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Princípio do poluidor-pagador

No documento MESTRADO EM DIREITO URBANÍSTICO (páginas 46-52)

CAPÍTULO III. PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL E DE DIREITO URBANÍSTICO

2. Princípios de Direito Ambiental

2.3. Princípio do poluidor-pagador

As definições, tanto de poluição quanto de poluidor, são dadas pela própria lei que trata da Política Nacional do Meio Ambiente 74, e de plano, vale o alerta dado por

73ALVES, Wagner Antônio. Princípios da precaução e da prevenção no direito ambiental brasileiro.

São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 63-64.

74Lei 6.9838/81: Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: III- poluição, a

degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições

Édis Milaré, no sentido de que “trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não pagador-poluidor (pagou, então pode poluir)”75. É fundamental o

entendimento nesse sentido, pois do contrário, chegar-se-ia à conclusão, equivocada por certo, de que aquele que pagou pode poluir, contrariando expressa orientação constitucional quanto ao caráter preservacionista que deve prevalecer na política nacional para o meio ambiente. (artigo 225 da C.F.).

A prevenção desejada e determinada pela Constituição Federal se alcança por meio de um dos instrumentos previstos na legislação ordinária, vistos no item anterior, cujo licenciamento, que será melhor estudado adiante, é um dos principais instrumentos, podendo até ser negado, caso haja alguma dúvida a respeito dos danos que a atividade econômica desenvolvida por determinado empreendimento possa causar ao meio ambiente.

Porém, se depois de verificados todos os critérios científicos que garantam, dentro dos parâmetros estabelecidos pelas normas técnicas, a integridade ambiental do empreendimento, e em consequência, for concedida a licença de operação, é certo que, ainda assim, em ocorrendo um dano ao meio ambiente durante o funcionamento do empreendimento ou durante o processo produtivo, o que é muito comum de acontecer, o empreendedor responderá pela poluição causada, conforme dispõe o artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente): “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” (g. n.).

Neste ponto, faz-se necessário destacar o caráter objetivo da responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, aquele que independe de culpa, introduzida no Brasil pela norma acima transcrita (art. 14, parágrafo 1º da Lei 6.938/81) e recepcionada, posteriormente, pela Constituição

estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. IV- poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Federal, uma vez que da leitura do artigo 225, parágrafo 3º, fica claro que este não estabeleceu qualquer condição vinculada à culpa para determinar o dever de reparar um dano causado ao meio ambiente; conforme se lê: “Art. 225, parágrafo 3º (...): As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Consagrada pela Constituição Federal, a responsabilidade objetiva deixa evidente que: 1-) não poderá haver qualquer norma infra-constitucional que adote a responsabilidade subjetiva no âmbito do Direito Ambiental; e 2-) tem que existir um nexo causalidade entre a conduta do autor e o dano causado ao meio ambiente.

Convém lembrar que a legislação brasileira, no âmbito do Direito Civil, ainda continua adotando a regra geral que sempre prevaleceu para aplicação da responsabilidade civil no Brasil, qual seja, o caráter subjetivo, isto é, a responsabilidade que tem como fundamento a culpa, nas modalidades de imprudência e negligência; e o dolo, conforme dispõem os artigo 186, 187 e 927 do Código Civil.76 Segundo essas disposições legais, deve-se analisar se o agente causador do dano agiu com culpa ou não, sendo a negativa, causa excludente do dever de indenizar.

Porém, mesmo mantendo o caráter subjetivo da responsabilização civil, é inegável que o Código Civil de 2002 inovou quando o parágrafo único do artigo 927 trouxe “acréscimo antes inexistente dispondo que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.77

76Código Civil: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direito de outrem.

Portanto, embora mantido o caráter subjetivo da responsabilidade civil, em duas hipóteses ela poderá ser admitida independentemente de culpa: “nos casos especificados em lei”, por exemplo a Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), ou “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Nesta última hipótese, “o Código Civil curvou-se ao entendimento pacífico da doutrina e dos precedentes reiterados de nossos tribunais, que já vinham abraçando esse entendimento”.78

Existe dúvida na doutrina se na responsabilização objetiva caberia alguma das clássicas excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior, responsabilidade de terceiros, etc).79 A doutrina tem se posicionado majoritariamente no sentido de não aceitar tais excludentes, mesmo que o autor do dano desenvolva uma atividade lícita e regularmente licenciada, pois deve ser adotada a teoria do risco integral, segundo a qual: se não fosse a atividade desenvolvida pelo agente não ocorreria o dano. Basta, portanto, como foi dito, a comprovação do nexo de causalidade entre a atividade exercida pelo agente e o dano ocorrido.80

A responsabilização dos empreendimentos devidamente licenciados se justifica, conforme explica Cristiane Derani, porque “durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas ‘externalidades negativas’. São chamadas externalidades porque, embora resultante da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e socialização de perdas’, quando identificadas as externalidades negativas. Com aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo- se sua internalização. Por isto, este princípio também é conhecido como o princípio da responsabilidade (...).”.81 (destaques da autora).

