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Apesar de a Constituição ser uma só e dever ser interpretada de forma a garantir a máxima harmonização entre suas normas e dos bens jurídicos protegidos, através de interpretação que vise a concordância prática, ela é fruto do contexto político de uma época e abarca, às vezes, interesses contrapostos, decorrentes de um ambiente democrático, que, no caso concreto, devem ser ponderados211.

Nas palavras de J. J. Gomes Canotilho212, o princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso é “um princípio de controlo exercido pelos tribunais sobre a

210 “PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTUPRO. POSTERIOR CONVIVÊNCIA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM BASE NO ART. 107, VII, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA, NO CASO CONCRETO. ABSOLUTA INCAPACIDADE DE

AUTODETERMINAÇÃO DA VÍTIMA. RECURSO DESPROVIDO. O crime foi praticado contra criança de nove anos de idade, absolutamente incapaz de se autodeterminar e de expressar vontade livre e autônoma. Portanto, inviável a extinção da punibilidade em razão do posterior convívio da vítima - a menor impúbere violentada - com o autor do estupro. Convívio que não pode ser caracterizado como união estável, nem mesmo para os fins do art. 226, § 3º, da Constituição Republicana, que não protege a relação marital de uma criança com seu opressor, sendo clara a inexistência de um consentimento válido, neste caso. Solução que vai ao encontro da inovação legislativa promovida pela Lei n° 11.106/2005 - embora esta seja inaplicável ao caso por ser lei posterior aos fatos -, mas que dela prescinde, pois não considera validamente existente a relação marital exigida pelo art. 107, VII, do Código Penal. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido”. (RE 418376, Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO. Relator(a) p/ Acórdão: Ministro JOAQUIM BARBOSA. Tribunal Pleno. Julgado em 09/02/2006. Publicado em: 23/03/2007).

211 SARLET, Ingo. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 93.

212 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7º ed., 20ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003, p. 268.

adequação dos meios administrativos (sobretudo coactivos) à prossecução do escopo e ao balanceamento concreto de direitos ou interesses em conflito.” A técnica do princípio da proporcionalidade, em sentido amplo, é utilizada quando existem normas constitucionais em conflito.

Como bem lembrado por George Marmelstein213, “as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado Democrático de Direito.”

É típico de um Estado de Direito possuir normas constitucionais que contemplem diversos valores, alguns contraditórios aos outros. Em face da unidade da Constituição, a técnica da proporcionalidade, em sentido amplo, é uma das possibilidades de verificação sobre qual norma deve prevalecer quando houver conflito em determinado caso concreto. A restrição total ou parcial de um valor, através das regras da proporcionalidade, sempre deve ser buscada com a máxima otimização das normas.

As limitações (restrições) a um direito devem atingir a finalidade visada, sem atingir o seu âmbito de proteção. Essa teoria foi bastante desenvolvida pelo professor alemão Robert Alexy, que a chamou de técnica da máxima proporcionalidade, composta por 03 (três) subprincípios ou máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito214.

O professor Robert Alexy215 defende que as interferências nos direitos constitucionais somente são possíveis se justificadas, e apenas são justificadas se forem proporcionais. Portanto, para isso, há a necessidade do balanceamento das normas jurídicas.

O Supremo Tribunal Federal utilizou pela primeira vez o princípio da proporcionalidade em 1953, em um caso relacionado à proteção do direito de propriedade, com referência ao abuso do direito de taxar. O caso está detalhado no Recurso Extraordinário n. 18.331, cuja relatoria é do Ministro Orozimbo Nonato216.

Referida técnica da máxima proporcionalidade é frequentemente utilizada no direito brasileiro para a resolução de conflitos de princípios. Nesse caso, um princípio não invalida o outro, como acontece no conflito entre normas, mas há a preponderância de

213 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 373.

214 ALEXY, Robert. On Balancing and Subsumption. A Structural Comparison. Ratio Juris, v. 16, n. 4. December. 2003.

215 Ibid., p. 436.

216 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 322.

um sobre o outro. Referida técnica também é tida como intrínseca aos direitos fundamentais, pois ao legislador não é humanamente possível prever todas as situações de conflito entre as normas e entre os princípios. Assim, muitas vezes, esses conflitos são observados e decididos caso a caso, de acordo com o sistema jurídico e técnica de resolução desses conflitos entre direitos.

Quando foi abordado o tema limites dos limites, foi mencionada essa técnica, utilizada para promover o princípio da proibição do excesso, disposto no artigo 18, 2, da Constituição portuguesa, ou seja, qualquer limitação à lei deve ser adequada, necessária e proporcional ao fim que se quer alcançar.

Alguns doutrinadores brasileiros, a exemplo de George Marmelstein217, reconhecem a aplicação da proibição do excesso ou da máxima proporcionalidade nas limitações de direitos fundamentais através de leis infraconstitucionais. Marmelstein explica que se houvesse uma análise literal da regra insculpida no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, toda a regra processual seria inconstitucional (alguns doutrinadores chamam essa situação de conformação do direito de acesso à justiça, assim como Gilmar Mendes e J. J. Gomes Canotilho, o que não seria propriamente uma restrição ao referido direito).

George Marmelstein defende que, quando houver colisão de direitos fundamentais, o legislador pode limitar um direito fundamental através de uma lei infraconstitucional, mas apenas se houver a finalidade de proteger um outro direito fundamental. Nesse âmbito, o princípio da proporcionalidade deverá ser utilizado para definir qual será a limitação de um dos direitos fundamentais para se dar uma maior efetividade a outro direito fundamental.

O princípio da proporcionalidade visa proteger um direito fundamental em conflito com outro direito fundamental.

Com essa pequena demonstração acerca das teses de conformação, considerando o âmbito de proteção dos direitos, restrições e limites dos limites dos direitos fundamentais, pretende-se solucionar uma parte do problema aqui posto acerca do uso ilimitado e sem restrições do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil.

217 LIMA, George Marmelstein. Limitações ao direito fundamental à ação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. ISSN 1518-4862. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2627. Acesso em: 14 fev. 2020.

Os filtros utilizados para sugestão de soluções ao direito de acesso à justiça possuem como reforço o uso das técnicas de hermenêutica, principalmente a de interpretação sistemática dos direitos e interpretação conforme.

4. A PROBLEMÁTICA ENFRENTADA NO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO