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3.3 Restrições ou limites aos Direitos Fundamentais

3.3.1 Teorias internas (ou dos limites imanentes) e externas

Outras teorias que encontram muitas divergências entre os doutrinadores dizem respeito às teorias internas (ou teoria dos limites imanentes)172 e externas173.

tal conteúdo intocável”. In: NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não

expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 792. Jorge Miranda não se associa a esse pensamento, pois afirma que “a garantia do conteúdo essencial é uma garantia no domínio das restrições. Fora das restrições. É todo o conteúdo das normas de direito fundamentais que tem que ser respeitada”. In: MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2017, p. 378.

171 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 277.

172 De acordo com Jorge Reis Novais, em Portugal, o Tribunal Constitucional foi dominado pela doutrina dos limites imanentes até os fins dos anos noventa, por influência da doutrina de José Carlos Vieira de Andrade e Gomes Canotilho, ainda hoje sendo aplicada. In: NOVAIS, Jorge Reis. Direitos

Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 81.

173 Jorge Reis Novais diz que a proposta dele de “compatibilização da ideia dos direitos como trunfos com a ideia de existência de uma reserva legal imanente de ponderação que afecta intrinsecamente a realização dos direitos fundamentais está estreitamente associada ao modelo tradicionalmente identificado como teoria externa”. In: Ibid., p. 80.

A teoria interna ou do limite imanente trataria de “uma ideia de direito fundamental com determinado conteúdo174”, pela qual haveria limites estabelecidos na essência do próprio conteúdo do direito.

Ao comentar os limites imanentes, o professor Jorge Miranda175 diz que é “justamente por o conteúdo essencial ser incindível de um determinado bem jurídico objetivo, ele envolve, pela negativa, aquilo a que se tem chamado limites imanentes, intrínsecos, de conteúdo ou de objeto”. Logo, os limites imanentes não compreendem aquilo que não é compatível com o próprio valor da norma jurídica, o que é verificado por meio de uma interpretação sistemática. Eis alguns exemplos: o direito fundamental à liberdade de expressão não compreende o direito de ofender alguém; o direito à reunião não insere o direito a uma reunião com fins criminosos; o direito à liberdade não inclui a venda dos órgãos do próprio corpo.

José Carlos Vieira de Andrade176 adota a teoria dos limites imanentes por ser “tecnicamente justificada” e “útil no plano dogmático-prático”, e sustenta a existência dos limites imanentes explícitos. Já Jorge Miranda177 defende a existência dos limites imanentes, mas não concorda com a existência dos limites imanentes explícitos. O autor defende que, na verdade, se tratam de limites ao exercício de direitos.

Um crítico da teoria dos limites imanentes dos direitos fundamentais é Jorge Reis Novaes178, que fundamenta sua discordância no fato de que, ao se defender a existência de um limite imanente do direito fundamental, isso pode ser operacionalizado com generalidade e indeterminação do conceito. O autor cita como exemplos “direitos dos outros, lei moral, ordem pública, leis gerais, interesse da comunidade, tudo pode ser considerado limite imanente”. Ele acrescenta que pode servir para, de forma tendenciosa, afastar o controle de qualquer tipo de negação ou disfarce de alguma restrição, que deve ser controlada constitucionalidade. O referido autor também defende que, com base no Estado de Direito e Democracia, existem conflitos entre princípios que devem ser resolvidos por meio de ponderação, com aplicação dos princípios de igualdade, proteção da confiança e proibição do excesso.

174 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 198.

175 MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2017, p. 380.

176 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2012, p. 276 e 272-273.

177 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 381.

178 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 82, 85.

Ingo Salert179 afirma que a omissão, por parte da teoria interna, entre a diferenciação do âmbito de proteção e dos limites imanentes dos direitos fundamentais, pode levar à inclusão de outras ideias relacionadas a outros bens, os quais também merecem proteção, como os “interesses coletivos e estatais dentro do próprio âmbito de proteção desses direitos, o que aumenta o risco de restrições arbitrarias da liberdade”.

Jorge Reis Novais180 traz algumas reflexões interessantes sobre os limites dos direitos fundamentais. As primeiras limitações aos mencionados direitos são decorrentes do texto constitucional. Os Constituintes elaboram a Constituição e, posteriormente, com sua promulgação, os Congressistas podem emendá-la. Os membros do Poder Legislativo são eleitos pelo povo, por meio da maioria dos eleitores. Os próprios representantes do povo, através das normas constitucionais, acabam por limitar os direitos fundamentais da maioria. Sim, pois existem limites aos direitos fundamentais através da interpretação sistemática da Constituição181. Além dessa limitação, os legisladores, por meio de leis ordinárias, com previsão constitucional, podem criar leis restringindo os direitos fundamentais.

