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4 BASES IDENTITÁRIAS DO MST: HISTÓRIA E FILOSOFIA

4.2 OS PRINCÍPIOS GERAIS DO MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem como princípios fundamentais a busca por uma transformação social, uma sociedade mais justa e igualitária, sendo possível por meio da queda do sistema capitalista. O Movimento é de inspiração Marxista e também do Cristianismo progressista (um movimento do Cristianismo contemporâneo, caracterizado por questionar a tradição, aceitar a diversidade humana, incluindo sujeitos homossexuais, bissexuais e transgêneros, e sua busca por justiça social), que luta em busca Reforma Agrária, mas não só apenas por ela. O Movimento também levanta outras bandeiras que o aproxima desse horizonte da busca pela transformação social.

Para conseguir o horizonte utópico, uma sociedade mais justa e igualitária, o MST também se encarrega de lutar por Cultura, buscando o acesso e a democratização e popularização da cultura. Procura combater a violência sexista, democratizar a comunicação, educação e saúde pública de qualidade, políticas de desenvolvimento para melhoria das condições de vidas de toda a população do campo, o respeito e a valorização da diversidade étnica, um sistema político renovado utilizando de participação mais direta da população, defendendo uma ampla reforma política, políticas e práticas governantes que garantam a plena soberania do povo. Como podemos perceber no próprio site do Movimento que destaca as seguintes bandeiras:

Cultura: A educação e o acesso à cultura, ao conhecimento, a valorização

dos saberes populares, é condição fundamental para a realização dos brasileiros como seres humanos plenos, com dignidade e altivez. [...] Fortalecer os espaços de trocas culturais promovendo o acesso popular aos teatros, cinemas, exposições, sinfonias, amostras, apresentações folclóricas e festas tradicionais que celebrem a vida, a luta, a solidariedade e a diversidade do povo brasileiro. Reforma Agrária: [...] É preciso realizar uma ampla Reforma Agrária, com caráter popular, para garantir acesso à terra para todos os que nela trabalham. [...] Combate à violência sexista: [...] Diversas são as formas de opressão de gênero que se projetam, sobretudo, sobre as mulheres. [...] Lutamos para transformar a sociedade e entendemos que a organização das mulheres é fundamental para a superação do modelo capitalista e para por fim a violência sexista enraizada neste modelo. Democratização da

comunicação: O povo tem o direito de organizar seus próprios meios de

comunicação social, de forma associativa. E o Estado deve garantir os recursos para que exerça esse direito. É preciso democratizar os meios de comunicação, [...]acabar com o monopólio privado dos meios. [...] Saúde

implementando politicas publicas de soberania, segurança alimentar, de condições de vida dignas, como medidas preventivas às doenças. [...]

Desenvolvimento: As políticas de desenvolvimento da economia devem

estar baseadas fundamentalmente nos interesses de melhoria das condições de vida de toda a população, em especial dos mais pobres. [...] Diversidade

Étnica: Queremos ser uma sociedade que viva harmonicamente, com sua

diversidade étnica e cultural, com oportunidades iguais para todos os brasileiros. [...] é fundamental a existência de políticas afirmativas que garantam a inclusão de grupos historicamente excluídos. Sistema político: Queremos um país que crie e utilize permanentemente mecanismos de participação e decisão direta da população, nas várias instâncias de decisão do poder político e social, construindo um verdadeira democracia popular participativa. [...] Soberania nacional popular: Precisamos de políticas e práticas dos governantes que garantam a plena soberania de nosso povo, sobre nosso território, nossas riquezas naturais, minerais, nossa biodiversidade, a água e as sementes. (SITE DO MST. Disponível em: http://www.mst.org.br/quem-somos/ Acesso em: 12/01/18).

Como podemos perceber, o Movimento tem como objetivos centrais: lutar pela terra, por reforma agrária e por uma sociedade mais justa e igualitária. Para conseguir manter-se firmes em seus ideais, o movimento tem como princípios organizativos, os métodos de direção política, que envolve: Direção coletiva, formando grupos de sujeitos e de famílias para desempenhar determinada tarefa. Essas tarefas são realizadas por meio de divisão, de forma igual para todos. O movimento exige que se tenha uma disciplina para respeitar o que ficou estabelecido pelo grupo. Precisa também de planejamento de todas as ações a serem tomadas, atentando para se ter uma crítica e autocrítica a respeito do que está ocorrendo, mas isso só deve ser falado em reuniões. Deve-se ter também incentivo ao estudo e vinculação permanente com as massas.

