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PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL

3 A EDUCAÇÃO RURAL/CAMPO NO BRASIL: em busca de uma nova

3.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL

O Brasil, nas últimas décadas, tem apresentado melhorias significativas no que diz respeito à questão educacional, especialmente, no que concerne ao acesso à educação básica, muito embora esse acesso não se tenha feito acompanhar da qualidade devida, principalmente quando se trata da educação rural, onde a repetência e a distorção série-idade têm se configurado como grandes desafios para o sistema escolar. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2001) 11 indica que, das crianças que vivem na zona rural, na faixa etária de 10 a 14 anos, aproximadamente, 95% encontram-se na escola, o que não deixa de ser

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um dado bastante significativo. Entretanto, os dados indicam também que 50% dessa clientela encontram-se com idade superior à adequada.

Urge registrar que essa defasagem série/idade é comumente apontada nos diagnósticos educacionais, como trajetórias escolares interrompidas por sucessivas reprovações, decorrentes das constantes saídas das crianças para o ingresso precoce na mão- de-obra familiar. É evidente que essa situação ocorre, mas, não pode ser considerada como o único fator responsável pelo fracasso escolar.

Outro aspecto que demonstra o cenário educacional desprezível, em que vive a população rural, diz respeito ao analfabetismo. O Censo Demográfico (2000) apontou que 29,8% da população brasileira que residem no campo com 15 anos e mais são analfabetas. Na zona urbana, esse percentual cai para 10,3%. Assim sendo, a interpretação desses indicadores nos faz refletir sobre a relevância do ponto de vista do capital sócio-cultural. O acesso à educação da população brasileira residente na zona rural, bem como o seu nível de instrução, se constituem aspectos fundamentais para aferir-se o nível de desigualdade social existente entre as zonas urbana e rural.

Ainda de acordo com mesmo Censo e conforme demonstrado na tabela a seguir, os dados indicam que a escolaridade média da população brasileira de 15 anos e mais, que vive na zona rural (3,4 anos), correspondem a quase metade da estimada para a população urbana (7,0 anos). Essa situação é mais agravante na região nordeste onde os percentuais apontam menores índices tanto no urbano quanto no rural.

Tabela 1 – Número médio de anos de estudos da população de 15 anos ou mais – Brasil e grandes regiões – 2001

Regiões geográficas Urbano Anos de estudo Rural

Brasil 7,0 3,4 Norte 6,4 3,3 Nordeste 5,8 2,6 Sudeste 7,5 4,1 Sul 7,3 4,6 Centro-Oeste 7,0 4,1

Fonte: IBGE – Pnad/ 2001.

A análise desses indicadores vem corroborar o que afirma Bourdieu (2005, p. 307 e 208): “[...] as classes e as frações de classe mais ricas em capital cultural fazem-se cada vez mais presentes quanto mais cresce a raridade e, ao mesmo tempo, o valor escolar e o

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rendimento social dos títulos escolares”. Isso vem tornar mais evidente a necessidade de ações efetivas para a diminuição da grande disparidade entre o ensino urbano e o rural.

Segundo Bof, existem no Brasil muitos estudos que demonstram as dificuldades enfrentadas pelas classes multisseriadas, em função da precariedade da estrutura física da maioria das escolas rurais, da escassez de materiais e equipamentos e da falta de preparo dos professores. Indicam também que os docentes com menor nível de qualificação são destacados a trabalhar na zona rural, e, mais especificamente, nas classes multisseriadas. Alíam-se a isso os baixos salários, o que acaba concorrendo para o desestímulo e alta rotatividade desses profissionais. O conjunto de todos esses fatores contribui para o desempenho insatisfatório dos alunos, a desmotivação e a consequente queda nos índices de permanência dessa clientela na escola (BOF, 2006, p. 58-59).

Ainda tomando como referência o Plano Nacional de Educação12 (2002, p. 21), este, embora estabeleça em suas diretrizes tratamento diferenciado para a escola rural, recomenda em clara alusão o modelo urbano, com o seguinte enunciado:

A escola rural requer um tratamento diferenciado, pois a oferta de ensino fundamental precisa chegar a todos os recantos do país e a ampliação da oferta de quatro séries regulares em substituição às classes isoladas unidocentes é meta a ser perseguida, consideradas as peculiaridades e a sazonalidade.

Recomenda de forma bastante clara a adoção do modelo urbano, ou seja, a organização do ensino em séries e a extinção progressiva das escolas unidocentes. Numa outra diretriz, enfatiza a universalização do transporte escolar, sugerindo o deslocamento dos alunos, ao invés de se criarem escolas para atendê-los na sua comunidade. Importa observar que o legislador já parte do princípio de que a classe multisseriada é um problema. Ele não se dá conta de que os problemas que impedem essas classes de funcionarem bem é que precisam ser atacados. Vejamo-los as péssimas condições da infraestrutura física da maioria das escolas rurais, a formação deficiente dos professores, a falta de material didático, metodologias inadequadas e tantas outras condições necessárias para que uma classe ofereça um ensino de qualidade.

Tal preocupação já vem surgir com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo13, representando grande avanço para a educação do campo, uma

12 Promulgado pela Lei nº 10.172/ 2001.

13 Parecer 36/2001, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, aprovado em 4/12/ 2001.

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vez que incorporam um conjunto de preocupações conceituais e estruturais, historicamente presentes nas reivindicações dos movimentos sociais do campo. Contempla, portanto:

[...] o reconhecimento e a valorização da diversidade dos povos do campo, a formação diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes formas de organização da escola, a adequação dos conteúdos às peculiaridades locais, o uso de práticas pedagógicas contextualizadas, a gestão democrática, a consideração dos tempos pedagógicos diferenciados, a promoção, através da escola, do desenvolvimento sustentável e do acesso aos bens econômicos, sociais e culturais. Como se pode observar, não basta que as políticas públicas estejam estabelecidas em leis, decretos, programas. É imprescindível que essas políticas sejam, de fato, materializadas em condições objetivas para que possam ser efetivadas.

Ressalte-se, ainda, que em 2003 o Ministério da Educação instituiu um Grupo Permanente de Trabalho14 com a atribuição de articular as ações do referido Ministério, voltadas para a educação do campo, cujos debates deveriam subsidiar a construção de políticas que tenham como princípios o respeito e valorização da diversidade cultural do homem do campo.