78STOCO, Rui. op. cit.

79SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional, cit., p. 316. 80MILARÉ, Édis. op. cit., p. 906-907.

Este princípio, em última análise, pretende viabilizar que o desenvolvimento econômico ocorra de uma forma sustentável, conforme preconiza o inciso I do artigo 4º, da Lei 6.938/81, que diz: “A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I- à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. (...)

Cabe discorrer, ainda que de forma breve, acerca da característica (subjetiva ou objetiva) da responsabilidade do Estado na tutela do meio ambiente. Conforme dispõe o artigo 225 da Constituição Federal, essa responsabilidade do Poder Público é compartilhada com a coletividade, haja vista que ambos têm o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

No caso de responsabilidade pelos danos que, diretamente, foram causados pelo desenvolvimento de suas atividades típicas (ex.: abrir estradas, instalar usinas atômicas, construir hidrelétricas sem a realização de EIA/RIMA), não há maiores discussões no sentido de se considerar objetiva tal responsabilidade, conforme fundamentam a conjugação dos seguintes artigos: 37, parágrafo 6º e 225, parágrafo 3º, da CF; 3º, IV e 14, parágrafo 1º da Lei 6.938/81, e 43 e 927, parágrafo único, do Código Civil.82 Tendo sido consagrado, também aqui, ao que parece, a teoria do risco integral.83

A discussão reside no caso de omissão do Poder Público, ou seja, quando este não cumpre seu dever legal de impedir que os danos ambientais ocorram.

82Constituição Federal: Art. 37, parágrafo 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito

privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Art. 225, parágrafo 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Lei 6.938/81: art. 3º, IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Art. 14, par. 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Código Civil: Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Art. 927. já transcrito.

Ele não causou diretamente o dano, mas sua inoperância e tolerância indiretamente levou a isso (ex. ausência/ineficiência de fiscalização ou concessão irregular do licenciamento ambiental). Nesse caso, aplica-se a teoria subjetiva ou objetiva da responsabilidade civil?

Dentre os autores que defendem ser subjetiva tal responsabilidade, destaca-se Celso Antônio Bandeira de Mello, que esclarece: “Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo (destaques do autor).84

Dentre os que defendem tratar-se de responsabilidade objetiva, destacam- se Édis Milaré e José Afonso da Silva, este último ao rebater posicionamento subjetivista de Helli Alves de Oliveira, dizendo: “Torna-se, no entanto, complicado defender essa posição diante da cláusula constitucional que impõe ao Poder Público o dever de defender o meio ambiente e de preserva-lo para as presentes e futuras gerações. ...”.85

Parece ser essa última a melhor orientação, diante da relevância do bem que se pretende defender, o meio ambiente, e também pelo entendimento que se pode depreender da leitura sistemática e lógica que se deve fazer do parágrafo 2º do artigo 14, da lei 6.938/81, que dispõe sobre a responsabilidade no caso de omissão da autoridade estadual ou municipal86, inserido no contexto da responsabilização objetiva, conforme previsto, expressamente no parágrafo 1º deste mesmo artigo 14, retro transcrito.

84MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo:

Malheiros Ed., 2008. p. 1002-1003.

85SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional, cit., p. 318.

86Parágrafo 2º do artigo 14 da lei 6.938/81: “ No caso de omissão da autoridade estadual ou

municipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplicação das penalidades pecuniárias previstas neste artigo.

Por derradeiro, é imperativo destacar que “como decorrência do sistema da responsabilidade objetiva adotado pelo legislador, havendo mais de um empreendedor, prevalece entre eles o vínculo e as regras da solidariedade”,87 na

forma estabelecida pelo artigo 942 do Código Civil que diz: “os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.

No documento MESTRADO EM DIREITO URBANÍSTICO (páginas 46-52)

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