• Nenhum resultado encontrado

O princípio da impessoalidade quando foi inserido no texto constitucional causou estranheza para muitos estudiosos, uma vez que em seus trabalhos científicos não o empregavam. O termo impessoalidade deriva da palavra “impessoal”, que pode ser entendida como algo que não pode ser destinado a uma pessoa em específico ou a determinados indivíduos.

Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.84) aduz:

O princípio da isonomia da Administração não necessita, para seu fundamento, da invocação de cânones de ordem moral. Juridicamente se estriba na convincente razão de que os bens manipulados pelos órgãos administrativos e os benefícios que os serviços públicos podem propiciar são bens de toda comunidade, embora por ela geridos, e benefícios a que todos igualmente fazem jus [...].

Esse princípio pode ser analisado sobre duas perspectivas diferentes que estão descritas no artigo 2º, parágrafo único, inciso III, da Lei 9.784/99. A primeira concepção é a mais clássica quando se trata do princípio da impessoalidade, pois atribui que a atuação administrativa deve visar constantemente a satisfação das necessidades públicas. Muitos

doutrinadores caracterizam-no como princípio da finalidade que, embora implícito na Constituição Federal, encontra previsão expressa por meio da impessoalidade.

A lei possui comando geral e abstrato que acaba vinculando a tomada de decisões na seara administrativa. Dessa forma, não poderá o administrador beneficiar, prejudicar ou perseguir os administrados, pois estaria buscando um fim diverso do que aquele que a lei estabeleceu, ensejando a nulidade do ato por desvio de finalidade.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2008), a impessoalidade constitui um pressuposto lógico da isonomia que reflete nos dispositivos constitucionais do artigo 37, II, que estabelece a realização de concurso público para ingresso efetivo nos quadros da administração pública, ou ainda na regra estabelecida pelo artigo 37, XXI, que obriga a realização de licitações públicas que garantam a igualdade de condições aos concorrentes.

A finalidade administrativa pode ser geral ou específica, mas sempre estará contida na lei ou no ordenamento jurídico. Entende-se por finalidade geral a satisfação do interesse público, enquanto que a finalidade específica encontra disposta no fim direto ou imediato que a lei pretende atingir.

Para simplificar, quando se trata de uma finalidade específica basta vislumbrar a hipótese de remoção de servidor público para compor um órgão que necessita de pessoal. No entanto, o servidor foi removido como uma forma de punição em decorrência das irregularidades cometidas por esse, assim, o ato deverá ser considerado nulo. Isto ocorre, porque, embora não seja contrária ao interesse público de forma ampla, havia a necessidade de remoção do servidor para o local em que foi lotado. O ato de remoção não serve de parâmetro para punição, havendo um desvio de finalidade específica que enseja a nulidade do ato.

Pode ocorrer ainda o desvio tanto na finalidade genérica quanto na específica. Imagine que determinado Policial Federal solicite uma licença, prevista no artigo 87 da Lei 8.112/90, para se capacitar em um curso de designer de joias. O dispositivo legal estabelece que: “Após cada quinquênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional”. Nesse caso, a licença uma vez concedida violará o interesse público (remuneração concedida para fazer um curso que não está entre suas atribuições) e a finalidade específica da lei (designer de joias não é “capacitação profissional”).

No que tange ao uso dos serviços públicos, a Administração está da mesma forma obrigada, sempre baseada no princípio da impessoalidade, em prestá-los a todos indistintamente.

O princípio da impessoalidade encontra-se resguardado implicitamente pela Lei 4.717/65 que regula a Ação Popular que, embora utilizando a expressão “desvio de finalidade”, com a cominação de sanção de invalidade sobre esse ato, aplica-se ao presente princípio.

A segunda concepção descrita na Lei 9.784/ 99, em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso III, dispõe sobre a vedação de promoção pessoal do agente público, ou seja, todo aquele que se utiliza da administração pública para vincular a sua imagem pessoal, utilizando a propaganda oficial para a sua identificação, desatende ao comando normativo. A Carta Política estabeleceu, em seu artigo 37, § 1º, que a publicidade administrativa deve buscar educar, informar ou orientar socialmente, não podendo ser utilizada com símbolos, nomes ou imagens que identifiquem com promoção pessoal de autoridades e servidores públicos.

A doutrina mais moderna, diante dos avanços legislativos na proteção do princípio da impessoalidade, incluiu como violação a esse postulado a nomeação de parentes e cônjuge para ocuparem cargos públicos, que se insiram dentro das competências de assessoria, chefia ou direção, com a finalidade de beneficiar um particular sem analisar o real interesse público.

Em decorrência disso, foi editada em 2008 a Súmula Vinculante nº 13 que passa a dispor sobre a proibição de nomeações recíprocas indiretas. Por exemplo, se determinado promotor nomear a esposa de um juiz para assumir a função de assessoria de seu gabinete e, em contrapartida, ele garantir a nomeação da esposa do promotor para exercer uma função em seu gabinete, ambos estarão violando o princípio da impessoalidade, caracterizando o “nepotismo cruzado”, prática essa vedada pela súmula, pois, o cargo ou função ocupada é qualificado como administrativo.

A jurisprudência da Suprema Corte, no entanto, já se manifestou no sentido de não aplicar a vedação contida na súmula quando se tratar de nomeação para cargos políticos (secretários, ministros de estado), desde que o sujeito nomeado possua condições técnicas para ocupar o cargo. A justificativa para esse caso importa ao reconhecer que a nomeação se caracteriza como ato político, pois possui uma discricionariedade ampla com a não incidência da súmula.

Portanto, a Administração ao conduzir o interesse público não possui sobre os bens a discricionariedade de dispor, de modo que trate desigualmente os administrados que dela necessitem. A atuação da autoridade ou agente público não se baseia na vontade, mas na

atenção a uma finalidade maior de satisfação das necessidades públicas, tendo inclusive se sedimentado pelos dispositivos legais que o elevaram a categoria pública, devendo promover o tratamento impessoal, igualitário ou isonômico a todos.