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Principais abordagens em projetos de metagenômica

Em linhas gerais, análises metagenômicas consistem no isola- mento de DNA proveniente de uma amostra ambiental, fragmenta- ção e clonagem do DNA em um vetor adequado, inserção dos clones em um hospedeiro bacteriano, e screening das células transformadas. Os clones podem ser avaliados quanto à presença de marcadores filo- genéticos (conhecidos como âncoras), tais como o próprio gene rRNA 16S ou o gene recA, ou de outros genes conservados. Também podem ser testados quanto à expressão de fenótipos ou características espe- cíficas, tais como atividades enzimáticas ou a produção de antibióti- cos. Por fim, outra possibilidade é o sequenciamento aleatório de clo- nes da biblioteca (HANDELSMAN, 2004). Na Figura 1, mostra-se um organograma clássico em projetos de metagennômica.

181 Capítulo 6 – Metagenômica: princípios e aplicações

Escolha de um metagenoma Amostra Extração DNA/RNA Criar biblioteca Depósito e curadoria de banco de Avaliar diversidade: •Análises de rRNA 16S •Fingerprinting com T-RFLP •Análises baseadas em hibridização

QUAIS ORGANISMOS? O QUE ELES ESTÃO FAZENDO? Descrever ambiente (coleta de metadados) Projetos Genoma Tradicionais Projetos em Metagenômica Baseados em sequência

“Diagrama” completo de um organismo

Bioinformática e Análise Novas tecnologias permitem

o sequenciamento sem a construção de bibliotecas dados Sequenciamento Montagem Anotação Geração de genomas completos Avaliar função Expressão de genes em sistemas heterólogos Detecção de clones positivos

para a função de interesse Sequenciamento de clones Identificar genes Comparar com outras comunidades Identificar vias metabólicas

Traduzido e adaptado de: RESEARCH COUNCIL (U.S.). COMMITTEE ON METAGENOMICS: CHALLENGES AND FUNCTIONAL APPLICATIONS, 2007

Baseados em função

Figura 1. Organograma das diferentes etapas de um projeto em metagenô-

mica.

Fonte: Traduzido e adaptado de Research Council (US). Committee on Metagenomics: Challenges and Functional Application, 2007.

Dessa forma, duas estratégias são mais frequentemente utilizadas na busca de alvos funcionais presentes em bibliotecas metagenômi- cas, sendo possível dividir os estudos nos seguintes tipos de aborda- gens: screenings baseados em análise funcional e screenings baseados em sequenciamento.

Uma abordagem baseada em função gênica busca por clones que expressam a característica de interesse nas bibliotecas construídas. A partir da seleção de clones positivos, é possível a obtenção de informa- ções acerca do controle genético da característica em estudo. Isso pode ser realizado por subclonagem e sequenciamento do fragmento meta- genômico inserido no vetor de expressão, e posterior anotação gênica para definição das ORFs presentes no fragmento clonado (MIRETE et al., 2007). Uma das vantagens desse tipo de estratégia está na pos- sibilidade de se capturar clones com potencial aplicação direta – por

biotecnologia – estado da arte e aplicações na agropecuária

exemplo, na descoberta de enzimas de interesse biotecnológico para a indústria. Outra vantagem é a chance de descoberta de sequências funcionais não descritas em estudos anteriores, com papéis distintos de biocatalisadores já conhecidos (YUN; RYU, 2005).

Por outro lado, para que os fragmentos metagenômicos inseridos nos hospedeiros de expressão (por exemplo, E. coli) possibilitem a detecção de clones positivos para a característica de interesse na biblio- teca, é preciso que os genes contidos nos fragmentos sejam correta- mente transcritos, traduzidos e que as enzimas sintetizadas sejam biologicamente funcionais. Além disso, caso a função biológica exija a expressão de múltiplos genes, é necessária a presença de todos os genes da via em questão, para que esta seja identificada. Em uma situ- ação em que centenas ou milhares de clones precisam ser avaliados, essa estratégia exige o estabelecimento de métodos eficientes e econô- micos para que a avaliação seja feita em alta escala (YUN; RYU, 2005). Os primeiros estudos que utilizaram um screening baseado em sequência fizeram uso de hibridização ou PCR para a detecção de genes de interesse, tendo como referência sequências de DNA con- servadas. Assim, essa estratégia não poderia ser aplicada para um número grande de alvos, e também não garantiria a obtenção de genes completos, ou grupos gênicos necessários para a síntese de um pro- duto desejado. Apesar de já ter sido utilizada na descoberta de várias enzimas de importância industrial, a aplicação típica para esse tipo de abordagem acabou sendo a amplificação de genes ribossomais em estudos de diversidade filogenética (YUN; RYU, 2005).