O mencionado professor ensina ainda que, mesmo sem previsão constitucional, os legisladores, prevendo futuros conflitos entre os direitos fundamentais, podem limitá-los182. Ele justifica que, com base nessa explicação, que o art. 18, n.º 2, da Constituição Portuguesa, não pode ser levado a sério, pois é humanamente impossível ao legislador visualizar todas as situações de conflitos e necessidade de restrições, por isso afirma a existência da necessidade e possibilidade de restrição aos direitos fundamentais fora dos casos que são expressamente previstos na Constituição.

Essa necessidade de interpretação sistemática faz parte do próprio ordenamento jurídico. Se não houvesse essa característica de limitabilidade intrínseca aos direitos fundamentais, não haveria como prever um direito fundamental ou outro direito qualquer sem se estabelecer previamente, e de forma expressa, suas definições, limitações,

179 CANOTILHO, Joaquim José Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 200.

180 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 70.

181 Ibid., p. 71.

182 Jorge Reis Novais chama essa situação de trunfos contra a maioria, pois os legisladores são eleitos de forma democrática pelo povo, ou seja, esses representantes do povo, eleitos pela maioria, podem limitar os direitos fundamentais da maioria. In: Ibid., p. 70.

exceções e destinatários desses direitos no corpo do texto constitucional. Isso beira ao impossível. Frise-se que o legislador não tem como prever as situações futuras183.

José Joaquim Gomes Canotilho184 ensina que, em relação aos limites imanentes, não existe uma norma constitucional ou legal acerca das restrições. Dessa forma, a doutrina traz outra forma de restrição, a qual considera a existência de uma “cláusula da comunidade”, ou seja, os direitos, liberdade e garantias possuem limites nos direitos dos outros, na ordem social, além de estarem limitados eticamente sempre que houver um perigo jurídico necessário à própria existência em sociedade. O professor afirma que essa teoria possui grandes críticas, pois não traz segurança jurídica, uma vez que permite restrições dos direitos fora da lei, sendo um retrocesso à proteção constitucional dos direitos fundamentais.

Já a teoria externa está fundamentada na ideia de restrição externa, como o próprio nome diz. Por isso, deve haver harmonia entre o direito fundamental a ser trabalhado, usufruído e os outros direitos fundamentais. O direito, em um primeiro momento, é ilimitado, sem restrições. Com restrições casuais, torna-se limitado185. O direito não estaria ligado às restrições. Nesse contexto, existiriam os direitos não limitados e os limitados, através da previsão de restrições186.

Ingo Sarlet187 explica que a teoria externa seria a que melhor se adequa à construção das argumentações relativas às soluções das colisões entre os direitos fundamentais, “tendo em conta a necessidade de imposição de limites a tais direitos, para que possa ser assegurada a convivência harmônica entre seus respectivos titulares no âmbito da realidade social”.

Reforçando o ponto de vista de Ingo Sarlet, J. J. Gomes Canotilho188 afirma que a teoria dos limites imanentes dificulta a aplicação do princípio da proporcionalidade, pois

183 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito Democrático. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 71.

184 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7º ed., 20ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.280.

185 Ingo Sarlet afirma que “a distinção entre âmbito de proteção e limites oferece significativas vantagens em termos de operacionalidade jurídico-dogmática, correspondendo à exigência de transparência metodológica, especialmente por não misturar interesses divergentes, além de implicar que o ônus da justificação de uma restrição recaia obre o intérprete que a invoca [...]”. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes et. al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 201.

186 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 198.

187 SARLET, Ingo. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes et al. Op. cit., p. 201.

188 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Op. cit. 7º ed., 20ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.280.

não seria possível se fazer uma ponderação na fase do terceiro subprincípio, tendo em vista os limites originários.

Gilmar Mendes ensina que quem considera que os “direitos individuais consagram posições definitivas”, adota a aplicação da teoria interna; já quem acredita que aqueles direitos “definem apenas posições prima facie (prima facie Posicionen: princípios)”, prende-se à teoria externa.

Igualmente, para Robert Alexy189, a teoria externa é a que vale quando se fala em restrição prima facie de um direito protegido pela norma de direito fundamental.

Como nesta dissertação será utilizado o princípio da proporcionalidade e conflito de alguns princípios, a teoria adotada no trabalho é a externa.