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2. DO ILÍCITO TRIBUTÁRIO E SUA CRIMINALIZAÇÃO

2.4 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade, base estrutural do próprio Estado de Direito, e também a pedra angular de todo Direito Penal que aspire à segurança jurídica39,

surgiu como a importante função de retirar o poder absoluto das mãos do soberano, exigindo, assim que todos estejam subordinados à lei.

De acordo com o entendimento de Paulo Bonavides:

O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.40

Tal princípio, teve como uma de suas primeiras manifestações a redação contida no art. 7º - primeira parte - da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em que já se afirmava: Ninguém pode ser acusado, detido ou

preso, senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por ela prescritas.41

Ao se referir ao princípio da legalidade, parte da doutrina costuma fazer alusão a expressão latina nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, atribuída a 38 SILVA, Virgílio Afonso. op. cit. p. 38.

39 BATISTA, Nilo. op. cit., p. 67.

40 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, p. 112.

Paul Johann Anselm Ritter Von Feuerbach, em seu Tratado de direito penal, que veio a lume em 1801.42

Para Guilherme Nucci a legalidade pode ser visualizada a partir de três visões distintas:

Ao cuidarmos da legalidade, podemos visualizar os seus três significados. No prisma político é garantia individual contra eventuais abusos do Estado. Na ótica jurídica, destacam-se os sentidos lato e estrito. Em sentido amplo, significa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5.º, II, CF). Quanto ao sentido estrito (ou penal), quer dizer que não há crime sem lei que o defina, nem tampouco pena sem lei que a comine. Neste último enfoque, é também conhecido como princípio da reserva legal, ou seja, os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal.43

Nessa perspectiva, o inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, cristaliza o princípio da legalidade da seguinte forma: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal44 – redação esta, quase

análoga àquela contida no art. 1º do Código Penal.

É o princípio da legalidade, sem dúvida alguma, o mais importante do Direito Penal, referindo-se, em linhas gerais, a necessidade de o legislador estipular prévia e precisamente a conduta a ser tipificada, bem como a pena a ser cominada. Além disso, é preciso que o surgimento de um tipo penal respeite tanto o procedimento formal adequado, quanto a toda lógica de garantias e direitos constitucionalmente tutelados.

Em outras palavras, a lei viabiliza a segurança jurídica para o cidadão de não ser punido, caso não haja uma previsão legal anterior criando o tipo incriminador, ou seja, definindo as condutas proibidas (comissivas ou omissivas), sob a ameaça de sanção.

Parcela considerável dos penalistas, ao tratar do princípio da legalidade também discorre sobre três possíveis desdobramentos intrínsecos aquele: o princípio da reserva legal, da anterioridade da norma e da taxatividade.

Quanto ao princípio da reserva legal, este remete a vedação imposta ao

42 BATISTA, Nilo. op. cit., p. 66.

43 Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

44 BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 27/04/2020.

legislador de criar de delitos por qualquer outro tipo normativo que não seja a lei (em sentido estrito). Somente o produto da função do Poder Legislativo poderá tipificar crimes. Nem mesmo medidas provisórias, que têm força de lei, podem ser utilizadas, por não serem fruto da representação popular. Além disso, é preciso que se respeite a competência do ente federativo para a criação da norma penal - segundo o art. 22, inciso I, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito penal.

Importante, salientar que o princípio da reserva legal possui uma limitação referente ao conteúdo material da norma incriminadora. Sobre o tema, salienta Ferrajoli:

O sistema das normas sobre a produção de normas – habitualmente estabelecido, em nossos ordenamentos, com fundamento constitucional – não se compõe somente de normas formais sobre a competência ou sobre os procedimentos de formação das leis. Inclui também normas substanciais, como o princípio da igualdade e os direitos fundamentais, que de modo diverso limitam e vinculam o poder legislativo excluindo ou impondo-lhe determinados conteúdos. Assim, uma norma – por exemplo, uma lei que viola o princípio constitucional da igualdade – por mais que tenha existência formal ou vigência, pode muito bem ser inválida e como tal suscetível de anulação por contraste com uma norma substancial sobre sua produção.45

Já o princípio da anterioridade da lei, de forma sucinta, exige que a lei esteja em vigor antes da prática do ato definido como criminoso. Assim, tanto a conduta já deve estar prevista em lei e em vigor, como as penas cominadas. Extrai-se, ainda, a inaplicabilidade de um eventual aumento de pena após a realização da conduta criminosa.

Conforme Greco46, “com essa vertente do princípio da legalidade tem-se a

certeza de que ninguém será punido por um fato que, ao tempo da ação ou da omissão, era tido como um indiferente penal, haja vista a inexistência de qualquer lei penal incriminando-o (nullum crimen nulla poena sine lege praevia).”

Por fim, quanto à taxatividade, tem-se que esta possui duplo direcionamento. Nesse sentido, explica Luiz Regis Prado47 que o princípio da taxatividade pode

possuir como destinatários tanto o legislador (nesse caso, também chamado de princípio da determinação) como o próprio Juiz em sua atividade jurisdicional.

45 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías – La ley del más débil, p. 20-21. 46 GRECO, Rogério. op. cit., p. 146.

47 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, arts. 1º a 120. São Paulo: Revista dos Tribunais, 13. ed. rev. atual. e ampl., 2011, p. 109.

Quanto a sua primeira dimensão, é voltada para o legislador, devendo este, descrever o fato punível de maneira mais minuciosa, precisa e taxativa possível. Ademais, os cidadãos devem saber exatamente quais comportamentos são considerados ilícitos, logo, sendo vedado ao legislador o uso de conceitos vagos e imprecisos, pois esta prática acarreta a indesejada insegurança jurídica.

Por outro lado, a taxatividade da lei busca garantir que o juiz interprete a norma penal nos limites estritos a que foi formulada, de tal forma que sua interpretação não venha a constituir abuso judicial. Prado, acrescenta que: “Em outras palavras, restringe-se a liberdade decisória do juiz (arbitrium judieis) a determinados parâmetros legais, que não podem ser ultrapassados no momento da aplicação da lei ao caso concreto.”48

3. ANÁLISE DO TIPO PREVISTO NO INCISO II DO ART. 2°, DA LEI Nº