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O Estado Democrático de Direito visa, por meio do artigo 5º da Constituição Federal, assegurar os direitos fundamentais individuais e coletivos, tutelar a sociedade contra os abusos cometidos pelo poder do Estado, assegurando a liberdade individual.

O princípio da legalidade possui sua formulação mais genérica descrita no artigo 5º, II da Carta Política, explicitando que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, para os particulares é lícito fazer tudo aquilo que a lei não vede, encontrando respaldo na autonomia da vontade. No entanto, quando se trata da administração pública este postulado não encontra embasamento, pois toda atuação administrativa pressupõe a gestão de coisa alheia, pertencente ao povo. Dessa forma, o exercício de qualquer atividade administrativa depende de autorização por meio de lei para que ela possa ocorrer.

O princípio da legalidade em matéria administrativa não possui dispositivo específico na Constituição Federal, todavia na busca do interesse público a administração só poderá atuar quando a lei assim determinar, caracterizado como ato vinculado, e por meio de atos discricionários. Quando a lei autorizar, buscando a harmonia nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ao passo que a conveniência e oportunidade nesses tipos de atos não sejam desmedidas. Assim, não há possibilidade de atuação administrativa quando não houver previsão legal.

Desta maneira, segundo Hely Lopes Meirelles (2006, p.87), esse princípio pode ser compreendido de modo que:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

Em conformidade com o exposto, o autor não se referiu a restrição do princípio da legalidade do agente no caso em destaque do administrador, mesmo que o tenha mencionado expressamente. Tal princípio diz respeito a própria Administração e ao desenvolvimento da atividade administrativa, em seu aspecto amplo, sendo incluído seus agentes, uma vez que para produzir os efeitos dos atos administrativos, a Administração Pública necessita atender a lei e ao Direito.

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2013), o Estado moderno possui duas funções primordiais: a de criar a lei e a de executá-la, ao passo que esta última só poderá ocorrer com exercício da primeira, de modo que a atividade administrativa somente existirá em meio aos parâmetros estabelecidos anteriormente pela atividade legislativa.

Com a compreensão do real sentido do princípio da legalidade, não significa nem tão pouco elimina o fato da administração criar mesmo que em nível sublegal atos normativos diante da utilidade pública, o que será uma consequência da atução discricionária. Em muitas das situações, a própria lei, dado o seu caráter amplo, ao regular matérias confere ao administrador a obrigação de escolher a solução para casos concretos que se amoldem às finalidades da normas, devendo fazer um juízo de valor quanto a conveniência e oportunidade na situação em concreto.

Os atos normativos expedidos pela administração pública devem observar os limites da lei, para garantir o cumprimento desta. A normatização administrativa típica não pode vim

a criar direitos ou obrigações novos que não estejam previamente definidos em lei ou emanem dela.

A vinculação ocorre quando objetivamente há a subsunção do fato com a previsão esculpida na lei. Sendo evidente que é praticamente impossível a previsão exata de todas as situações dado o seu caráter de generalidade, característica nata da própria norma. Isso confere à Administração incontáveis situações, não somente a faculdade, mas também o dever de analisar discricionariamente as situações, para que possa aplicar a finalidade como também limitar essa aplicação ao princípio da legalidade.

A indisponibilidade do interesse público está estritamente ligada com este princípio, pois o administrador não pode, em regra, tomar nenhuma decisão de disposição do interesse público. Assim, esse fica adstrito à autorização do titular desse poder, o próprio povo. Mesmo que a produção legislativa seja feita pelos representantes destes, a possibilidade de transação não pode ser realizada de toda forma.

A legalidade é um postulado basilar na gestão do interesse público, possui um caráter restritivo do que a legalidade aplicável às relações entre particulares, limitando a atuação discricionária do gestor público e garantindo a busca do interesse público. Quando não se respeita as disposições estabelecidas, os atos administrativos são inválidos e, por meio da autotutela, a administração pública pode declará-los anulados, podendo inclusive o Poder Judiciário nos limites estabelecidos suprimi-los.

Ainda ligado ao princípio da legalidade, encontra-se o princípio da proporcionalidade ao ato que ensejou a expedição, porque quando a lei outorga competências com determinada finalidade, qualquer conduta que exorbite a previsão legal se distancia do interesse público esculpido na norma, devendo ser declarada inválida por não atender a finalidade normativa. Por isso, que, em alguns casos, o Judiciário, ao anular os atos administrativos que contenham tal vício, apenas retira o excesso de atuação.

O princípio da motivação também é um postulado do princípio da reserva legal, posto que impõe à Administração Pública a obrigação de demonstrar as razões não só de direito, mas também de fato por meio das quais tomou determinada decisão, ou seja, justificando os motivos que levaram a praticar o ato administrativo.

É importante enfatizar que o princípio da legalidade não se confunde com o princípio da reserva legal, pois este estatui que determinada espécie normativa deva ser aplicada para a atuação definida na Carta Política, ou seja, determinadas matérias possuem um comando normativo a ser utilizado diante da expressa dicção legal. É o que ocorre, por exemplo, com a edição de medidas provisórias pelo chefe do executivo em meio a situações excepcionais,

devendo ainda observar os demais pressupostos do artigo 62, da CRFB/88, exigindo o respeito à lei e às espécies normativas.

As leis e os diplomas legais não são as únicas fontes de direcionamento da gestão do interesse público, como também os princípios inseridos no ordenamento jurídico. Mostra-se também importante ressaltar que a administração se encontra vinculada aos atos normativos gerais que guardam conexão com o caso concreto. Destarte, o exercício das atividades no âmbito administrativo deve buscar a observância às leis específicas e ao conjunto normativo.

O princípio da legalidade, embora seja indispensável na proteção do interesse público, não possui caráter absoluto, em que diante de muitas situações conflita com o princípio da segurança jurídica, necessitando de juízo de ponderação. Não obstante, em alguns casos, a própria lei passa a fazê-lo, não dando margem a administração pública para substituí-la. É o que ocorre, por exemplo, em atos administrativos eivados de ilegalidade que beneficiem terceiros, ou seja, não poderão ser anulados decorridos cinco anos de sua prática, disposição esta contida no artigo 54, da Lei 9.784/99. A doutrina e a jurisprudência costumam atribuir a tal postulado o “princípio da proteção à confiança legítima”.