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2 DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

2.3 O dever do Estado diante dos princípios constitucionais que regem o

2.3.1 Princípios organizativos

O princípio da descentralização possui caráter político-administrativo e orienta a implementação das ações e serviços de saúde, tendo em vista a autonomia dos entes federados e a responsabilidade de todos em garantir o direito à saúde. Diante da heterogeneidade15 brasileira e partindo do pressuposto de uma política de cooperação entre os entes, abre espaço para revisão de práticas institucionalizadas na maneira de condução da política, com o fim de imprimir maior transparência ao processo decisório. Contudo, em um cenário de disputa de poder local, tal princípio revela-se um constante desafio de efetividade, eficácia e eficiência (BAPTISTA, 2007).

Almeja-se fortalecer os gestores estaduais e municipais, mantendo o seu compromisso na garantia do SUS, e a continuidade do governo federal como principal regulador da política capaz de suprir eventuais fragilidades dos estados e municípios, especialmente no que diz respeito ao suporte técnico e financeiro. Vale ressaltar que a descentralização16 não equivale a uma ―receita de bolo‖ para todo o País. Torna-se necessário estabelecer estratégias diferenciadas, de modo a reforçar e auxiliar aqueles entes que precisam, e, concomitantemente, manter os recursos e meios para aqueles que já garantem o sustentáculo da estrutura do SUS.

Nesse sentido, preleciona o artigo 16, XIII, da LOS a competência da União para prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios visando ao aperfeiçoamento da sua atuação institucional. Por isso, há a necessidade de pactuações consensuais entre os entes para uma eficiente distribuição de responsabilidades, conforme as necessidades e diferenças geográficas e socioeconômicas locais e regionais. Com efeito:

Em diversas fases poderá haver questões operativas, financeiras, administrativas, que devem ser objeto de consensos no colegiado interfederativo, uma vez que as redes do SUS são móveis e não fixas, podendo ser alteradas constantemente, conforme se alterem as condições socioeconômicas, demográficas e epidemiológicas de uma localidade ou região. (SANTOS; ANDRADE, 2007, p. 112).

15No sentido de conviverem estados ricos e pobres, municípios de grande e de pequena extensão territorial. Não

apenas isso, conforme a região, há secretários de saúde que assumem ministério, enquanto outros mal

escrevem o próprio nome, ao passo que tem cidade com mais de 1.000 unidades de saúde, e outras sem sequer um médico (BAPTISTA, 2007).

16Importa fazer a seguinte distinção: o princípio constitucional da descentralização regulamentado pelo SUS

busca fortalecer o federalismo preconizado pela Lei Maior vigente, o que não se confunde com a descentralização política proposta pelo ideário neoliberal, que prescreve a redução do papel do Estado, a terceirização dos serviços e atividades originalmente estatais para a iniciativa privada, bem como a desconcentração do poder regulatório do Estado a favor das leis de mercado (MATTA, 2007).

São alguns exemplos de ações conjuntas no âmbito dos governos locais e regionais: Consórcios Intermunicipais de Saúde; Conselhos Intermunicipais Regionais de Saúde; Comissões Bipartites (CIB) e Tripartites (CIT); Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde; Associações de Secretários Municipais (Conasems) e Estaduais de Saúde (Conass).

Frise-se que as Comissões Intergestores17 emergem como uma inovação no próprio pacto federativo e no processo de descentralização das políticas de saúde. Trata-se de colegiados de negociação e deliberação sobre a implementação da política de saúde, ou melhor, são foros tecnoburocráticos com atribuição de decidir sobre os aspectos operacionais do SUS que surgem como mecanismo de interação entre os entes federativos (CANUT, 2011). Tais Comissões, juntamente com os Conselhos de Representação, constituem estratégias importantes de coordenação federativa no planejamento e gestão das políticas de saúde.

Acerca da diretriz da regionalização, refere-se a uma organização do sistema que deve focar a noção de território, em que se determinam perfis populacionais, indicadores epidemiológicos, condições de vida e suporte social, de modo a orientar as ações e serviços de saúde de uma dada região. Tal concepção aproxima a gestão municipal das carências e condições de vida de cada respectiva população, e ―[...] quanto mais perto da população, maior será a capacidade de o sistema identificar as necessidades de saúde e melhor será a forma de gestão do acesso e dos serviços para a população‖ (MATTA, 2007, p. 75).

