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CAPÍTULO III – FUNDAMENTOS DA DERROGAÇÃO DO SEGREDO

3. Os vários princípios coadjuvantes na derrogação

3.2. Princípio da igualdade fiscal

“Os sistemas de tributação com base no rendimento e a atribuição de uma igualdade de tratamento a todos os contribuintes, constituem assim uma concretização do princípio da igualdade fiscal na medida em que a «igualdade fiscal exige não apenas a igualdade na legislação mas também a igualdade na aplicação da lei»”193. Ora, a concessão de competências de fiscalização à administração tributária tem primordialmente incidido sobre o rendimento pessoal dos contribuintes, pelo que a atuação daquela terá de ser estabelecida perante um critério uniforme no qual se possa aferir o respeito pelo princípio da igualdade na tributação.

Não podemos olvidar que o procedimento administrativo tributário tem subjacente, em termos semelhantes, o princípio da igualdade, tal qual se encontra disposto no CPA194, que no seu artigo 6.º refere que a administração “[n]as suas

192 Cfr. Joaquim Freitas da Rocha apud SILVA, Hugo Flores da, Privatização do Sistema de Gestão Fiscal, cit., p. 252. 193 Cfr. SANCHES, José Luís Saldanha, Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal, cit., p.96. Para um estudo mais

aprofundado sobre o princípio da igualdade fiscal vide NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, cit., p. 435 e seguintes.

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relações com os particulares (…) deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Este princípio, sendo um dos pilares essenciais na ordem constitucional democrática subjacente a um estado de direito, está constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da CRP. A emanação, pelo legislador, de um ato normativo que estabeleça a criação e aplicação de tributos – a uma realidade suscetível de constituir um facto tributário –, de forma arbitrária e discricionária – sem para tal estabelecer um método lógico normativo que permita aferir com razoabilidade o respeito pelo princípio da igualdade –, constituirá, a priori, uma inconstitucionalidade material, por violação de um princípio fundamental formalmente consagrado195.

Telmo José Macedo Alves é da opinião que o interesse público na “(…) Justa, equitativa e igual repartição dos encargos financeiros do Estado e dos gastos públicos por todos os cidadãos (…)”196, determina que se aplique uma “(…) “igualdade na medida da diferença” (…) no sentido de que os ricos devem pagar mais que os pobres, ou de que a taxa aplicável deve aumentar à medida que aumenta a matéria colectável (…)”197. A melhor manifestação deste princípio do rendimento das pessoas singulares é através do princípio da progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, o qual “(…) é uma concretização do princípio da igualdade, que se extrai, desde logo, do artigo 106º nº 1 da Constituição198 e visa uma repartição justa do rendimento”199.

Por sua vez, Saldanha Sanches refere que “(…) a igualdade tributária vai exigir a construção de princípios específicos para a igualdade na área fiscal, o Direito Fiscal

195 Igual entendimento é perfilhado por Gomes Canotilho e Vital Moreira ao referirem que “[a] vinculação da administração

pelo princípio da igualdade encontra os seus momentos mais relevantes no seguinte: (a) proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coactivas desiguais (encargos ou sacrifícios) na esfera jurídica dos cidadãos (igualdade na repartição de encargos e deveres); (b) exigência de igualdade de benefícios ou prestações concedidas pela administração (administração de prestações); (c) autovinvulação da administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade (…), cfr. CANOTILHO, José Joaquim Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República

Portuguesa Anotada, Artigos 1º a 107º, cit., p. 345.

196 Cfr. ALVES, Telmo José Macedo, «O Sigilo Bancário – Uma Perspectiva Constitucional em Matéria Tributária», cit., p.

26.

197

Cfr. ALVES, Telmo José Macedo, «O Sigilo Bancário – Uma Perspectiva Constitucional em Matéria Tributária», cit., p. 26.

198 Fruto da quarta revisão constitucional, operada pela Lei n.º 1/97, de 20 de setembro, este princípio não se encontrava

plasmado no artigo 106.º, n.º 1, antes sim, no artigo 103.º, n.º1, no qual se estabelece que “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.

199 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de junho de 2004, proc. n.º 02060/03 ,relator António Pimpão,

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procura conceitos que ultrapassem a igualdade meramente formal”200. Defende que a tributação deverá atender ao princípio da progressividade, evitando-se assim a tributação proporcional, na qual a implementação de uma taxa única para distintos níveis de rendimento suscitaria uma desigualdade entre os contribuintes. Desta forma, contribuintes que aufiram rendimentos na mesma categoria e em montantes semelhantes terão, necessariamente, de ser tributados segundo o mesmo parâmetro, sendo que, contribuintes que apesar de auferirem rendimentos circunscritos à mesma categoria, obtenham montantes distintos terão, obrigatoriamente, de ser tributados de forma distinta, sob pena de se violar o princípio da igualdade fiscal.

O princípio da igualdade vincula quer cada órgão da administração tributária, quer a própria administração, na sua unicidade, pelo que sobre esta deverá resultar “(…) um dever de harmonização da interpretação e aplicação do direito tributário a contribuintes colocados em situação idêntica”201.

Por fim, importa ter em atenção que este princípio não pode ser dissociado do princípio da capacidade contributiva, pois só mediante o apuramento real e efetivo do rendimento que cada contribuinte aufere é que se averiguará e aplicará uma tributação justa e equitativa, de acordo com o princípio da igualdade fiscal.

Assim, a emanação pelo legislador de atos normativos que expressem vontades estaduais, estabelecendo mecanismos que penalizem e irradiem quer a fraude, quer a evasão fiscais, sem proteger os interesses e os direitos dos seus contribuintes, estar-se-á, claramente, perante um ato normativo violador de um pilar fundamental do nosso ordenamento, o princípio da igualdade, e que, por sua vez, se encontra ao arrepio dos princípios vigentes num Estado de Direito Democrático.