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Princípio da tributação das empresas pelo lucro real

CAPÍTULO III – FUNDAMENTOS DA DERROGAÇÃO DO SEGREDO

3. Os vários princípios coadjuvantes na derrogação

3.3. Princípio da tributação das empresas pelo lucro real

Se é certo que um dos impulsionadores, na doutrina, para a extinção da proteção dos dados bancários é Saldanha Sanches, o que se deve aos ideais que defendeu, dúvidas não restam que para esta concretização, terão de se aplicar mecanismos que desnudam os dados bancários, possibilitando o acesso por

200 Cfr. SANCHES, José Luís Saldanha, Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 212. Este

autor dá como exemplo o “(…) caso de um imposto equitativamente igual, i.e., uma “flat tax”. Se todos os contribuintes pagassem o mesmo valor de imposto, teríamos um resultado quantitativamente idêntico para todos os destinatários da lei fiscal e respeitar-se-ia a igualdade em sentido formal, mas criar-se-ia uma claríssima desigualdade no sacrifício”, cfr. SANCHES, José Luís Saldanha,

Manual de Direito Fiscal, cit., p. 212.

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determinadas entidades – administração tributária –. Tal adveio, tão só, da necessidade de combater a desenfreada despesa pública, o que culminou com a concessão de maiores poderes de investigação à administração tributária, de modo a determinar a real e efetiva capacidade de cada sujeito contribuir para este modelo social insaciável.

No que aos contribuintes diz respeito, verificamos que terá de se averiguar a origem do seu rendimento e se o rendimento declarado coincide com a realidade. As situações mais favoráveis para fugir ao dever fundamental de pagar impostos circunscreve-se aos trabalhadores por conta própria, melhor dizendo, aos rendimentos enquadrados na categoria B de IRS – rendimentos empresariais e profissionais.

A tributação das empresas pelo lucro real202 surgiu com o artigo 108.º do CIRC, que concedia à DGCI “(…) livre acesso a quaisquer locais destinados ao exercício de actividades de pessoas colectivas», para «examinar os livros e registos de contabilidade ou quaisquer documentos com ele relacionados, incluindo os programas e suportes magnéticos», podendo também «proceder aos exames e diligências aí mencionadas relativamente a quaisquer pessoas ou entidades que tenham ligação com o contribuinte ou com ele mantenham relações económicas»”203.

Este princípio encontra-se constitucionalmente consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, onde se dispõe que “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”. Equaciona-se, contudo, qual o âmbito que deve ser adotado ao conceito constitucional de empresa. Alguns autores, como são disso exemplo, Casalta Nabais, Rogério Fernandes Ferreira e José Xavier de Basto, defendem a adoção de uma conceção ampla, a qual abrangerá quer as sociedades comerciais, quer as empresas individuais ou singulares, englobando-se aqui os profissionais independentes e demais empresas de natureza individual, respeitantes ao setor comercial, industrial e agrícola204.

Por conseguinte, este princípio encontra-se em estreita sintonia quer com o princípio da legalidade, quer com o princípio da igualdade fiscal, pois através dos elementos contidos na contabilidade das empresas, estar-se-á melhor apetrechado para se determinar e verificar qual o real e efetivo rendimento obtido, determinando-se, desde logo, também a real e efetiva capacidade contributiva daquelas.

202 Na opinião de Benjamim Rodrigues a opção por este sistema é “(…) apta a realizar os objectivos materiais próprios de um

sistema fiscal de um Estado de Direito, como o nosso é, de propiciar o desenvolvimento económico, a justiça da tributação segundo a capacidade contributiva e a diminuição consistente das desigualdades económicas dos cidadãos”, cfr. RODRIGUES, Benjamim, «O Sigilo Bancário e o Sigilo Fiscal», in Colóquio luso-brasileiro sobre o Sigilo Bancário, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, p. 108

203 Cfr. SANCHES, José Luís Saldanha, Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal, cit., p. 113. 204 Neste sentido, vide GOMES, Noel, Segredo Bancário e Direito Fiscal, cit., pp. 138-139.

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Porém, não basta que este princípio da tributação se encontre expressamente consagrado na CRP para que, de per si, seja respeitado. Se assim fosse, estaríamos num mundo idílico, no qual bastava ao estado, no papel de legislador, prever todos os direitos e obrigações que um sujeito passivo deve pautar no seu quotidiano, para que aquele as cumprisse. Ora, a realidade diz-nos que não é isso que se passa, pois verifica- se que, cada vez mais, se confere poderes de investigação a órgãos da administração tributária para controlo quer dos direitos, quer das obrigações dos seus contribuintes mas, mais do que isso, se aquele sistema idílico existisse, para que a existência de meios jurisdicionais?

Saldanha Sanches recorre ao parecer da PGR n.º 138/83, publicado no DR a 11 de abril de 1985, para estabelecer a ligação entre o princípio constitucional da tributação das empresas segundo o seu lucro real e o princípio de proteção dos dados bancários, pois aquele refere que “(…) para lutar contra a fraude e a evasão fiscais, recomenda ao Comité de Ministros que «exorte os Estados membros a abolir regras demasiado restritivas sobre o sigilo bancário sempre que o for necessário para facilitar as investigações em ou de dissimulação de fundos provenientes de outras actividades delituosas de caso de fraude fiscal»”205.