Como método de organização social, o Movimento enfatiza: o trabalho de base que é conscientização e de organização do povo; deve-se também ter lutas de massa em que o povo deve manifestar e pressionar o Estado para conseguir seus objetivos. Elege a formação dos militantes, de quadros reservando tempo, recursos e planejamento nas atividades de formação; desenvolve a mística, pois, ela deve expressar os sentimentos que se têm, quando as palavras não conseguem alcançar, tentando exteriorizar os sonhos coletivos que almejam materializar uma nova sociedade. A prática de valores baseados na igualdade e justiça social, a democracia participativa prezando para que sempre exista um diálogo com o povo; a autonomia financeira também faz parte do estado organizativo deste movimento social rural. Para Medeiros:

Ao contrário da maioria dos movimentos camponeses históricos que apenas lutavam por terra, o MST desde a sua formação sempre lutou por terra, pela reforma agrária e por mudanças estruturais na sociedade. Destaca-se por ser um movimento camponês Sui generis com três características marcantes: a) é um movimento popular com livre acesso a qualquer um que deseja fazer

parte dele ao contrário de movimentos camponeses tradicionais que só permitem a filiação daquelas que efetivamente trabalham na terra. A exigência é a luta viabilidade da vida no campo; [...] b) sem possuir um componente organizativo de viés corporativo no sentido que a luta por um pedaço de terra e posteriormente por créditos para a produção e outras vantagens interessa à categoria dos agricultores. Porém, tem que ir além disto, a luta pela terra tem que se transformar na luta pela reforma agrária, agregando à luta pela terra um componente político necessário à toda sociedade, isto é, para além da categoria; c) componente político de luta pela reforma agrária onde se consegue conciliar os interesses particulares e corporativos com o interesse da classe. Visão de que a luta não é contra um grileiro e sim contra a classe de latifundiários, caracterizando assim a luta de classes. A luta também se estendia contra o Estado que não democratizava a estrutura fundiária e também não levava o desenvolvimento para o meio rural. (MEDEIROS, 2014, p. 75-76).

De fato, como explicita Medeiros, o MST luta pela terra, mas não só procura fazer a reforma agrária, mas sim modificar as estruturas sociais, isso implica dizer que, ao buscar quebrar as estruturas já tão consolidadas, o Movimento mobiliza uma série de objetivos como: a busca permanente por justiça social, igualdades de direitos econômicos, políticos, culturais e sociais, desenvolvimento sustentável e geração de emprego, uma economia solidária, entre outros. Como podemos ver nos objetivos gerais do MST que foram criados com o 1° Encontro Nacional em janeiro de 1984 em Cascavel- Paraná. “Esse encontro reuniu doze ou dezesseis estados. Todo mundo que tinha luta pela terra (Na fala de João Pedro Stedile)”. (MST, 1998, p. 35). Esse encontro foi muito importante, pois foi a fundação e a organização do Movimento. Segundo o MST:

Neste encontro foram elaborados os objetivos gerais do MST: 1- Que a terra só esteja nas mãos de que nela trabalha;

2- Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados;

3- Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical para conquistar a reforma agrária;

4- Organizar os trabalhadores rurais na base;

5- Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político;

6- Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores;

7- Articular-se com os trabalhadores da cidade e da América Latina. (MST, 1998, p. 35-36).

Neste encontro, percebemos os direcionamentos e a construção de estratégias para se avançar no caminho. Esse encontro, não foi apenas mais um encontro, ele não como os outros encontros em que se pensava na luta. O encontro nacional foi a própria luta como o próprio João Pedro Stedile mesmo falou.

Desse Encontro Nacional, também saiu as reivindicações dos trabalhadores/as sem-terra. Segundo o Movimento, as reivindicações foram (são) as seguintes:

1- Legalização das terras ocupadas pelos trabalhadores;

2- Estabelecimentos da área máxima para as propriedades rurais; 3- Desapropriação de todos os latifúndios;

4- Desapropriação das terras das multinacionais;

5- Demarcação das terras indígenas, com reassentamento de posseiros pobres em área da região;

6- Apuração e punição de todos os crimes contra os trabalhadores rurais; 7- Fim dos incentivos e subsídios do governo ao Proálcool, JICA e outros

projetos que beneficiam os fazendeiros;

8- Mudança da política agrícola do governo dando prioridade ao pequeno produtor;

9- Fim da política de colonização. (MST, 1998, p. 36).

