• Nenhum resultado encontrado

2. O HABEAS CORPUS COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DO DIREITO

3.5 PRINCÍPIOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS APLICÁVEIS AO HABEAS

3.5.1 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Há quem sustente que a proporcionalidade tem origem na França e objetivava o controle judicial dos atos administrativos do Conselho do Estado francês para corrigir os

194 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Trad. de Denise Agostinetti. 1ª ed. São Paulo: Martins fontes,

2007, p. 25- 27.

195

VAN DER BROOCKE, Alexandre Moreira. Direitos fundamentais e proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), Curitiba: CRV, 2016, P. 20.

196 O Estado na qualidade do destinatário dos direitos fundamentais, porque é nele que o indivíduo titular do

direito fundamental irá pleitear que lhe garanta o seu direito (seja ele à vida, liberdade etc.,) contra uma ameaça real ou potencial decorrente do agir do próprio Estado ou do terceiro. Ibidem. P. 37.

excessos ou desvios cometidos pelo órgão e, de lá teria sido projetado, para países vizinhos, principalmente a Alemanha, onde foi recepcionada como princípio da proporcionalidade, profundamente vinculada à proibição do excesso, realizável mediante os critérios de adequação e da necessidade do ato interventivo do Estado197.

Pela sua origem, a proporcionalidade revela uma derivação do ideário liberal iluminista de defesa dos direitos e liberdades fundamentais do homem face às investidas do Poder Público, que comprometiam o exercício dos direitos fundamentais conquistados com a suplantação do Estado absoluto para o Estado de Direito, este último firmado na limitação e no controle do poder absoluto do monarca e na garantia de liberdade dos cidadãos.

Antonio Scarance Fernandes preleciona que:

O princípio da proporcionalidade foi desenvolvido inicialmente na Alemanha, sob inspiração de pensamentos jusnaturalistas e iluministas, com os quais se afirmaram as ideias de que a limitação da liberdade individual só se justifica para a concretização de interesses coletivos superiores, e, no plano do direito administrativo, de que o exercício do poder de polícia só estaria legitimado se não fosse realizado com excesso de restrição aos direitos individuais198.

Hodiernamente, o princípio da proporcionalidade representa a justa medida para constatação de quaisquer atos interventivos ou restrições do Poder Público exagerados em face dos direitos fundamentais, e assegura a realização destes direitos em concreto, conforme os princípios que informam e fundamentam a ordem jurídica cujo baluarte é a dignidade da pessoa humana.

Destarte, o princípio da proporcionalidade procura equilíbrio na intervenção do poder público na esfera individual dos indivíduos. Igualmente, o princípio da proporcionalidade revela-se um instrumento jurídico apto a controlar a constitucionalidade das leis, atos e decisões dos órgãos públicos, predispostos a declinar ou restringir os direitos fundamentais de forma desproporcionada. Neste sentido, sustenta George Marmelstein:

O princípio de proporcionalidade é, portanto, o instrumento importante para aferir a legitimidade das leis e atos administrativos que restringem direitos fundamentais. Por isso, esse princípio é chamado “limite dos limites”. O objetivo da aplicação da regra de proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensão desproporcional199.

197

SLERCA, Eduardo. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 79.

198 FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores,

1995, p. 54-55.

199

Isso denota que, a medida restritiva dos direitos fundamentais deve ser proporcional, para não se exceder o limite tolerável da restrição, nem proteger insuficientemente os direitos fundamentais, conforme preleciona Sebástian Borges de Albuquerque Mello dizendo:

Sendo o Direito Penal um instrumento de realização de Direitos Fundamentais, não pode prescindir do princípio da proporcionalidade para realização de seus fins. Esse princípio, mencionado com destaque pelos constitucionalistas, remonta a Aristóteles, que relaciona justiça com proporcionalidade, na medida em que assevera ser o justo uma das espécies do gênero proporcional. Seu conceito de proporcionalidade repudia tanto o excesso quanto a carência. A justiça proporcional, em Ética e Nicômaco é uma espécie de igualdade proporcional, em que cada um deve receber de forma proporcional ao seu mérito. Desta forma, para Aristóteles, a regra será justa quando seguir essa proporção 200.

Sebastian, baseando-se nas lições do Robert Alexy, aborda as três dimensões do princípio da proporcionalidade que são: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, que se passará apresentar.