Em Portugal, devido ao fenómeno da fraude e evasão fiscais foram implementados – através de reformas fiscais – mecanismos administrativos que possibilitam o acesso aos dados bancários para confrontação e verificação do declarado pelos sujeitos passivos. A anteceder estas reformas fiscais foram realizados vários estudos para se aferir, verificado que estamos perante dois princípios que a doutrina refere como constitucionalmente previstos, se algum deles poderá prevalecer, tendo-se concluído, não pacificamente, que a proteção dos dados bancários teria que se encaminhar para segundo plano, pois a necessidade de obter receitas públicas o imperava.

Aqui chegados, importa determinar qual o modelo de rendimento, adotado em

Portugal, para averiguar a capacidade contributiva. Ora, podemos apurar o rendimento real por duas formas: mediante os elementos fornecidos pelos contribuintes, mormente os constantes na sua contabilidade – rendimento real – ou, quando tal não seja possível, é necessário recorrer a indícios ou presunções – rendimento presumido. Para José Xavier de Basto, quer o rendimento efetivo, quer o rendimento presumido “(…) são ainda rendimento real, apenas se diferenciado pela intensidade do apelo que fazem a

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elementos objectivos ou objectivados pela declaração e registos dos sujeitos passivos e demais suportes disponíveis”206.

João Sérgio Ribeiro207 é da opinião de que a tributação presuntiva constitui uma solução intermédia entre a tributação do rendimento com recurso a elementos declarativos e contabilísticos e a tributação do consumo. Considera que o rendimento real “(…) corresponde ao rendimento efetivamente obtido pelo sujeito passivo. No entanto, face às dificuldades inerentes à determinação de tais valores reais e por razões de pragmatismo, tornou-se corrente identifica-lo com o rendimento apurado com base nas declarações dos contribuintes, suportadas por elementos de teor contabilístico”208

.

Por sua vez, contrapõe ao rendimento real, o rendimento normal, que consiste

numa “(…) tributação que não se baseia na contabilidade e que não cuida, à partida, de fazer um esforço no sentido de determinação do rendimento efectivo ou real, operando, por conseguinte, não a posteriori como a tributação pelo rendimento real, mas a priori, ou seja, num momento anterior à obtenção do rendimento”209

, recorrendo-se a rendimentos médios de um determinado setor económico ou profissional.

Pese embora os conceitos descritos, João Sérgio Ribeiro entende que a terminologia aplicada pela LGT não é a mais adequada, dado não corresponder à realidade fática. Assim, considera que quando estejamos perante situações que se enquadrem no rendimento normal, devemos referir-nos à tributação presuntiva, por esta ser mais abrangente que a primeira. Já quando estejamos perante circunstâncias que absorvem o rendimento real, devemos utilizar a nomenclatura tributação baseada nas declarações dos contribuintes e nos elementos de teor contabilístico que lhe servem de suporte210.

Assim, “[a] natureza do princípio da tributação pelo lucro real – independentemente de se apurar se o mesmo se trata de um modelo puro ou moderado – articulada com a natureza subsidiária do recurso a presunções como forma de determinar o rendimento real, recomenda que a administração tributária esteja dotada de

206 José Xavier de Basto apud GOMES, Noel, Segredo Bancário e Direito Fiscal, cit., p. 139. 207

Para mais desenvolvimentos sobre o conceito de rendimento vide RIBEIRO, João Sérgio, Tributação Presuntiva do

Rendimento, Coimbra, Almedina, 2010 p. 23 e seguintes.

208 Cfr. RIBEIRO, João Sérgio, Tributação Presuntiva do Rendimento, cit., p. 24.

209 Cfr. RIBEIRO, João Sérgio, Tributação Presuntiva do Rendimento, cit., p. 24. Este autor considera que o conceito de

rendimento real “(…) enquanto rendimento obtido através de elementos contabilísticos, não parece ser de acolher, uma vez que o rendimento só será verdadeiramente real depois da comprovação e verificação dos elementos contabilísticos. Ou seja, depois de feita uma fiscalização adequada”. No que concerne ao rendimento normal, entende que “[i]ndependentemente de existirem diferentes formas de determinação do rendimento normal, sendo umas mais sofisticados do que outras, este conceito é, ainda assim, muito limitado, sendo insuficiente para agregar, sob a sua égide, todas as formas alternativas à determinação da matéria colectável com base nas declarações dos contribuintes e elementos de teor contabilístico que lhes servem de suporte”, cfr. RIBEIRO, João Sérgio,

Tributação Presuntiva do Rendimento, cit., p. 26.

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amplos poderes de controlo e de investigação, por forma a «averiguar se a contabilidade das empresas (…) se mostra ou não adequada para a determinação real do lucro»”211.