Estudos de sequenciamento de bibliotecas metagenômicas têm feito uso de sequenciamento shotgun, e mais recentemente, sequen- ciamento de nova geração (como, por exemplo, pirosequenciamento). Essas metodologias fornecem uma grande quantidade de informação, desde relações filogenéticas, descoberta de novos genes e dedução de vias metabólicas em bactérias não cultiváveis. A quantidade de dados leva a análises laboriosas para as quais novos paradigmas de estudo em bioinformática ainda estão sendo estabelecidos.

Tanto os estudos baseados em prospecção de função, quanto os estudos que fazem uso de sequenciamento de DNA apresentam uma baixa frequência de detecção de clones positivos (tão baixas quanto

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quatro clones positivos em 930.000 clones avaliados) (HENNE et al., 2000). Várias estratégias foram implementadas para aumentar a efici- ência no screening. Entre elas, o uso de organismos hospedeiros como

Streptomyces lividnas ou Pseudomonas putida e E. coli a fim de se supe-

rar as limitações e dificuldades da expressão heteróloga de metabóli- tos secundários (KOMATSU et al., 2010). Etapas de enriquecimento de microrganismos não cultiváveis que contêm as características de interesse também têm sido empregadas antes da construção de biblio- tecas metagenômicas (ENTCHEVA et al., 2001).

Outra abordagem de screening (Screening de Expressão Gênica Induzida por Substrato – SIGEX, em sua sigla em inglês) foi pro- posta como alternativa para o aumento na frequência de detecção de clones positivos (UCHIYAMA et al., 2005), tendo sido testada inicial- mente na busca por genes induzidos por hidrocarbonetos aromáticos em uma biblioteca metagenômica de águas subterrâneas.

Sua lógica se baseia no fato de a expressão de genes catabólicos ser, em geral, induzida por substratos ou metabólitos de enzimas catabóli- cas. Além disso, a expressão de genes catabólicos é controlada por ele- mentos regulatórios em grande parte localizados em regiões próximas aos genes. Dessa forma, a técnica detecta clones que hospedam genes catabólicos expressos na presença de substratos, e não expressos na ausência destes. A estratégia faz uso de um vetor (p18GFP) no qual o sítio de clonagem divide o promotor lac e o gene gfp. Após a construção da biblioteca metagenômica utilizando esse vetor, clones sem inserto e clones expressando GFP constitutivamente na ausência de substrato são removidos por indução por IPTG. A expressão de genes catabóli- cos na biblioteca é determinada pela expressão de GFP na presença do substrato. Dessa forma, clones positivos são separados em placas contendo ágar e posteriormente caracterizados (YUN; RYU, 2005).

Evidentemente, um dos primeiros e mais importantes passos em qualquer projeto em metagenômica é o isolamento de DNA do ambiente em estudo. Não existe um único protocolo adequado para a extração de DNA de todos os ambientes imagináveis. Quantidade, pureza, integridade e representatividade do DNA após o isolamento são elementos-chave passíveis de consideração. A extração pode ser realizada por lise direta ou indireta, ou seja, diretamente da amostra

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ambiental ou após a separação e concentração das células microbia- nas presentes na matriz ambiental (LEVEAU, 2007). O tipo de proto- colo escolhido é altamente dependente do ambiente em estudo, dada a diferença gritante entre fatores como densidade microbiana, presença de contaminantes ou inibidores de amplificação por PCR, por exem- plo. Em alguns casos, um passo de purificação é incluído no protocolo após a extração, a fim de se minimizar a contaminação com substân- cias indesejáveis. Vários kits comerciais também estão disponíveis no mercado, otimizados para tipos específicos de amostra.

Outros fatores que também devem ser levados em consideração envolvem a representatividade microbiana na amostra de DNA extra- ído. Em alguns casos, o método de extração necessário na obtenção de DNA de um organismo pode degradar o DNA de outro. Dessa forma, é possível que, em algumas situações, mais de um método de extração deva ser utilizado na construção de uma biblioteca metage- nômica. Além disso, a integridade do DNA isolado vai refletir no tipo de uso posterior desse material no fluxo do projeto: procedimentos que envolvem lise por trituração com beads tendem a fragmentar o DNA e são mais adequados à construção de bibliotecas de pequenos insertos, como, por exemplo, para sequenciamento shotgun. Por outro lado, protocolos de lise química de células recuperadas de plugues de ágar podem produzir fragmentos clonáveis de tamanho superior a 1 milhão de pares de base, adequados ao screening de âncoras filogené- ticas ou de fenótipos de interesse (LEVEAU, 2007).