Adequação – demanda que o ato do poder público seja adequado aos fins que justificam a sua adoção, ou seja, os meios devem ser ajustados aos fins pretendidos pelo Estado. Assim, o meio elegido pelo Estado não deve ofender o direito fundamental, caso contrário deve ser vedado caso não otimize o direito fundamental.

Necessidade – na realização de um interesse público ou fim do Estado, deve-se adotar o meio ou medida que tenha menor ingerência possível nos direitos fundamentais, isto é, se existir dois meios para que o poder público realize um determinado fim, exige-se que adote o meio que onere menos os direitos dos cidadãos/indivíduos.

E já a proporcionalidade em sentido estrito – traz a ideia de ponderação, segundo Alexy, se uma norma de direito fundamental colide com outro princípio em sentido oposto, deve-se sopesar os interesses em conflito para buscar a medida mais adequada, a fim de proporcionar equilíbrio entres os interesses opostos com menor prejuízo possível.

A decisão sobre habeas corpus na Guiné-Bissau, deve observar os fundamentos dessas três dimensões do princípio da proporcionalidade para salvaguardar o direito de ir e vir dos indivíduos que atual dogmática constitucional não ajuda, colocando dos indivíduos em causa num completo estado de vulnerabilidade, à revelia do valor que norteia o Estado Democrático de Direito – a dignidade da pessoa humana.

200 MELLO, Sebastian Borges de Albuquerque. O Princípio da proporcionalidade no direito penal. In:

SCHMITT, Ricardo Augusto (ORG.). Princípios penais constitucionais: direito e processo Penal à luz da Constituição Federal. Salvador: Juspodivm, 2007, p.204.

No que diz respeito à primeira dimensão, exige ao poder público que eleja medida que não ofenda ao direito fundamental, constata-se que, encaminhar o pedido de habeas corpus para outro tribunal próximo ou STJ, não é uma medida adequada do ponto de vista protetivo do direito fundamental em questão, razão pela qual deve ser vedada por não otimizar o direito de ir e vir dos cidadãos em prol do tribunal em que ocorreu a prisão.

Com relação à segunda dimensão da proporcionalidade, para restringir a liberdade de um cidadão deve ser observado se não existe outra medida que onere menos este direito, isto é, se a única medida necessária (entre as várias medidas necessárias existentes) para que o Estado atinja o fim almejado e, no caso da decisão de habeas corpus, é importante ponderar qual a ferramenta mais eficaz: se é o encaminhamento do pedido para outro tribunal mais próximo ou para STJ e decidir no órgão da região em que ocorreu a restrição da liberdade dos indivíduos, qual deles onere menos o direito fundamental em comento.

É obvio que, entre estas duas possibilidades, a última onera menos o direito sindicado, sendo mais preferível que a primeira - que é largamente desproporcional por demandar muito tempo, uma vez que instituto heroico é caracterizado pela celeridade. (economia processual e eficiência)

E por último, para proporcionalidade, em sentido estrito, devem-se ponderar dois interesses opostos. Primeiro é a norma do Estado que determina o procedimento demorado para proteger a liberdade do individuo – o habeas corpus, o outro é o direito fundamental do indivíduo que se vê muito onerado por este procedimento positivado pelo Estado em detrimento de outro que lhe oneraria menos (dar competência ao tribunal do local do fato). No caso em tela, têm-se dois interesses em conflito que devem ser sopesados para encontrar uma medida adequada que lese da menor forma possível o direito de liberdade do individuo.

Entre dois interesses acima citados, um oferece menor sacrifício ao direito fundamental porque, se o pedido de habeas corpus for decidido pelo tribunal do local do fato o procedimento seria mais célere e seria mais eficaz do ponto de vista de proteção do direito fundamental de ir e vir.

Habeas corpus é um remédio constitucional que se caracteriza pela sua celeridade, como se compreende do que foi exposto, a dogmática constitucional guineense não oferece esta característica que é inerente ao instituto heroico pelo que, a proteção de direito de locomoção dos indivíduos quando presos é deficiente porque, ficam mais tempo presos do que deveriam devido à lerdeza do procedimento que faz com que o Estado proteja menos o direito fundamental, ofendendo assim ao princípio de proibição de proteção deficiente.

3.5.2 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE