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2. Quadro jurídico

2.1. Fontes do Direito da Despesa Pública

2.2.3. Princípio da justiça financeira

A Despesa Pública financeira (Estado) tem como destinatário activo a colectividade no seio de uma determinada conjuntura económica. A justiça financeira protege sempre a colectividade. A justiça financeira deve ser um critério de decisão orçamental desde a arrecadação da receita até à realização da despesa. Inclui determinantemente o princípio da justiça tributária, princípio da programação orçamental, princípio da boa despesa pública, etc. O princípio da justiça financeira alcança-se pela eficiente satisfação das necessidades financeiras do Estado, mediante a justa repartição dos recursos73 e na prossecução do interesse público com vista à boa satisfação das necessidades públicas de uma dada colectividade. Trata-se do equilíbrio entre necessidades financeiras (receita pública) e necessidades extra-financeiras (despesa pública) perante a máxima satisfação de necessidades públicas alcançada.

a) Do princípio da boa despesa

Enquanto sub-ramo do Direito Financeiro, o Direito da Despesa Pública deve ser uma emanação do princípio da justiça financeira. A Despesa Pública deve ser justa nas suas causas determinantes e nos seus efeitos económicos. Ou seja, deve ser uma boa despesa no momento da decisão/previsão orçamental, nos seus objectivos financeiros e extra- financeiros, e deve ser uma despesa com fins equitativos/redistributivos. A este respeito, invocamos as doutas palavras de ALIAGA AGULLÓ, citado por RUIZ-ALMENDRAL, referindo-se ao processo orçamental onde «se desenvuelve el fenómeno del gasto público,

siendo precisamente en ese estadio de selección de las necesidades merecedoras de protección mediante el empleo de fondos públicos y de determinación de las prioridades a seguir en el proceso de su satisfacción, donde puede y debe desarrollarse el juicio de adecuación del destino del gasto a realizar de acuerdo con el criterio de asignación equitativa de los recursos públicos proclamado en nuestra CE, sin perjuicio, claro está,

41 de su posterior incidencia en otras fases de la función financiera de gasto», e defende

que é este «el marco esencial donde el principio de justicia material del gasto público

debe desplegar su virtualidad y proyectar su plena eficácia74».

Na nossa óptica, o princípio da justiça financeira, como defenderemos, mais do que num Direito objectivo da Despesa encontra a sua dignidade plena no direito subjectivo à (boa) Despesa Pública.

b) Do princípio da proporcionalidade

O gasto público quantitativo deve fornecer proporcionais níveis de satisfação das necessidades públicas. Ou seja, os meios (dinheiros públicos) não devem impor um sacrifício à colectividade superior às suas necessidades (que têm por finalidade satisfazer). A proporcionalidade surge, assim, como um importante princípio de Direito Financeiro: a despesa deve ser exigível (necessidades financeiras) e a receita deve ser adequada à satisfação das necessidades públicas ou extrafinanceiras75.

Se a realização da despesa pública se encontra nessa balança financeira que se resume a uma decisão orçamental, decidir significa, nesta perspectiva, pesar os meios perante os fins que se pretende atingir, sabendo que nem tudo se resume a números, porque as necessidades de uma colectividade são além-financeiras, são financeiras mais extrafinanceiras. E são estas necessidades extra-financeiras que se podem consubstanciar numa proibição do excesso na arrecadação de uma determinada receita, porque a melhor despesa, a mais justa decisão orçamental depende de uma concreta necessidade pública, difusa na sua subjectividade colectiva. Porque a escolha/decisão pela satisfação de uma dada necessidade colectiva (despesa) deve equivaler sempre a um esforço justificado (receita).

74 Cfr. ALIAGA AGULLÓ, E. – El proceso de asignación de los recursos públicos en la futura Ley General Presupuestaria, REDF, núm. 120/2003, p. 672 apud RUIZ -ALMENDRAL, Violeta – Estabilidad Presupuestaria…, op. cit., p. 276.

75

Consultar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/2008, de 23 de Dezembro de 2008, o qual cita o Acórdão n.º 187/2001: «O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:

Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»

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c) Do princípio da equidade intergeracional

O princípio da equidade intergeracional faz parte do elenco do regime fundamental do processo orçamental, i.e., integra os princípios orçamentais da LEO, como teremos a oportunidade de analisar no Capítulo III.

O Direito da Despesa define-se como o conjunto de normas que disciplina a actividade financeira do Estado na determinação das necessidades públicas ou colectivas, na provisão dos bens públicos e nos demais actos que envolvam a utilização/realização do dinheiro público, como vimos. No processo de decisão da Despesa Pública – um processo orçamental –, devem ser atendidas as necessidades públicas presentes numa relação de solidariedade na proporção sacrifício/benefícios das gerações vindouras. O princípio da equidade intergeracional reclama, desta feita, o respeito pelo princípio da proporcionalidade na repartição dos encargos e a promoção do princípio da solidariedade na maximização da Despesa Pública ou dos Direitos Fundamentais Sociais, em ordem à justa satisfação das necessidades públicas, no Meio.

2.3. Regras da Despesa Pública

O acto financeiro de Despesa obedece a regras. Para ANTÓNIO LORENA DE SÈVES76, a

decisão financeira que implicar uma despesa púbica deve seguir um conjunto principal de regras, sob pena de responsabilidade financeira77. Para o Autor, a Despesa Pública é legal, una, deve estar inscrita no OE e ter cabimento.

i) Legalidade

Nas palavras de SÈVES, a despesa deve ser legal, isto é, deve ser permitida por lei e observar todas as suas exigências, designadamente, deve ser económica, eficiente e eficaz.

76

Vide SÈVES, António Lorena de – Contratação de Bens e Serviços. Guia de Aplicação do DL 197/99, de 8 de Junho, Lisboa, Ministério das Finanças e Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional, 2003, p. 5. Vide também SOUSA FRANCO, António L. de – Finanças …, op. cit., pp. 431 e ss.

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ii) Unidade

A despesa a considerar é a correspondente ao custo total e não um montante fraccionado. O Autor dá-nos um exemplo: na locação ou aquisição de bens ou serviços a despesa a ser considerada é a unidade correspondente à despesa total, calculada por estimativa, sendo proibido fraccioná-la com a intenção de a subtrair ao regime do Decreto-Lei 197/9978.

iii) Inscrição em orçamento

Igualmente, a despesa deve estar previamente inscrita numa classe e verba, sendo que as verbas dotadas para qualquer Despesa não podem ter aplicação diversa. SÈVES refere-se a uma “execução estrita do Orçamento”, nós falamos numa tipicidade fechada na previsão e vinculação na execução da despesa. O Professor SOUSA FRANCO fala simplesmente em tipicidade orçamental79.

iv) Cabimento

A despesa deve ter cabimento, ou seja, não deve exceder, cumulativamente com despesas anteriores, o montante inscrito.

2.4. Regime Jurídico da Despesa Pública

O Direito da Despesa Pública, vimos, merece um tratamento autónomo enquanto sub- ramo do Direito das Finanças Públicas. A decisão orçamental obedece a um processo legalmente regulado, protagonizado que deve ser pela Despesa. O Regime Jurídico da Despesa Pública corresponderá à disciplina jurídica de todo o processo orçamental: previsão orçamental; execução orçamental; Administração Financeira; controlo orçamental; responsabilidade financeira; contas. Analisaremos com maior detalhe a Lei do Enquadramento Orçamental, a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, e o Regime da Administração Financeira do Estado. Na dicotomia de análise normativa

princípios e regras, tomaremos partido dos diplomas que no caso sub judice melhor nos

permitam estruturar um pensamento jurídico financeiro.

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Cfr. arts. 16.º e 23.º, 25.º do DL 197/99, de 8 de Junho.

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