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Como mencionamos na introdução deste capítulo, o objeto de estudo trata de investigar o processo de inserção da Capoeira no contexto escolar. Para o estudo, nos valemos da pesquisa qualitativa, do “tipo” etnográfica envolvendo estudos de caso. Em relação aos estudos de caso, optamos pela técnica da observação participante como meio de produzir os dados.

Sendo assim, o trabalho será referenciado em estudos realizados por André (1995) sobre etnografia que, segundo a própria autora, apoiada em Spradley, tem como principal preocupação compreender “o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados” (ANDRÉ, 1995, p. 19). No entanto é preciso nos cercarmos de alguns cuidados em relação à essa metodologia, pois a referida autora alerta para a diferença da etnografia no trabalho dos antropólogos (interesse na descrição da cultura de um grupo social) e dos estudiosos da educação (interesse no processo educativo). Desse modo, a autora conclui que os estudiosos da educação realizam estudos do tipo etnográfico, e não, etnografia em seu sentido estrito. André (1995) apresenta algumas características relacionadas a esse tipo de estudo: requer o uso de três técnicas importantes, a saber, a observação participante (tem esse caráter pelo fato do pesquisador ter um determinado nível de relação com a situação estudada), a entrevista (utilizada no intuito de elucidar dúvidas, bem como aprofundar determinadas questões, suscitadas no processo de observação) e a análise de documentos (utilizados a fim de contextualizar o fenômeno estudado); requer uma interação direta e permanente entre pesquisador e os sujeitos a serem pesquisados, levando o pesquisador a ser o principal instrumento de coleta e análise de dados; requer a ênfase no processo, caracterizando o fenômeno, seus acontecimentos e suas evoluções; requer uma preocupação com o

significado que o fenômeno tem para quem o realiza, procurando apreender diretamente do participante sua visão das ações realizadas em relação a si próprio e ao seu entorno; requer um trabalho de campo, ou seja, o pesquisador necessita ir a campo e se aproximar não só das pessoas, mas também das situações, locais e eventos dos quais participam, estabelecendo um contato direto e permanente com eles (vale ressaltar que não há um tempo rigidamente estabelecido para a permanência do pesquisador no campo e sua estada dependerá da aprovação dos sujeitos que o constituem); requer descrição e indução, ou seja, estar atento para descrever as situações, as pessoas, os ambientes, os diálogos, enfim, o que envolve o objeto estudado; requer a formulação de hipóteses, conceitos e, não suas testagens e comprovações; mas para que isso se concretize é preciso um plano de trabalho que seja flexível e aberto para que constantemente os focos de investigação, as técnicas de coleta de dados e os referenciais teóricos sejam (re)avaliados e discutidos.

Tais características permitem que na pesquisa do tipo etnográfica

[...] se chegue bem perto da escola para tentar entender como operam no seu dia-a-dia os mecanismos de dominação e de resistência, de opressão e de contestação ao mesmo tempo em que são veiculados e reelaborados conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e de sentir a realidade e o mundo. Conhecer a escola mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica das relações e interações que constituem o seu dia-a-dia, apreendendo as forças que a impulsionam ou que a retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de organização do trabalho escolar e compreendendo o papel e a atuação de cada sujeito nesse complexo interacional onde ações, relações, conteúdos são construídos, negados, reconstruídos ou modificados. Essa visão de escola como espaço social em que ocorrem movimentos de aproximação e de afastamento, onde se criam e recriam conhecimentos, valores e significados vai exigir o rompimento com uma visão de cotidiano estática, repetitiva, disforme, para considerá-lo, como diria Giroux (1986), um terreno cultural caracterizado por vários graus de acomodação, contestação e resistência, uma pluralidade de linguagens e objetivos conflitantes (ANDRÉ, 1995, p. 41).

Ainda de acordo com a autora, o estudo da prática escolar envolve algumas dimensões, quais sejam, a institucional ou organizacional, a instrucional ou pedagógica e a sociopolítica/cultural. A primeira dimensão – institucional ou organizacional – diz respeito ao contexto da prática escolar, isto é, às formas de organização do trabalho pedagógico, participação dos sujeitos e seus níveis hierárquicos, enfim, toda uma rede capaz de formar e transformar o cotidiano escolar. A segunda dimensão – instrucional ou pedagógica – diz respeito às relações estabelecidas entre docentes-discentes-

conhecimento, nas quais estão envolvidos os objetos e conteúdos de ensino, bem como as atividades, o material didático-pedagógico, os meios de comunicação entre professor e alunos e a maneira como se dá a avaliação do processo de ensino-aprendizagem. A terceira dimensão – sociopolítica/cultural – diz respeito a uma análise ampla do contexto sociopolítico e cultural, ligado às estruturas macro da prática educativa. A exposição de tais dimensões é importante na medida em que esclarece a maneira como nós, os pesquisadores, devemos nos portar no campo.

Apesar de apresentar as características de um estudo do tipo etnográfico, as possibilidades para a escola e as dimensões do estudo, André (1995) aponta alguns problemas que podem ocorrer durante o estudo, dentre eles, a possível limitação que pode acontecer em relação à descrição do campo e dos sujeitos, ou seja, é preciso irmos para além do que está posto, é preciso interrogarmos as situações, os ambientes e os sujeitos observados a fim de desvendarmos o pano de fundo presente sob as ações. Devemos ter o cuidado de fazermos valer o princípio da relativização, isto é,

[...] que o trabalho etnográfico deve se voltar para os valores, as concepções e os significados culturais dos atores pesquisados, tentando compreendê-los e descrevê- los e não encaixá-los em concepções e valores do pesquisador” (ANDRÉ, 1995, p. 46).

Nesse sentido, acreditamos que seja interessante lançarmos mão do enfoque interpretativo, uma vez que estaremos lidando com um fenômeno social que por sua vez apresenta a característica central da interação. Desse modo,

[...] o experimentador é influenciado pelas reações da realidade estudada, pelo conhecimento que vai adquirindo, pelas relações que estabelece e pelos significados que compartilha. Se a influência de interação existe de qualquer maneira, sendo praticamente impossível neutralizá-la sem pôr em risco o próprio processo de investigação, o correto é reconhecê-la, compreender seu alcance e suas conseqüências.

Por outro lado, se queremos passar do mundo operacional, das manifestações observáveis dos fenômenos, para o mundo das representações subjetivas, para compreender o sentido que tais acontecimentos têm para as pessoas que o vivem numa situação concreta, será necessário penetrar além do que permite um instrumento objetivo de aplicação distante (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 103).

Para tal, consideramos necessário um envolvimento parcial e gradativo no campo e, entendermos o cotidiano escolar sob um ponto de vista mais amplo, capaz de produzir um trabalho efetivamente com o cotidiano da escola e não uma visão limitada que vê o

campo e o cotidiano da escola apenas como espaço-tempo para a coleta de dados, produzindo trabalhos no cotidiano. Dessa forma, produzir um trabalho com o cotidiano requer a busca pelo conhecimento que seja capaz de compreender e transformar a realidade estudada, sendo assim,

Investigar para intervir [e interagir] na escola requer, portanto, compreender o meio complexo que preside e medeia as trocas simbólicas entre os indivíduos e grupos que a compõem. Como qualquer outro meio social, o escolar não é nem exclusiva, nem fundamentalmente o cenário físico ou psicossocial observável, não é somente o contexto real, mas o percebido e sentido pelos indivíduos e grupos (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 111).

Após expormos os princípios teórico-metodológicos a serem utilizados no estudo, bem como suas características, dimensões e cuidados, apresentamos as trilhas que percorremos até chegarmos às escolas investigadas.