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HISTÓRICA

5. AS TESSITURAS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EJA : VISIBILIZAÇÃO DE SABERES E FAZERES

5.2 Princípios da educação ambiental nas redes cotidianas

“[...] as palavras produzem sentido, criam realidades e às vezes funcionam como potentes mecanismos de subjetivação” (LARROSA, 2004, p. 152).

Figura 10 – Alunos e professora de Inglês na confecção de teia do meio ambiente Foto: Alberto Cabral

Cada participante da teia de relações no cotidiano escolar tem sua subjetividade afetada uma vez que cada ser humano tem, a partir de sua relação com o meio ambiente, principalmente diante da diversidade que se expressa na alteridade, suas interpretações e assimilações. E por se tratar de uma tessitura complexa, a narrativa, “[...] usa o conhecimento relatado na tentativa de dar significado aos modos pelos quais os seres humanos compreendem o mundo e comunicam essa compreensão para os outros” (HART, 2005, p. 16).

Destaco a seguir as narrativas de alguns profissionais da escola em estudo, assim como as de alunos da EJA que vêm da Comunidade ribeirinha Patrimônio dos Bis. Lembrando, como afirma Hart, que “a narrativa é tanto uma via para nosso próprio conhecimento como um caminho para organizar e comunicar as experiências dos outros” (HART, 2005, p. 20).

...esse trabalho da professora de inglês foi bom porque faz a gente ver o quanto água é importante, né?! Você saber que ela pode fortalecer os laços de amizade, né, entre povos, ou até mesmo briga, né. Como naquela novela que tá passando agora. Mesmo que é de mentira, né, mas acontece na vida real (Eliana- estudante da 8 série EJA). Foi bom porque eu vi engajamento deles na confecção da teia. Cada um queria colocar uma palavra, mas você via nos olhos deles que aprovavam tudo que outros opinavam. Acho que isso significa que consideram as palavras escolhidas pelos colegas como significativas pra construção da teia. Sem contar na hora de anexar o trabalho no corredor. Você viu que todos participaram até o último momento (professora de inglês).

Se eu pudesse tirar uma foto pra colocar nessa teia, com certeza seria da caixa d‟água da escola que tá no pátio. É muito bonito saber que a diretora tá preocupada com o uso, né, inadequado desse bem precioso. (Rogério-aluno da EJA e morador da comunidade ribeirinha)

Nessas narrativas se percebe uma pitada de preocupação em deixar sua marca, seja no trabalho, ou na apresentação da temática. Mas, notadamente, o se tem, com grande força, é uma visão conectora de saberes e fazeres socioculturais dos sujeitos da pesquisa. Tanto que todo o processo acontece mediante o novo, a incerteza, a criatividade de cada indivíduo (professoras-alunos-pesquisador), com seu modo peculiar, receptivo e lúdico, contribuindo para o fazer-sentir-compartilhar a Educação Ambiental nos diversos espaços de convivência. Com a intensificação do agronegócio, tão belamente divulgado pelas mídias, o que se tem é uma desvalorização, no sentido de enfraquecimento, das culturas periféricas, ou seja, aquelas que não estão no centro do debate como alternativa para uma melhoria das condições de vida das pessoas. Culmina assim, na transformação, a partir da transnacionalização da produção de bens e de serviços e dos mercados financeiros, que Santos (1997) denominou como - um processo através do qual as empresas multinacionais ascenderam a uma preeminência sem precedentes como actores internacionais.

Concordamos com Santos (2002) acerca das atividades cosmopolitas, aquelas que afetam os sujeitos de maneira acabam reelaborando e fortalecendo sua identidade cultural e étnica em um território próprio, em face de um processo crescente e acelerado de expansão do capital. Segundo o autor, tais atividades incluem, entre outros diálogos, a problematização de:

...redes de movimentos e associações ecológicas e de desenvolvimento alternativo, movimentos literários, artísticos e científicos na periferia do sistema mundial em busca de valores culturais alternativos, não imperialistas, empenhados em estudos sob perspectivas pós-coloniais ou subalternas, etc, etc (SANTOS, 1997, p. s.n.).

