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Os princípios jurídicos fundamentais encontram-se esculpidos na Constitui-

ção Federal de 1988 e, por isso, devem ser protegidos e cumpridos em sua amplitu-

de, com o objetivo de fortalecer, cada vez mais, o sistema jurídico. Segundo ensina-

mentos de Ataliba:

“Os princípios são as linhas-mestras, os grandes nortes, as diretrizes mag- nas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a so- ciedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas-mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigia- dos até as últimas conseqüências.”61

Com relação à seguridade social, temos os princípios constitucionais elenca-

dos nos incisos do art. 194 da vigente Constituição Federal,

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e, ainda, temos os

59 Ibidem, p. 17.

60 COIMBRA, op. cit., p. 8.

61 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. atual. por Rosalea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 34.

62 Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdên- cia e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – eqüidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento;

princípios doutrinários,

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seguindo a classificação de Horvath Júnior. Neste tópico

será feita uma análise apenas do princípio da solidariedade, em virtude da amplitude

dessa temática.

A solidariedade é tida como uma característica essencial à seguridade soci-

al, no sentido da cooperação e da ajuda mútua, que já se manifestavam desde os

primórdios da civilização, quando eram praticadas entre tribos e famílias. Para Marti-

nez: “A solidariedade social é projeção de amor individual, exercitado entre parentes

e estendido ao grupo social. O instinto animal de preservação da espécie, sofistica-

do e desenvolvido no seio da família, encontra na organização social ambas possibi-

lidades de manifestação.”

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No mesmo sentido, destacam-se as idéias do padre Ávila que, em sua obra,

buscou definir a palavra solidariedade. Mas não como forma de mero conforto moral.

Para ele, o conceito ideal seria obtido da seguinte forma:

“Solidariedade exprime a condição concreta de seres na qual a perfeição de um é função do aperfeiçoamento dos outros; na qual cada um realiza a per- feição de seu próprio ser, precisamente na medida em que participa da pro- moção dos outros; na qual, inversamente, cada um se diminui, se empobre- ce em teor humano, na exata medida em que, isolado em seu egoísmo, se desvincula da obra de promover aos demais.”65

Ainda hoje, a solidariedade constitui a mais pura e verdadeira expressão de

ajuda, que já existiu na humanidade. O princípio da solidariedade é originário da as-

sistência social, pois foi praticamente a partir dela que se conduziu ao início de qua-

se todas as técnicas de proteção até hoje existentes, seguida da obrigatoriedade de

sua consolidação. Todavia, a solidariedade segue os ideais ditados, por meio da teo-

logia, da sociedade, da política e do direito. Sendo assim, a solidariedade constitui-

se como princípio fundamental e norteador de toda a seguridade social e também

tem aplicação na previdência social, baseada na idéia de função social, a partir da

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos co- legiados.

63 “Dentre os princípios doutrinários basilares da Seguridade Social, temos: obrigatoriedade de filiação; da solidariedade ou da compensação nacional; da unicidade das prestações; da com- preensibilidade; da automaticidade das prestações; da imprescritibilidade do direito ao benefício; da expansividade social; princípio do in dúbio pro operário.” HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 59-60.

64 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 3. ed. São Paulo: LTr., 1995. p. 78.

65 ÁVILA, Fernando Bastos de. Solidarismo. 3. ed. ver. e ampl. Rio de Janeiro: Agir, 1965. p. 266.

qual resultam as contribuições por parte dos trabalhadores e das empresas. E, por

tudo isso, ainda há de se considerar que a concretização e a eficácia do princípio

universal da solidariedade dependem obrigatoriamente dos recursos advindos da

própria sociedade e servem para auxiliar e prestar assistência aos desafortunados.