Nesse sentido, a Reforma Agrária que o MST pretende é levando em consideração todos esses objetivos citados acima, criando assim, um conjunto de mudanças para um novo modelo agrário e agrícola, que possibilite o desenvolvimento econômico que beneficie toda a população rural quanto urbana. A questão da reforma agrária que o movimento repetente ultrapassa a simples distribuição de terras, é preciso manter essa distribuição, mas, o movimento objetiva também uma outra realidade social, mais justa e igualitária para todos/as.

Como mostra o 36° caderno de formação do MST: “A terra deve ser entendida como sendo um bem da natureza a serviço de toda a sociedade. Um bem de todos para atender as necessidades de todos. Ou seja, a terra é um bem fundamental da natureza que não pode estar aprisionada”. (MST, 2005, p. 9).

Um ano após o 1° Encontro Nacional ocorrido em Cascavel, em janeiro de 1985, em Curitiba, no Paraná, o MST realizou o 1° Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Depois de 15 anos na luta, em 1995, o movimento realiza o seu 3° Congresso Nacional, em que apresentou uma nova reformulação de seus objetivos gerais. Segundo o MST nesta nova elaboração dos objetivos pretende-se:

1- Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital;

2- A terra é um bem de todos. E deve estar a serviço de toda a sociedade; 3- Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das

riquezas;

4- Buscar permanentemente a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais;

5- Difundir os valores humanistas e socialistas nas relações sociais;

6- Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher. (MST, 1998, p. 39-40)

A elaboração destes novos objetivos mantém os mesmos princípios na busca de transformação social. No entanto, amplia o pensamento na medida que repensa de maneira mais atual seus objetivos, por meio de suas vivencias construídas por todos esses anos de lutas. Nesse mesmo congresso nacional, o MST apresenta também uma síntese de seu programa de reforma agrária12.

Durante sua trajetória de luta, os trabalhadores rurais sem-terra foram construindo a sua organização, percebendo desde seu início a importância de traçar caminhos para conseguir alcançar seus objetivos. Assim, observou a necessidade de criar comissões, deliberar tarefas e envolver os sujeitos do movimento. Como sendo um movimento que preza pela coletividade, foi necessário se ter uma descentralização administrativa, que os sujeitos tivessem disciplina, respeitando os objetivos e as deliberações do coletivo. Para isso adotou-se o trabalho de base como sendo fundamental para a organização do movimento.

Para o MST o trabalho de base é “entendido como a metodologia de reunir em pequenos grupos todas as pessoas que fazem parte e realizar com elas um processo contínuo de democratização das informações, de conscientização”. (MST, 1998, p. 39). O trabalho de base prepara os sujeitos para a militância, mostrando toda a trajetória do movimento e seus objetivos na luta pela terra e reforma agrária, destacando as questões que permeiam todo o processo e o que atingem a organização da luta. Segundo Ranulfo Peloso:

O trabalho de base é parte indispensável da luta popular. O trabalho de base é a condição e o sustento do trabalho político e do trabalho de massa; o trabalho político e o trabalho de massa devem ser a expressão e a consequência do trabalho de base. O trabalho de base é a ação política transformadora, realizada por militantes de uma organização popular, que mete o corpo em uma realidade concreta, para despertar, organizar o povo na solução de problemas do cotidiano e ligar essa luta à luta geral contra a opressão. (PELOSO, 2012, p. 10).

Como percebemos em sua afirmação e em seu livro intitulado “Trabalho de base”, Ranulfo Peloso (2012), aponta para a necessidade de fazer o trabalho de base no movimento, destacando também que o trabalho de base só pode ser feito por militantes, uma vez que, é o militante que é reconhecido pelo povo, e coloca sua vida a disposição

12 A síntese do programa de reforma agrária pode ser encontrada na página 40 do Caderno de formação

de trabalhar para seu povo, unindo seu projeto de vida pessoal ao projeto de vida da luta coletiva.

Nesta direção, podemos dizer que, desde 1985 até os dias de hoje o MST foi se transformando pensando e repensando seus caminhos de acordo com a realidade da luta vivida. E essa realidade veio fortalecendo e ajudando a construir toda a estrutura do movimento. Segundo o MST, a estrutura das instancias deliberativas do Movimento são compostas por: Congresso Nacional (realizado a cada 5 anos), coordenação nacional, direção nacional, coordenação estadual, direção estadual, coordenações regionais e coordenação dos assentamentos e acampamentos.

Sua forma de organização das atividades é composta por instâncias deliberativas: secretaria nacional e secretarias estaduais, mais os setores de atividades que são: setor de produção, setor de formação, setor de educação, setor da frente de massa, setor de comunicação, setor de finanças, setor de projetos, setor de relações internacionais e setor de direitos humanos.