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Princípios típicos da tutela coletiva sob o influxo do formalismo-valorativo

No tópico anterior ficaram demarcadas as peculiaridades que tornam o processo

coletivo um universo normativo relativamente autônomo – pois ainda dialoga com o modelo codificado –, em especial sua estrutura como um microssistema permeado por uma ininterrupta comunicação entre seus referenciais normativos.

Diante desta característica, para alcançar o status de ramo é forçoso que exiba um conjunto de princípios ínsitos ao direito processual coletivo, dando uma conformação ao seu objeto e dirigindo o método de compreensão e incidência de suas regulações.

Esse corpo principiológico se mostra fundamental nesta disciplina jurídica dada à ausência de um conjunto bem preciso e sedimentado de normas processuais, a tal ponto que ainda existe uma forte tendência de condensar esse volume disperso em um código (ALMEIDA, 2015, p. 430).

Assim os princípios cumprem a função primordial de imantar, como um verdadeiro núcleo no âmbito do processo coletivo, todas as leis e normas esparsas do microssistema, dando- lhes mais unidade e coesão hermenêutica.

Ainda nos subsidiando do escólio de Gregório Assagra de Almeida (2015, p. 430), essa tarefa cometida aos princípios é realçada na tutela de massa em decorrência dos seguintes fatores: i) sua natureza processual-constitucional-social; ii) a sua importância jurídica, social e política; iii) potencialidade da sua tutela jurídica; iv) a carência de um conjunto de normas processuais específicas bem sedimentadas; v) a generalização, a relativização, a força normativa e superioridade vinculante e irradiante dos princípios sobre as simples regras.

Como tivemos oportunidade de discorrer no capítulo primeiro, vivemos uma transição de paradigma na ciência jurídica, em particular despontando o Pós-positivismo tendo, dentre outros aportes, revitalizado o emprego dos princípios na tarefa exegética, reputando-os como normas jurídicas com propriedades distintas das regras, de modo que sua funcionalidade traz uma nova metódica na tarefa de interpretar e aplicar o direito.

Esse ressurgimento dos princípios também alcançou – como não poderia ser diferente dada sua disciplina constitucional – a tutela coletiva, de que é exemplo lapidar o PL no. 5.139/2009, cujo propósito é editar uma nova lei da ação civil pública. Neste projeto, há um capítulo inteiro dedicado a apontar seus princípios típicos como se observa pela redação do art. 3º, tornando mais segura e efetiva uma atuação concretizadora dos bens coletivos.

Diante destas considerações, é preciso assentar também a natureza aberta – não terminativa – do rol de direitos metaindividuais modelado pelas demandas sociais e a interação dessa aldeia global gestora de inéditas e complexas relações a desafiar um renovado figurino jurídico.

Dentro desta perspectiva merece registro as seguintes ponderações

Trata-se de uma cláusula constitucional aberta sobre o próprio direito coletivo, como direito constitucional fundamental, com o condão de incorporar todas as dimensões constitucionais sobre direitos coletivos, previstas expressamente ou implicitamente [...] O fato de o direito coletivo pertencer, no Brasil, à teoria dos direitos constitucionais fundamentais impõe que se imprima à expressão uma leitura aberta e ampliativa, própria da interpretação dos direitos constitucionais fundamentais do pós-postivismo (ALMEIDA, 2010, pp. 256 e 257).

Partindo da premissa de que não é possível esgotar (art. 129, III, última parte da CF c/c art. 1, IV da LACP), de antemão, quais interesses e reivindicações podem ganhar o rótulo de coletivo, de igual modo sua tábua principiológica está em constante construção, explicando a diversidade de nomenclatura e do elenco de postulados entre os diversos autores e obras sobre a matéria.

Apesar desta constatação, há certo consenso girando em torno de algumas diretrizes alçadas a condição de princípios, reprisando inexistir qualquer atitude pretensiosa deste escrito em indicar um catálogo imutável, mas nos arvorando a consignar, na esteira do magistério de Gregório de Almeida Assagra (2015, pp. 432-434), os seguintes: i) do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo; ii) da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum; iii) ativismo judicial ou máxima efetividade do processo coletivo; iv) não- taxatividade da ação coletiva; v) disponibilidade motivada e da proibição do abandono da ação coletiva; vi) legitimidade ativa concorrente ou pluralista; vii) interpretação aberta e flexível da causa de pedir e pedido.

Como introito para análise dos mesmos, é preciso assentar uma premissa que guarda relação com a opção feita neste estudo, qual seja, o norte interpretativo dos princípios se fará sob

o manto do Pós-positivismo, especialmente ancorado no dogma da supremacia das normas constitucionais a conformar toda a legislação que lhe é sujeita.

