre esses princípios.

Uma das formas de conceber Fair Play pelos gestores como princípio atribui tal capacidade a uma aptidão inata ou então adquirida no decorrer de seu processo de socialização, pelo meio familiar, que antecede sua vida profissional. Assim, atribuem a competência em Fair Play a uma característica pessoal e intrínsica ao sujeito, fruto de sua trajetória familiar, da educação que recebeu em casa e de sua personalidade, característica essa que não é passível de desenvolvimento a posteriore, ponto crucial quando se trata de discutir desenvolvimento de competências. Neste caso, o gestor competente é aquele que já nasceu ou foi criado em um ambiente de valorização de um jogo limpo.

Caracterizam o Fair Play fazendo referência à base de formação pessoal, de acordo com estrutura familiar, ‘berço’, origem, educação, essência pessoal, características individuais e a ética de cada um:

Acho que valores, a gente já tem os nossos pessoais, que a gente carrega aí, de uma base, uma estrutura familiar, e uma base de educação que a gente teve, e também isso deve ser adequado aos valores da empresa ou ao ambiente de trabalho que você tem, não é? (Gerente Jurídico).

Eu me sinto confortável em agir de acordo com o Fair Play porque tem uma coisa interessante: eu não trabalho desse jeito porque a companhia tem Fair Play: eu trabalho desse jeito porque eu penso assim, entendeu? E aí fica fácil para eu me adaptar e passar isso para equipe, porque eu sei que eu vou ter o respaldo da companhia nesse aspecto (Gerente de Vendas).

Na concepção dos gestores, tal ‘retidão’ de comportamento não necessita de regras escritas que tornem explícitas e que determinem a conduta.

Está na essência da pessoa. Você tem que convencer a pessoa de que tem coisas que não estão escritas e que você vai ter que atuar como Fair Play. [...] O ‘cara’ vai sempre achar uma palavra [para justificar seu comportamento errado]: ‘Isso aqui não está escrito!’ Mas, internamente, ele sabe que não está certo. Eu penso exatamente isso (Diretor de Vendas).

Acho que é alinhamento de conduta, de padrão de sociedade. Você tem um padrão de sociedade, que não está escrito, mas você sabe que algumas coisas você não pode fazer. Mas tem coisas que você traz da sociedade, que vão se aplicar aqui. Por exemplo, você sabe que bater em uma pessoa é errado. Não está escrito, mas a pessoa sabe que não deve fazer isso (Gerente de Recursos Humanos 1).

Um elemento que se sobrepõe no discurso dos gestores quando definem Fair Play como princípio é o da coerência entre o discurso e a ação. Os gerentes entrevistados reconheceram entre seus pares os gestores mais competentes em relação ao Fair Play, aqueles que demonstram coerência entre o discurso e a prática, conforme relatado pelo Gerente de Logística, que diz que “é preciso se comportar no dia-a-dia de acordo com aquilo que você está falando”. O Diretor de Vendas reforça a mesma ideia:

As pessoas não seguem aquilo que você fala, as pessoas seguem aquilo que você faz. As pessoas fazem aquilo que veem você fazer. Então, eu procuro ser esse exemplo e, da mesma forma, eu peço para o meu pessoal que também seja esse exemplo (Diretor de Vendas).

As ações do dia-a-dia devem ser coerentes. Trabalhamos de uma forma coerente, não é que um dia é assim e outro dia não é. Não! [Não é:] ‘Desse cliente temos que cobrar e desse cliente não temos que cobrar!’ Então, eu acho que a coerência das ações faz com que, no dia-a-dia, a gente trabalhe dentro desse conceito do ‘Fair

Outro aspecto considerado pelos gestores é o de que suas ações, em acordo com a lógica do Fair Play, são tomadas independentemente do contexto no qual estão inseridos. Por exemplo, o Diretor de Vendas alega que não admite receber propina na empresa, tampouco dar dinheiro para um guarda na rua não multá-lo mediante flagrante ato de infração.

Eu tenho um exemplo clássico, comum no Brasil há décadas. É muito difícil você trabalhar na área de vendas sem você dar propina para o pessoal, sem pagar ou fazer alguma espécie de beneficio para outra pessoa. Eu, particularmente, nunca gostei disso, e eu tomei várias multas porque eu nunca paguei nada para o guarda. O guarda me multa e é assim que funciona. Então, esse é um exemplo, e a empresa X funciona assim também. Na minha concepção, é assim que está certo; então eu me adapto muito bem à política da empresa. A gente perde negócios aqui no Brasil por não dar propina para alguém, por não dar comissão para alguém, e é muito mais difícil você competir, porque nós temos concorrentes, e a maioria deles faz isso. Esse é um exemplo clássico para mim. Eu acho que isso é uma coisa que o mercado faz e nós não fazemos. E me sinto muito bem em não fazer isso. (Diretor de Vendas).

Esse comportamento coerente só tem sentido na fala dos gestores quando transformado em ação:

Eu vejo da seguinte forma: o Fair Play, é, digamos assim, não chega nem a ser regra; são boas práticas que a empresa determina como se deve trabalhar. Agora, se de encontro aos seus valores pessoais você não se identificar com aquilo, é [por]que essas regras não valem de nada. Então, pode estar lá a regra, mas, se no meu dia-a- dia eu não me comportar de forma a entender que aquilo é o correto, não vai servir pra nada. Então, eu vejo essa relação, o Fair Play, ele não vai valer de nada se as pessoas não usarem, não aplicarem aquilo, [...] mesmo, como valor pessoal (Gerente de Logística).

Em síntese, a ideia de Fair Play como princípio incorpora a de regra, justiça e transparência e remete à coerência entre discurso e prática. Trata-se do exercício do Fair Play independentemente do contexto organizacional. Assim, pode-se resumir essa concepção na assertiva:

“Conduta acionada dentro e fora da empresa, com base na formação pessoal, considerada a essência das pessoas e que pode ser oriunda da estrutura familiar, educação e origem. Refere-se ao alinhamento aos valores considerados justos em uma determinada sociedade.

Embora o ser humano apresente incoerências e contradições em relação a seus próprios princípios, a forma de perceber e reforçar uma ‘competência’ de atuar em acordo com um ‘jogo limpo’ se externaliza por meio de ações coerentes com o discurso, ou seja, o discurso e a prática se tornam a referência do Fair Play, dentro e fora da empresa. A Figura 9 sintetiza a relação e as variações entre as características apresentadas nesta categoria:

Figura 9: Categoria Princípio e suas subcategorias Fonte: Elaborado pela autora, com base nas entrevistas

Explicitadas as concepções de Fair Play, passa-se a analisar a relação entre as categorias emergentes no discurso dos gestores.