Diante de real potência não podemos esquecer que essas atividades fazem frente a racionalidades que buscam o enfraquecimento e a perda de saberes e fazeres, e o apoderamento do que interessa aos grupos hegemônicos, que têm como objetivo a homogeneização mundial. Tanto que recorrem a formas de naturalização de dicotomias como sociedade-natureza; homem-mulher; sujeito-objeto; evoluído-primitivo. Essa racionalidade converge suas energias para a apropriação do conhecimento do camponês e o transforma em cliente consumidor do seu próprio conhecimento. Com essa nova racionalidade o sujeito perde a capacidade de compreensão de que a natureza é parte constituinte do humano e está presente no seu existir.

Mesmo que as culturas tendem a considerar os seus valores máximos como os mais abrangentes, apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como universais. O reflexo de mecanismos invisíveis de homegeneização cultural fica evidente quando ouvimos dos alunos ribeirinhos da EJA o seguinte relato, quando perguntamos o que eles acham da comunidade Patrimônio do Bis: “Ah, é muito bom... Lá é muito tranquilo. O que falta pra ficar melhor é

serviço. Acaba sobrando pra gente (jovens) é serviço de roça. Aí a gente tem que vir trabalhar na rua. Mesmo que é pertinho, né”.

E somando a essa problemática temos as políticas públicas brasileiras educacionais que são pautadas, na maioria das vezes, em bases metodológicas universalistas, que frequentemente não consideram as especificidades do território e do público a ser atendido nos diversos âmbitos escolares. Esse aspecto gera o insucesso de grande parte das políticas implementadas nas diferentes comunidades escolares, dentre elas, as comunidades remanescentes de ribeirinhos. Como vemos nas narrativas produzidas durante o grupo focal:

As aulas deviam ser todas assim. Não dá sono. A gente trabalha o dia todo, aí vem pra cá e ficar só sentado, é complicado. Se não tiver força de vontade, num vai não (Eliana - aluna da EJA).

Acho que a escola tinha que fazer mais palestras, sabe. Pra conscientizar todos os alunos sobre a questão da água (Sueli: aluna da EJA)

Eu acho que tinha que tirar, pelo menos uns 10 minutos das aulas de dois professor pra discutir essas questões aí (Rogério-morador do Bis e aluno da comunidade)

A interação durante os encontros, tanto na comunidade, quanto no cotidiano escolar, permitiu- me presenciar, sentir e vivenciar, junto com os professores, principalmente a de inglês e alunos, moradores, diretor, pedagogo, merendeira, uma trama existencial que facilitou provocou uma intensa transformação cognitiva, potencializadora de novos saberes e fazeres. Tanto que posso dizer que todos os envolvidos saíram afetados dos encontros realizados. Assim, acreditamos que ainda há enraizada uma espécie de prática educativa, que ainda se nutre no paradigma mecanicista e antropocêntrico e possibilita uma disjunção do saber, tornando-o fragmentário, excludente e reduzido diante de uma imensa rede de relações complexas presentes em nosso cotidiano, como observamos na narrativa, já aqui citada, do professor de Geografia em transmitir conhecimentos que dizem respeito, apenas à sua disciplina, desconsiderando debates que surgem no decorrer da aula.

Portanto, cremos na conexão de homem/natureza/cultura. Para assim podermos expressar e compartilhar vivências, o cuidado de si, tecendo novos saberes e fazeres que potencializam a Educação Ambiental nos mais diversos espaços de convivência, em um movimento dentro- fora da escola, contextualizando o saber não só global mas também local, respeitando o conhecimento tanto popular, quanto científico, buscando sempre tecer a complexidade desse saber em todos os espaços de convivência. Mesmo diante de uma crise paradigmática, lidar com a globalização e com a incerteza é o que nos move para a ação em busca de uma esperança utópica e transformadora de tantos saberes e fazeres.