Dentro desta linha, na seara processual, os princípios da tutela coletiva se submetem ao fenômeno da constitucionalização o qual impõe que os valores da Lei Fundamental deverão guiar todas as normas processuais, de forma que o processo sirva à realização daquela, por conseguinte, seguindo uma linha metodológica que se denomina de formalismo-valorativo (ZANETI JR., GOMES, 2012, p. pp. 311, 315 e 316).

O formalismo-valorativo se insere no tema do desenvolvimento histórico e metodológico do processo civil, embora tangencie a temática dessa dissertação, é de suma importância tecer considerações dada à sua repercussão na forma de conceber o papel dos princípios e demais institutos na seara metaindividual.

Esta fase denominada formalismo-valorativo se opõe ao modelo instrumentalista, cuja base deve-se ao trabalho de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.

Referido processualista (2003, pp. 6 e 7) perfilha a compreensão da totalidade do processo como abarcando sua porção formal – ritos e formalismo – sem descurar a delimitação dos poderes e faculdades das partes e do julgador, tudo predisposto ao atendimento de suas finalidades maiores: busca da justiça e pretensão de correção, ambos em conformidade com a Constituição.

No instrumentalismo se propunha relações entre processo e Constituição em termos tais a indicar uma quase relação de paridade, com a insistência de que o processo civil como disciplina ostentaria ainda certa esfera de autonomia teórica em relação ao direito constitucional. Nessa perspectiva, busca-se a efetividade entendida como a realização do direito material, ainda que este esteja divorciado de uma harmonia com o texto constitucional. Ademais, haveria uma assimetria com ênfase na figura do julgador, por ilação, a jurisdição passa a ser o centro do processo (ALMEIDA, 2007, pp. 132 e 138).

Ricardo Barros Leonel (2011, p. 22) pondera que sob o instrumentalismo houve uma preocupação com o denominado processo civil de resultados, e apesar do seu alinhamento à posição do formalismo-substancial, reconhece que aquele impulsionou avanços na busca de um pleno acesso à ordem jurídica do qual se beneficiou fortemente a jurisdição coletiva.

Esse receituário foi superado em nome do incontornável giro metodológico por que passou todo o ordenamento pátrio – impulsionado pela promulgação da Carta Federal – donde a

bússola normativa passou ser o seu texto, ditando toda a atividade de interpretação das demais, normas num fenômeno cunhado por constitucionalização do processo.

Vem essa nova vertente realçar que o fim do processo é a justiça nos moldes delineados na tábua axiológica constitucional, na esteira da concepção de sua supremacia e unidade.

Por sua vez, se aproxima duma postura que valoriza a colaboração, impondo ao julgador não somente observar os ditames do devido processo legal, em especial o contraditório sob o viés da dialeticidade, como também assegurar o direito à influência e o dever de dialogar com as partes, buscando em última instância reequilibrar as forças entre os litigantes dentro da relação processual (ZANETI JR., GOMES, 2012, pp. 315 e 316).

Neste último aspecto já se delineia afinidade do formalismo-valorativo com o modelo cooperativo36 de processo, instituindo uma comunidade de trabalho entre os sujeitos numa perspectiva simétrica – especialmente na etapa probatória – com o escopo de alcançar a justiça material fundada nos valores constitucionais como a boa-fé, a isonomia material e o devido processo legal substancial.

Embora essa guinada para o modelo cooperativo tenha sido abraçada pelo novo Código de Processo Civil (Lei Federal no. 13.105/2015, art. 6º), é relevante assentar que de há muito já vem sendo sufragado pelos estudiosos do processo coletivo como demonstram os dispositivos do anteprojeto CPCO-IBDP (art. 2º, alíneas “e” e “f” c/c art. 11, § 3º) e do PL no. 5139/2009 art. 3º, VII c/c art. 20, IV.

Outra característica exsurgente desta nova fase metodológica é a de que o fim último do processo não se limita a proclamação da vontade objetiva da lei, numa palavra, a aplicação ou não do direito positivo. Isso implica dizer que a jurisdição deve almejar também a realização das opções políticas fundamentais – de matriz constitucional – atendendo as expectativas sociais aninhadas nestes vetores predispostos ao atendimento das necessidades da coletividade, sempre cambiantes e de forte relevância social (LEONEL, 2011, pp. 32-36).

Ora, é a tutela coletiva como ferramenta para o exercício da democracia participativa franqueada por essa busca de concretização de normas constitucionais, cuja carga eficacial forçosamente conduz a uma juridicização da política, introduzindo no ambiente judiciário demandas que envolvem a implementação de políticas estatais.

Nota-se, então, uma busca pela substancialização da relação jurídica processual, apartando-se do formalismo ainda presente no programa esposado pela corrente instrumentalista, por meio de uma guinada na percepção do processo como um direito fundamental.

3.4 Dos postulados do interesse no conhecimento do mérito do processo coletivo e do