Trata-se da municipalização, estratégia adotada no Brasil que reconhece o município como principal responsável pela saúde de sua população. Segundo Bonavides (2010), com o Estatuto Fundamental de 1988, a autonomia municipal alcança uma dignidade federativa jamais lograda no direito positivo das Constituições antecedentes.

Municipalizar é transferir para as cidades a responsabilidade e os recursos necessários para exercerem plenamente as funções de coordenação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria da saúde local, controlando os recursos financeiros, as ações e os serviços de saúde prestados em seu território. Os municípios, portanto, constituem os entes da federação que em primeiro lugar respondem pelo

17Cabe pontuar que suas deliberações se baseiam no consenso, e não no voto, o que viabiliza a administração do

conflito na esfera política institucionalizada. Esse fator, junto a sua composição paritária das comissões, representa um avanço por constituir novos ―arranjos políticos‖ no espaço de representação formal. Ademais, seus processos decisórios são monitorados pelos Conselhos de Saúde. Para Alvim (1999, p. 54), essas Comissões constituem ―[...] espaços privilegiados de harmonização e integração, e têm desempenhado um papel fundamental para assegurar ao SUS a tão necessária complementaridade das ações entre os diferentes níveis de governo‖.

atendimento ao público.18 Em contrapartida, para que tenham condições financeiras de atender satisfatoriamente à competência que lhes foi delegada, é-lhes repassada a maior parte da receita arrecadada pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS)19.

Em suma, a diretriz da regionalização está diretamente relacionada à descentralização, a qual preconiza a autonomia dos municípios. Afinal, o Brasil apresenta grandes diversidades econômico-sociais, climáticas e culturais que tornam a descentralização administrativa fundamental: ela possibilita que os municípios assumam a gestão da saúde em seus territórios de acordo com as necessidades e características de suas populações. Por outro lado, servindo de orientação para a regionalização, a hierarquização se refere aos níveis de complexidade do tipo de atendimento requerido pelas necessidades das pessoas (MATTA, 2007).

No caso específico do município de Fortaleza, além de possuir, por lei, a competência para a gerência e execução dos serviços de saúde pública, sendo-lhe, portanto, repassada a maior parte da verba orçamentária classificada para atender à saúde, a Portaria PT/GM/NS nº 1.343, de 19 de abril de 1999, habilitou-o oficialmente para cumprir esse papel, atribuindo-lhe a responsabilidade pela Gestão Plena de Saúde na cidade.

No que se refere à participação da comunidade, esse princípio permite aos agentes públicos a criação de mecanismos de participação dos membros da sociedade na formulação, na gestão e na execução e, especialmente, na fiscalização das ações e dos serviços públicos, incluindo aí a normatização. São exemplos as Conferências e Conselhos de Saúde, que realizam o ―controle social‖.

Os Conselhos de Saúde estão presentes nos três níveis de governo, representados pelo Conselho Nacional, o Conselho Estadual e o Conselho Municipal de Saúde. Essas instâncias representativas são organizadas de forma paritária, composta por metade de representantes de usuários e o restante de representantes de gestão, trabalhadores da saúde e prestadores privados. Devem se reunir em caráter permanente e deliberativo, com o fim de influir nas respectivas políticas de suas áreas de atuação (MATTA, 2007).

Já as Conferências devem se reunir em cada nível de governo (nacional, estadual e municipal) a cada quatro anos, com representação dos diversos segmentos sociais, podendo ser convocadas pelo Executivo, ou extraordinariamente pelos Conselhos ou pela própria

18Aos municípios cabe a gerência e a execução dos serviços públicos de saúde, conforme disposto expressamente

no artigo 18, I, da Lei nº 8.080/90.

19Nos termos dos artigos 2º, IV e 3º, § 2º da Lei nº 8142/90, ficou estabelecido que pelo menos 70% dos recursos

do FNS, alocados como cobertura de ações e serviços de saúde, serão destinados aos municípios, afetando-se o restante aos estados.

Conferência, conforme artigo 1º, § 1ª, da Lei nº 8.142/90. Seu objetivo reside em avaliar a situação de saúde em cada uma de suas áreas de competência e propor as diretrizes para formulação de políticas públicas.