Mas, o princípio da solidariedade não está previsto de forma expressa na

Constituição, consta apenas de forma implícita no art. 3º, inc. I, da Constituição Fe-

deral de 1988, ao determinar que, entre outros, constitui como objetivo fundamental

da República Federativa do Brasil: “[...] construir uma sociedade livre, justa e solidá-

ria”. Disso decorre que a preocupação com o princípio da solidariedade também é

indispensável para que haja a redução das desigualdades. De acordo com Cardone,

“o princípio da solidariedade informa exatamente que todos devem contribuir, na me-

dida de sua possibilidade, e usufruir das prestações na medida de sua

necessidade”.

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Portanto, a solidariedade se manifesta como forma de apoio da sociedade

ao sistema, aproximando as pessoas e cooperando na integração do trabalhador à

empresa, mesmo que muitas vezes isso possa passar de forma desapercebida pe-

los indivíduos. Da mesma forma ocorre com a previdência; aqui, a solidariedade

também é essencial, pois, se ocorresse ausência de solidariedade, tornar-se-ia im-

possível organizar a proteção social. Segundo a doutrina majoritária, esse é o mais

importante dos princípios da seguridade social, pois abrange toda a coletividade,

obrigando os contribuintes ativos a colaborarem com o sustento dos inativos. Em ter-

mos de previdência social, o princípio da solidariedade expressa a verdadeira prote-

ção coletiva, em que as contribuições individuais acabam gerando recursos proteti-

vos, pelas prestações previdenciárias que são concedidas conforme a lei.

Ao princípio da solidariedade é ínsita a idéia de bem-estar social e o objetivo

de trazer segurança ao sustento futuro dos beneficiários. É importante destacar que

a solidariedade, na maioria das vezes, não se faz presente nos sistemas de capitali-

zação, pois é através do Estado que os laços de solidariedade tornam-se mais inten-

sos do que em qualquer outra forma de organização.

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66 CARDONE, Marly A. Previdência, assistência, saúde: o não trabalho na Constituição de

1988. São Paulo: LTr., 1990. p. 31.

67 “[...] Los lazos de solidaridad en el Estado demuestran superioridad frente a los vínculos de índole similar en otras organizaciones. Esto se evidencia en caso de conflicto entre solidaridades de grupos diversos, en el cual, estando presente el lazo de solidaridad nacional (estatal), priva ne- cesariamente éste sobre los demás. Los lazos de solidaridad estatal se basan en creencias comunes, producto de la evolución integral del Estado, em las cuales se funde la tradición y el espíritu nacional del pueblo.” ZERPA, op. cit., p. 72.

Outro aspecto importante do princípio da solidariedade é o que se refere à

solidariedade no aspecto internacional, a qual se expandiu muito após a Segunda

Guerra Mundial e vem sendo ampliada cada vez mais, principalmente a partir do sé-

culo XIX, em razão da maior facilidade de movimentação geográfica entre as pesso-

as, sendo necessário destacar que, para sua plena efetivação, depende da implanta-

ção de acordos securitários entre as nações. Com isso, tal fato acaba chamando a

atenção dos governos e influencia diretamente o sistema previdenciário dos países.

E, para solucionar esse problema, é necessário que haja comunicação em nível in-

ternacional entre os países, mediante tratados bilaterais de mútua cooperação. Mas,

para que isso ocorra, também não é muito fácil, torna-se necessário que haja união

e, principalmente, solidariedade entre os países. No aspecto internacional, já ocorre-

ram evoluções, permitindo a contagem recíproca de contribuições entre duas ou vá-

rias regiões, para proteger o segurado migrante, numa espécie de cooperação inter-

nacional, que deveria progredir em nível mundial, até que se possa atingir a solidari-

edade em nível mundial, mesmo que seja de forma limitada e ao alcance dos trata-

dos.

Em suma, a presença do princípio da solidariedade é fundamental à socie-

dade e, por isso, deve ser preservado e aplicado de forma eficaz entre as gerações,

inclusive no âmbito internacional e nos momentos de crise. Tudo isso porque o prin-

cípio da solidariedade pode ser considerado um importante aliado, na tentativa de

buscar soluções à crise da seguridade, que é um problema que não deve recair so-

mente sobre o Estado, mas também deve recair sobre todo o conjunto da sociedade.